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(Millôr Fernandes)

domingo, 10 de dezembro de 2017

Na cultura Guarani, o bispo seria um pobre, e o papa, um mendigo

Domingo, 10 de dezembro de 2017
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Da Tribuna da Internet
Leonardo Boff

Deu em O Tempo


Há uma crise generalizada acerca do poder e de seu exercício, uma crise sistêmica, vale dizer, a percepção de que o modo como entendemos o poder e seu exercício, em todos os âmbitos da realidade, não nos faz melhores. Vivemos quase sempre sob formas degeneradas, burocráticas, patriarcais, autoritárias, senão ditatoriais. Max Weber, um dos grandes teóricos do poder, deu-lhe uma definição que tomou como referencia seu lado patológico, e não seu lado sadio. Para ele, poder é fazer com que o outro faça aquilo que eu quero.
Por que não entender o poder como expressão jurídica da soberania popular, poder compartido e servicial? O ético desse poder consiste em reforçar o poder do outro para que ninguém se sinta sem poder, mas participante das decisões que afetam a todos.
CHEFE DA TRIBO – Em tempos de crise, convém revisitar outras formas de exercício de poder que nos ajudem a superar o pensamento único. Penso aqui na forma como os Guarani entendiam o poder e seu portador, o chefe da tribo.
Um pesquisador francês, Louis Necker, nos traz um relato impressionante acerca desse tema: “Índios Guaranies y Chamanes Franciscanos: las Primeras Reducciones del Paraguay”. Permito-me transcrever alguns tópicos ilustrativos de outro tipo de exercício de poder.
O chefe não tinha poder de coerção. Seus ‘súditos’ aceitavam sua autoridade e sua preeminência só na medida das contraprestações que recebiam dele. O chefe dirigia os empreendimentos comunais…. Tinha um privilégio: a poligamia (para ajudá-lo nas muitas tarefas). Mas, por sua vez, tinha obrigações bem precisas, cuja não execução podia significar-lhe o abandono de seus súditos: conduzir a política exterior do grupo, tomar decisões em matéria econômica, repartir com justiça entre as famílias os lotes de terreno, manter a paz no grupo e muitas vezes ter qualidades de xamã, úteis ao grupo, como o poder de curar ou o controle das forças sobrenaturais. Era muito importante que o chefe fosse eloquente. E, sobretudo, devia ser generoso. Para conservar o poder, o chefe devia fazer presentes de bens, de serviços, de festas… Na selva, essa obrigação podia ser tão pesada que o chefe se via obrigado a trabalhar mais que os outros e a renunciar quase a toda posse para si mesmo. É papel do chefe dar tudo o que se lhe pedissem: em algumas tribos se pode reconhecer o chefe na pessoa que possui menos que os outros e leva os ornamentos mais miseráveis”.
O poder da Igreja – O cristianismo não escolhe a cultura na qual vai se encarnar. Encarna-se naquela que encontra. Assim fez com a cultura do judaísmo da diáspora (judeus que viviam fora da Palestina), com o judaísmo palestinense, com a cultura grega da Ásia Menor e com a cultura imperial romana. Desta encarnação nos veio o atual cristianismo com suas positividades e limitações.
A Igreja romano-católica assumiu um estilo de poder, não pregado por Jesus, mas dos imperadores, um poder absoluto carregado de símbolos que subsistiram nos papas até Francisco. Ele se despojou deles, renunciando especialmente à famosa “mozetta”, aquela capinha nos ombros carregada de ouro e prata.
EXEMPLO DE FRANCISCO – O papa seguiu os passos do “poverello” de Assis e foi morar onde vão se hospedar os bispos e padres que chegam a Roma.
Que tal se o cristianismo, em vez de lançar raízes na cultura ocidental greco-latina e depois germânica, tivesse assumido a forma Guarani de exercício de poder?
Então, encontraríamos os padres, paupérrimos, os bispos, miseráveis, e o papa, um mendigo. Trabalhariam incansavelmente a serviço dos fiéis. Sua marca registrada seria a generosidade sem limites.