Terça, 10 de outubro de 2017
do MPF
Entidade que representa a etnia entende que os
pedidos da ação têm relação direta com os interesses do povo indígena
Waimiri Atroari
Foto: MPF/AM
A Associação Comunidade Waimiri Atroari (Acwa), que representa
formalmente os interesses da etnia, pediu à Justiça para ingressar como
interessada na ação movida pelo Ministério Público Federal (MPF) no
Amazonas, na qual o órgão exige o reconhecimento de violações a direitos
fundamentais e reparação de danos causados ao povo indígena durante a
construção da BR-174, no período da ditadura militar no Brasil.
A ação,
apresentada à Justiça em agosto deste ano, exige a reparação dos danos
causados ao povo indígena, por meio de indenização no valor de R$ 50
milhões, pedido oficial de desculpas e inclusão do estudo das violações
sofridas pelos indígenas nos conteúdos programáticos escolares, e requer
também garantias de direitos para que tais episódios não se repitam.
Nos pedidos de decisão liminar urgente, o MPF quer que a Justiça
obrigue o governo brasileiro e a Funai a retificarem a área da Terra
Indígena Waimiri Atroari para incluir o trecho referente à BR-174 como
parte da terra indígena e proíba qualquer medida de militarização da
política indigenista naquele território, como incursões militares sem o
consentimento do povo Waimiri-Atroari e possível condução de assuntos
referentes a direitos indígenas da etnia por agentes e órgãos militares.
A ação civil pública tramita na 3ª Vara Federal do Amazonas, sob o número 1001605-06.2017.4.01.3200. O pedido de ingresso da Acwa como parte da ação aguarda decisão da Justiça para ser acatado.
Consulta prévia – A ação inclui ainda, entre outros
itens, pedido de liminar para proibir qualquer medida legislativa ou
administrativa com impacto sobre o território Waimiri Atroari sem
consentimento e autorização prévia e determinante da comunidade
indígena, que deve ser consultada, conforme a Convenção nº 169 da
Organização Internacional do Trabalho (OIT), de forma livre e informada,
com base em regras a serem definidas pelo próprio povo Kinja.
O MPF sustenta no documento que “o Estado causou a morte de diversos
Kinja por ataques diretos e em razão do contato interétnico, o que deve
ser reparado”. Nesse sentido, o órgão pede que, ao final da ação, a
União e a Funai sejam obrigadas a realizar cerimônia pública de pedido
de desculpas na Terra Indígena Waimiri Atroari, em que se reconheça os
atos praticados contra o povo indígena pelo Estado brasileiro, e
entreguem à comunidade todos os documentos governamentais, civis ou
militares produzidos no período da ditadura militar, referentes à etnia e
ao empreendimento de construção da BR-174.
Relatos de mortes e violações de direitos – O
inquérito civil público, que serviu de base para a ação, foi instaurado
em 2012. Foram cinco anos de coletas de documentos e oitiva de
testemunhas sobre os fatos narrados na ação. Este ano, quando a ação
estava quase pronta, o MPF se reuniu com lideranças indígenas do povo
Waimiri-Atroari, que concordaram com o seu teor e pediram que o órgão
fosse adiante com as demandas de reparação. Após o encontro, o órgão
recebeu depoimento gravado pelos líderes Waimiri Dawna e Wanaby, no qual
contam em detalhes todo o sofrimento a que foram submetidos durante a
construção da BR-174.
“A abertura da estrada passou bem ao lado de um dos nossos roçados.
Nele havia muita plantação de mandioca. Na aldeia havia poucos
guerreiros e não tivemos chance de atacar naquele momento. Não queríamos
arriscar perder a vida contra aquele grupo de homens brancos bem
armados. […] Antes do início da abertura da estrada nós éramos livres,
fortes, andávamos pelos caminhos, de uma aldeia para outra. Quando
chegou a construção da estrada nossa população diminuiu. Veio muita
doença. Fomos envenenados durante a noite pelo inimigo. A perseguição
sempre ocorria à noite. Durante o dia era tudo normal. Durante a noite
escutávamos barulho alto de espingarda ou bomba. Não sabíamos o que era.
Sentíamos muito medo”, contam os índios no depoimento originalmente
concedido na língua Kinja e traduzido para o português por intérpretes
da etnia.
Em outro trecho da gravação, Dawna e Wanaby relatam diversas mortes
em função de doenças contagiosas que afetaram as aldeias após a abertura
da estrada. “Depois que a estrada ficou pronta, a doença conhecida por
sarampo quase matou toda a aldeia. Muitos kinja morreram”.
Para o procurador da República Julio Araujo, coordenador do GT Povos
Indígenas e Regime Militar que assinou a ação com outros cinco
procuradores, o país revive um momento de fortes pressões
político-econômicas ao território dos povos indígenas, situação
semelhante à que colocou os waimiri à beira do extermínio décadas atrás.
Segundo ele, o MPF tem o dever de evitar que relatos lamentáveis como
esses se repitam.
“A tentativa de passar por cima dos direitos indígenas para implantar
projetos de infraestrutura, como linhas de transmissão e estradas, ou
para assegurar a exploração de recursos minerais gerou consequências
muito graves, e a reparação nunca será plena. Não repetir os mesmos
erros, ainda mais em tempos democráticos, é o mínimo que se espera para
que não ocorram novas violações”, afirmou Araújo.