Sábado, 20 de fevereiro de 2016
Paulo Victor Chagas - Repórter da Agência Brasil
Insatisfeitos
com a falta de uma previsão para a reabertura do Teatro Nacional, em
Brasília, dezenas de artistas, produtores culturais e órfãos do espaço
se reuniram hoje (20) para promover um abraço simbólico.
O
objetivo foi chamar atenção e pressionar para que as obras de reforma
sejam iniciadas. Com mais de 45 mil metros construídos, o maior conjunto
arquitetônico projetado por Oscar Niemeyer na capital federal -
destinado exclusivamente às artes - foi fechado em janeiro de 2014 e não
tem data para voltar a funcionar.
A intenção da manifestação de
hoje foi plantar a semente para que as pessoas que têm uma relação com o
teatro participem das mobilizações. Segundo o produtor e bailarino
Valdemar Piauí, criador do grupo no Facebook que deu origem à
iniciativa, a proposta é fazer com que as pessoas ocupem pelo menos uma
vez por mês a parte externa do Teatro Nacional com manifestações
artísticas.
“Acho que a pressão serve pelo menos para que haja
discussão. É uma questão de vontade política. O movimento faz com que a
sociedade tome conhecimento. Tem muitas pessoas que passam aqui na
frente e que não sabem que o teatro está fechado”, disse. Segundo ele, é
importante conscientizar que o espaço faz falta não só para artistas,
mas também para toda a população.
Argumentação
“O
Teatro Nacional é um dos poucos no Brasil com estrutura para receber
uma ópera, um balé, um musical. Não tem outro lugar em Brasília. De
alguma forma sai de um circuito internacional de produções nesse nível,
porque não tem como trazer”, afirmou Valdemar.
A professora de
Sociologia Mariana Cintra, 28 anos, que participou do ato, concorda com o
organizador. Dizendo-se uma “pública ativa” de eventos artísticos, ela
se queixa da redução dos espaços culturais em Brasília nos últimos anos.
Mariana dá aula em escolas públicas de São Sebastião, região
administrativa do Distrito Federal, e defende que os moradores e
turistas precisam novamente ter o local como opção.
“Trabalho com
meus alunos a perspectiva de compreender a sociedade a partir das
movimentações artísticas. É algo essencial no trabalho de uma escola com
adolescentes. Para uma pessoa que mora nas cidades-satélites, quando
eles vêm aqui [o Teatro Nacional] é uma opção. Até porque há
cidades-satélites que não têm teatro”, reclamou.
Recursos
A
secretaria de Cultura do Governo do Distrito Federal alega que a gestão
atual já recebeu o teatro fechado, e que, desde então, trabalha para
readequar o projeto de reforma elaborado pelo governo anterior, orçado
em R$ 220 milhões. Segundo a secretária-adjunta da pasta, Nanan Catalão,
esse valor é inviável, pois o orçamento do órgão, para lidar com todas
as despesas, inclusive de pessoal, é de apenas R$ 159 milhões para este
ano. Presente à manifestação, Nanan afirmou que, desde o ano passado, a
secretaria de Cultura promove reuniões com possíveis parceiros, cujas
articulações estão em fase “bem avançada” de estudos.
Fiscalização
Em
2013, o Corpo de Bombeiros promoveu vistorias e constatou que há 113
exigências para que o local ofereça condições de segurança contra
incêndios e pânico e afirmou que não há alvará de funcionamento e
habite-se. Após essas notificações, o Ministério Público do Distrito
Federal e Territórios recomendou à secretaria de Cultura a suspensão de
qualquer atividade ou promoção no teatro até que sejam cumpridas as
exigências e sejam emitidos o habite-se e a licença de funcionamento.
Além
de reuniões institucionais, o governo também trabalha com o
redimensionamento do projeto, que está sendo feito pela equipe técnica
da secretaria. Segundo a secretária, não é possível revelar se as
parcerias envolvem iniciativas privadas porque as conversas ainda estão
em andamento, mas uma “alternativa desejável” seria trabalhar com um
plano de ações emergenciais para atender as principais exigências do
Ministério Público.
“A gente está trabalhando num processo de
articulação. É cedo dizer qualquer questão porque a gente ainda está
fazendo essas articulações. Não vou ser irresponsável de dar qualquer
tipo de prazo neste momento. Não há nenhuma solução definida para o
teatro. Quando tiver, a gente comunicará”, informou Nanan.
Prejuízos
George
Angelo, da Cia de Arte Negra Obará, que promove aulas de dança,
capoeira, percussão e audiovisual, voltadas para o conhecimento da
cultura negra, lamenta a falta de uma perspectiva para o início das
obras. “Prejudicou muito [o fechamento]. A gente tinha duas salas
maravilhosas abertas, de graça, a Martins Pena e a Villa Lobos. Quando
elas fecham, a gente fica completamente inerte. A gente fica sem pai,
sem mãe, estamos completamente à mercê do Estado nesse sentido, com uma
impressão negativa de que nossos impostos não servem absolutamente de
nada”, queixa-se.
De acordo com ele, as aulas da Cia de Arte são
ofertadas gratuitamente no anexo do Teatro Nacional, em uma sala de
balé, e em outros locais do Distrito Federal. Ele reclama, porém, que o
fechamento contribuiu para outros problemas. “A gente tem um teatro que
só tem ratos ali dentro, e servindo de pernoite para assaltantes. Sou
completamente avesso a qualquer tipo de discriminação, mas ali está
sendo utilizado de forma muito errada para assaltos”, conta.
Ao
conversar com os cerca de 50 participantes do ato, a secretária Nanan
respondeu a críticas de falta de manutenção da área externa, após um dos
presentes citar o descuido com o jardim. “A gente entende, sofre com
vocês. De forma alguma estamos num descaso”, disse.
Já a
professora Mariana fez um apelo para que as negociações não envolvam a
participação de empresas privadas. “A gente sabe que precariza, porque o
espaço deixa de ser público. Os interesses da empresa vão ser
superiores ao interesse social. O governo tem mostrado claramente
intenção de fazer parcerias com instituição privada, com OS [Organização
Social]. Em termos de administração, a longo prazo, a OS sai mais cara
não só financeiramente, mas para a sociedade”, argumentou.
De
acordo com os organizadores do ato, um novo evento já está programado
para o próximo dia 19 de março. Como a proposta é mobilizar pessoas com
ações práticas, a programação do “MOVIMENTO OcupA ComArte o Teatro Nacional-DF” prevê um sarau e um piquenique no local.