Segunda, 16 de maio de 2016
Da Auditoria Cidadã da Dívia
* por Lujan Maria Bacelar Miranda
Pela primeira vez desde 1979 temos um
governo sem mulheres à frente de qualquer ministério. Em tempos
tenebrosos, devemos relembrar que somos a maioria da sociedade, que
temos maior escolaridade, que somos responsáveis por cerca de 40% dos
lares do país, que recebemos os menores salários, somos as maiores
vítimas do assédio moral e sexual, do racismo, da homofobia, xenofobia,
do preconceito e da intolerância religiosa, regional e etária. Que somos
as maiores vítimas da violência e da impunidade (a cada duas horas uma
mulher é assassinada no Brasil).
Que com o agravamento da crise somos as primeiras a serem demitidas e
a termos o nosso trabalho precarizado. Que as políticas de ajuste
fiscal nos atingem direta e indiretamente quer negando ou reduzindo e
cassando nossos direitos, através de leis e reformas neoliberais como a
da previdência, que visa acabar, inclusive, com a aposentadoria especial
das mulheres, quer piorando ainda mais os serviços públicos, com o
objetivo de privatizá-los como ocorre com a saúde pública submetida ao
caos, para justificar sua privatização/terceirização através de
organizações sociais.
Tudo isso e muito mais está comprovado por estudos, pesquisas e
principalmente pelo cotidiano das mulheres de todas as idades e de todas
as regiões do país.
Basta refletirmos sobre a realidade das mulheres trabalhadoras, de um
modo geral, com dupla e tripla jornada de trabalho, sem condições
dignas de exercerem suas atividades e com péssimos salários. Sobre a
realidade das mulheres negras, vítimas do preconceito e da violência,
recebendo os mais baixos salários e vendo seus filhos e filhas serem
vítimas de uma verdadeira faxina étnica, à margem da sociedade, muitos
inclusive, destruindo suas vidas nas prisões ou no submundo do tráfico e
das drogas. Sobre as mulheres idosas, vítimas do preconceito e da
violência estatal, que não lhes garante uma aposentadoria digna e nem o
acesso à saúde no momento em que mais necessitam. Sobre as mulheres
jovens, que convivem com a insegurança e a violência, amargam o
desemprego e a falta de perspectivas e muitas vezes ainda têm que
conviver com a gravidez precoce e os abortos clandestinos, sem a devida
educação e saúde, colocando em risco suas vidas e ainda sendo
criminalizadas. Sobre as mulheres indígenas, tentando sobreviver nas
periferias, à beira de estradas, vendendo artesanatos e sendo vítimas do
racismo e do ódio, como a mãe do Vítor, menino kaiagang, de 02 anos,
assassinado enquanto sua mãe o amamentava em Santa Catarina. Sobre as
mulheres quilombolas, ribeirinhas, trabalhadoras rurais, sem terra, sem
teto, despejadas de suas casas, impedidas do direito à moradia, à terra e
ao trabalho para viverem com dignidade.
Sobre as mulheres em idade fértil ou grávidas, amedrontadas com a
zica, chicungunha, dengue e outras enfermidades, que não existiriam ou
estariam controladas se houvesse saneamento básico, educação pública de
boa qualidade, número de profissionais suficiente para o atendimento à
população e condições dignas de trabalho e salário para os trabalhadores
e trabalhadoras da saúde e demais servidores e servidoras públicas.
É muito importante que façamos todas as denúncias neste momento e em
todos os dias do ano. Que ressaltemos que apesar de todas as
adversidades, de toda a violência da União, dos Estados, Municípios,
governos, patrões e da omissão da sociedade, de um modo geral, através
da luta avançamos muito e mesmo com o processo de
desconstitucionalização promovido pelos governos e pelo congresso
nacional, temos inúmeros direitos assegurados nas leis e na Constituição
do país, perante a qual, homens e mulheres são iguais em direitos e
obrigações. Temos o direito à educação, ao voto, a exercer qualquer
profissão. Conquistamos espaços e instrumentos, como os conselhos para
traçarem políticas para as mulheres, creches, casas abrigo e delegacias
de atendimento especializado às vítimas da violência doméstica.
Instrumentos importantes, mas, em quantidade e qualidade insuficientes
para o atendimento à demanda das mulheres!
Mas, precisamos ir além da luta pelos direitos específicos das mulheres!
