Segunda, 10 de abril de 2017
Da Tribuna da Internet
Llorenti exibe a foto de Powell mentindo na ONU
Sergio Caldieri
Na reunião de emergência do Conselho de Segurança das Nações Unidos
sobre o ataque dos Estados Unidos à Síria, aconteceu uma cena insólita. O
embaixador boliviano Sacha Llorenti fez um duro pronunciamento em que
desmoralizou os argumentos do governo dos Estados Unidos. Foi um
discurso tão verdadeiro e importante, que vale a pena ser transcrito na
íntegra, porque a grande mídia nem registrou o importante fato, preferiu
publicar a fala do presidente boliviano Evo Morales.
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UMA QUESTÃO DE TRANSPARÊNCIA
Sacha Llorenti
É vital que não só os membros de nossa organização, mas todo o mundo
possa conhecer as posições dos membros do Conselho de Segurança de modo
completamente transparente, dados os eventos recentes na Síria.
A Bolívia requereu a convocação dessa reunião, preocupada com os
eventos das últimas horas. Enquanto o Conselho debatia as propostas
sobre qual seria o mecanismo de investigação a ser adotado para saber o
que realmente houve naqueles horríveis ataques químicos que a humanidade
testemunhou, enquanto discutíamos os termos da Resolução e enquanto os
membros permaNentes e não permanentes apresentavam suas contribuições
para o texto de uma Resolução, os EUA, mais uma vez, prepararam e
lançaram um ataque unilateral.
Não há dúvidas de que os ataques com mísseis são ação unilateral.
Representam grave ameaça à paz e a segurança internacionais. Por quê?
Porque durante os últimos 70 anos a humanidade erigiu uma estrutura não
só física e institucional, mas também legal. A humanidade estabeleceu
instrumentos de Direito Internacional precisamente para impedir que se
repitam situações nas quais, protegidos pela mais completa impunidade,
países mais fortes ponham-se a atacar países mais fracos. É um esforço
para garantir algum equilíbrio no mundo, e, claro, também para impedir
violações gravíssimas contra a paz e a segurança internacionais.
MULTILATERALISMO – Entendemos que é dever do
Conselho de Segurança, mas não só dele, também de toda a ONU, de todos
seus organismos, defender o multilateralismo. Estamos aqui para defender
o multilateralismo. Reafirmamos que a Carta das Nações Unidas tem de
ser respeitada. E a Carta das Nações Unidas proíbe ações unilaterais.
Toda ação tem de ser autorizada pelo Conselho, nos termos da Carta.
Permitam-me ler aqui alguns artigos, para relembrá-los a todos.
O Artigo 24 declara que, para garantir ação pronta e efetiva da ONU,
os membros depositam no CS a responsabilidade primordial de manter a paz
e a segurança internacionais e reconhecem que, na execução dessas
tarefas, sob essa responsabilidade, o CS age em nome de todos.
CLARA VIOLAÇÃO – Esse Conselho de Segurança, não só
os 15 membros aqui sentados à essa mesa, representa os 193 países dessa
organização e, através deles, representa o povo do mundo. E nessa
condição e com essa representação, decidimos que ações unilaterais
violam do Direito Internacional.
Enquanto, discutíamos os projetos de resolução, enquanto nos
esforçávamos para encontrar alternativas e alcançar um consenso do CS,
os EUA atacaram unilateralmente. E não só atacaram unilateralmente como,
ao tempo em que discutíamos exigindo investigação independente e
imparcial, investigação completa sobre aqueles ataques, os EUA se
autoerigiram eles mesmos investigadores, procuradores, juízes e
tribunal.
Que fim levou a investigação que nos permitiria saber objetivamente
quem é o responsável por aquele ataque? Estamos diante de violação
extremamente séria, extremamente séria, do Direito Internacional.
VÁRIOS EXEMPLOS – Não é a primeira vez na história
que se produz tal coisa. Lembramos, ainda, ocorrências nas quais várias
potências, não só os EUA, agiram unilateralmente e violaram a Carta da
ONU. Mas o fato de que isso aconteça novamente não significa que a ONU e
seus membros devam aceitar.
Em setembro de 2013, os EUA lançaram também ataques contra a Síria.
Lembro o que disse o então secretário-geral da ONU, Ban-Ki Moon, naquela
ocasião. Permitam-me ler a citação em inglês, do que disse o
secretário-geral. Abro aspas: “O Conselho de Segurança tem a
responsabilidade primordial [de preservar] a paz e a segurança. Apelo no
sentido de que tudo seja feito no quadro da Carta da ONU. O uso da
força só é legal no caso de autodefesa, nos termos do artigo 5 da Carta
da ONU, e desde que o CS aprove a ação.” Fecho aspas.
Essa foi a posição do então secretário-geral, quando contribuía para
evitar uma ação unilateral, em situação muito semelhante a que temos
hoje.
AMEAÇA À PAZ – O ataque unilateral dos EUA contra a
Síria é ameaça contra a paz e a segurança internacionais, porque ameaça a
efetividade dos processos políticos em Genebra e em Astana. [O
subsecretário] Sr. Feltman disse-o muito bem, na mensagem da Secretaria
Geral, que é vital evitar uma escalada nas tensões, que descarte e
agrida os progressos que estão sendo obtidos em Astana.
Não é a primeira vez que isso acontece. Gostaria de relembrar o que
se passou nesse mesmo CS há alguns anos, precisamente dia 5/2/2003,
quando o então secretário de Estado dos EUA veio a essa sala para nos
apresentar, segundo palavras dele mesmo, provas concludentes de que
haveria armas de destruição em massa no Iraque. [Mostra a foto de Colin Powell e a falsa amostra de antrax que exibiu então].
INVASÃO DO IRAQUE – Creio que é absolutamente
imperativo que recordemos essas imagens que são fotografias tomadas
precisamente nessa sala onde estamos: ouvimos aqui a garantia de que
havia (haveria) armas de destruição em massa no Iraque e que esse era
(seria) o motivo da invasão. E a invasão causou 1 milhão de mortos, e
depois dela houve longa série de atrocidades naquela região.
Estaríamos hoje falando de Daech (Estado Islâmico), se
aquela invasão tivesse sido impedida de acontecer? Estaríamos falando
dessa série de horríveis ataques em vários pontos do mundo, se aquela
invasão ilegal ao Iraque não tivesse acontecido? Estou convencido de que
é vital para todos relembrar o que aquela história nos ensinou ao
mundo.
Para o Iraque, os EUA teriam investigado longamente e teriam (diziam
que tinham) todas as provas necessárias para demonstrar que o Iraque
tinha armas de destruição em massa. Mas, se algum dia existiram, jamais
foram encontradas. As armas de destruição em massa do Iraque nunca foram
encontradas.
MAIS UMA DESCULPA – Repito o que disse hoje pela
manhã o presidente Evo Morales. Abro aspas: “Acredito e sinto – e penso
que não estou enganado – que as armas químicas que se diz que existiriam
na Síria não passam de desculpa para intervenção militar ilegal. Ações
unilaterais são ações imperialistas. Os EUA zombam do Direito
Internacional. Ignoram o Direito Internacional sempre que lhes convém.
Problemas internacionais, entre estados, devem ser resolvidos pelo
diálogo, não à bomba. Estamos diante de uma ameaça à paz e a segurança
internacionais”. Fecho aspas.