Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 10 de abril de 2017

50 anos do meu desterro em Fernando de Noronha

Segunda, 10 de abril de 2017
 


Tribuna da Imprensa Sindical

Helio Fernandes

De 1964 a 1985, minha vida foi tormentosa. Prisões, perseguições, processos de toda ordem. Mas acredito que nem os generais ambiciosos,torturadores, arbitrários, atrabiliários, autoritários admitissem que poderiam chegar tão longe.


Em novembro de 1966, eu era candidato a deputado federal pelo MDB. Como as pesquisas me davam votação extraordinária, começaram as tentativas dos usurpadores, para que eu retirasse a candidatura. Nos comícios diários, muita gente me perguntava a razão de eu querer trocar o jornalismo pela política. E eu respondia invariavelmente:"Não quero trocar e sim aumentar meu arsenal de combate.

Como a minha forma de expressão é a palavra escrita, mas também a palavra falada, vou usar as duas, diariamente. Um artigo no jornal um discurso na Câmara". Como naturalmente eu era vigiadíssimo, sabiam de tudo. E colocaram o general Golbery grande articulador, com a missão de impedir a minha candidatura. Naturalmente não conseguiu falar comigo. (Isso nem o "presidente" Castelo Branco obteve. Só eu e o grande Sobral Pinto recusamos "convite" para conversar).

A CASSAÇÃO

Golbery foi procurando meus maiores amigos, sem sucesso. Esteve varias vezes com o padrinho de um dos meus filhos, Procurador da Republica. Com a mudança da capital, não quis ir para Brasília. ficou como Procurador Geral na Guanabara. Golbery insistia com ele: "Diz ao seu compadre que ISSO não vai demorar para sempre, ele é moço, terá outras oportunidades". De recusa em recusa, chegamos ao fim da campanha em 12 de novembro, quando o Diário Oficial publicaria minha cassação. Mas na véspera, todos já sabiam.

O candidato a senador na chapa do MDB, o combatente Mário Martins me telefonou, queriam ir à minha casa, com companheiros de candidatura. Foram. Ele Márcio Moreira Alves, Hermano Alves e outros. A proposta: o encerramento da campanha estava marcado para o dia seguinte, 9 da manhã na PUC. Queriam que eu fosse o único orador, falasse por todos. Aceitei, claro.

ÀS 9 da manhã parava na PUC, o reitor, Padre Laércio estava me esperando, falou: "Jornalista, na minha sala estão 2 coronéis, disseram que o senhor não pode falar, está cassado. Respondi que não recebo ordens do Exercito e sim da Cúria, que deixou a decisão por minha conta. Por mim o senhor está autorizado a falar".

Respondi: "Padre Laércio se o senhor me autoriza, estamos perdendo tempo, já devíamos estar no palanque". Multidão esperando, fiz o discurso mais violento da minha vida.

O DESTERRO COMO VINGANÇA
72 horas depois da cassação a resposta dos ditadores de plantão. Fui preso, proibido de escrever (ainda não havia censura oficial, que só começaria em 15 de junho de 1968), não poderia dirigir jornal, nem ter o nome como diretor do jornal. Mas não estavam satisfeitos. Aproveitaram uma oportunidade, me intimaram a ir à Policia Federal. Fui com 2 amigos e advogados, os notáveis Evaristinho e Jorge Tavares.

AS horas iam se passando e nada. Só às 9 da noite, o chefe da Policia Federal recebeu a noticia: eu estava desterrado para Fernando de Noronha, ideia do coronel Passarinho. E num requinte de sadismo, eu passaria a noite na Polícia do Exercito. De 15 em 15 minutos oficiais fardados, berravam na porta da minha cela, "aqui é melhor do que Fernando de Noronha".

A VIAGEM TORTURA
Pela manhã me levaram para o aeroporto, me jogaram dentro de um avião de transporte americano, usado pelos paraquedistas. Só eu e o piloto, um simpático Major da Aeronáutica, me falou: "Daqui a Fernando de Noronha, 9 horas e meia de voo, não sei se temos combustível para isso. Mas o Ministro da Justiça, (o carrasco Gama e Silva) deu ordens para não pararmos nem para reabastecimento.

Foi tétrico o transporte. Não havia nada para comer, só um pouco de água. 6 ou 7 horas depois, o Major deu sinais de preocupação. E me explicou: "Dentro de 1 hora vamos entrar numa área, terror até para os pilotos mais experientes" (Era aquela zona onde anos depois cairia um avião da Air France, matando mais de 400 pessoas)

Compreensivelmente assustado o piloto me disse: "Vou passar um rádio para o Brigadeiro Parreiras Horta, comandante desta área, pedindo autorização para mudar de rota". Quando disse ao brigadeiro onde estava e a ordem do Ministro da Justiça, recebeu instruções aos berros: "Saia daí, vire para a esquerda, em 10 minutos, você sai daí, entra no caminho de Natal, toda a tranquilidade". E acrescentou: "Você recebe ordens minhas e não do Ministro da Justiça. Vocês dormem em Natal, amanhã tomam o caminho de Fernando de Noronha".

Tudo o que está aqui é rigorosamente inédito. Os 30 dias do desterro estão contados num livro, intitulado, "Recordações de Fernando de Noronha". Gosto muito do livro, mas os generais detestavam. Quando Carlos Lacerda me visitou na ilha maldita viu que eu estava escrevendo, falou: "Esse livro é meu" (Nova Fronteira). Outros editores tiveram a mesma ideia, mas a ditadura teve outra melhor: PROIBIU. Uma editora católica de Nova Iguassu imprimiu 600 exemplares, que distribuí entre amigos.Uma tristeza.