Precisamos escancarar as causas disso tudo, mostrar para a sociedade
que esta triste realidade é fruto do machismo, racismo, homofobia e do
Imperialismo, que na atualidade se alimenta do Sistema da Dívida, a
maior corrupção que existe, essência do sistema capitalista e causa
direta do endividamento público e da falta de recursos para as políticas
sociais.
Vivemos uma grave crise e para enfrentá-la, qual tem sido a política
dos governos ao longo dos anos, especialmente de 2008 para cá, auge da
crise que vivemos atualmente? Por que a União, os Estados e os
Municípios que conformam a República Federativa do Brasil, estão
quebrados? Por que a dívida pública está tão alta? Para onde foi todo
esse dinheiro? Por que os direitos sociais, especialmente os direitos
das mulheres não são respeitados?
Ouvimos todos os dias, nos grandes meios de comunicação e nos
discursos dos/das governantes e das elites que a culpa é da Previdência,
do Bolsa Família, dos Servidores e Servidoras Públicas e das precárias
políticas sociais.
Não os ouvimos dizerem que a culpa é dos banqueiros e demais credores
nacionais e internacionais. Não mostram que quase a metade de tudo que é
gasto pelo Governo Federal todos os anos vai direto para pagamento de
juros e “amortizações” da dívida pública interna e externa, que só
crescem de forma assustadora (em 2015 teve aumento recorde de 21,7%)! E
que o povo brasileiro não tem sequer o direito de saber o nome dos
beneficiados com essa dívida porque estão protegidos pelo sigilo
bancário.
E quanto mais a dívida cresce, mais o Governo e o Congresso Nacional,
submissos aos banqueiros e aos organismos internacionais que os
representam (FMI, Banco Mundial, dentre outros), mais impõem ajustes
fiscais, cortes orçamentários e outras medidas, como a Desvinculação das
Receitas da União (DRU), que propõem seja prorrogada até 2023,
aumentada de 20 para 30% e ampliada para os Estados e municípios. Um
conjunto de medidas e instrumentos que conformam o denominado Sistema da
Dívida, que sangra os recursos públicos, privatizam as riquezas e o
patrimônio e impõem cada vez mais restrição de direitos.
Em matéria publicada na página da Câmara dos Deputados
(www2.camara.leg.br) no dia 08/07/2015, com o título “Proposta renova
DRU até 2023 e amplia desvinculação para 30% da receita”, está escrito o
real objetivo da DRU, nos seguintes termos: “Os recursos obtidos com a
desvinculação ajudam o governo federal a atingir a meta de superavit
primário, permitindo o manejo de recursos para despesas como o pagamento
de juros da dívida pública, que não são vinculadas por lei às
receitas”. Ou seja, o governo retira das verbas da Educação, da Saúde e
outros setores sociais, para favorecer o setor financeiro, com o
pagamento de juros de uma dívida pública ilegal, ilegítima, imoral,
odiosa, desumana e injusta. A cada ano, cerca de 47% de tudo que é
arrecadado pela União vai diretamente para esse setor.
A dívida pública cresce de forma absurda não é porque o Governo
investe nas políticas públicas ou é gastador como afirmam os meios de
comunicação. A dívida pública cresce porque o governo e o Congresso
Nacional não rompem com o Sistema da Dívida, mantém uma política de
juros altíssimos impostos pelos representantes dos bancos e demais
instituições financeiras, de forma unilateral, emitem títulos da dívida
para pagamento de juros sobre juros (anatocismo) de forma ilegal,
promovem o “endividamento às avessas” (dívida sem efetiva entrega de
recursos), não realiza a Auditoria da Dívida, que de acordo com a
Constituição brasileira (art. 26, dos Atos das Disposições
Constitucionais Transitórias) deveria ter sido realizada em 1989.
E a maior prova disso é a redução dos gastos com as políticas
públicas de interesse da população. Os recursos aplicados nas políticas
para as mulheres, por exemplo, vêm caindo drasticamente. De 2013 para
2014 a queda foi de quase 20%, segundo quadro elaborado pela Auditoria
Cidadã da Dívida, a seguir. E de 2014 para 2015 a redução foi ainda
maior.
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* Licenciada em Física, advogada, assessora sindical, artesã,
especialista em Direito Constitucional. É coordenadora do Núcleo
Capixaba da Auditoria Cidadã da Dívida.