Terça, 15 de agosto de 2023
Apesar do avanço das fronteiras do agro sobre as terras cultiváveis, a agricultura familiar representa 76,8% dos estabelecimentos rurais do Brasil - MST
Por trás dos produtos na prateleira do mercado estão embates abertos em torno da distribuição fundiária do Brasil
Redação
Brasil de Fato | São Paulo (SP) | 15 de Agosto de 2023
De onde vem a comida que consumimos no Brasil? Quais as disputas que estão por trás de cada alimento saudável para que ele chegue – ou não – na mesa da população?
Diferentemente das vistosas propagandas que dizem que “o agro é pop” e produz “a riqueza do Brasil”, o agronegócio – cuja área ocupada e cujo lucro só crescem – raramente cultiva alimentos. O setor gera commodities: produtos em estado bruto, de origem agropecuária ou de extração mineral usados para fabricar outros produtos. A maior parte é para exportação e o carro-chefe é a soja transgênica.
Só a safra de grãos exportados em 2021 e 2022 — que foram principalmente milho e soja — chegou a 271 milhões de toneladas. Não à toa, o agronegócio começou o ano de 2023 com lucro recorde de US$ 8,69 bilhões, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Enquanto isso, 33,1 milhões de brasileiros passam fome no país.
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Commodity não enche barriga, mas a sua produção ocupa, de forma crescente, a maior parte das terras brasileiras. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do total das áreas de lavoura no país, três quartos estão destinados ao cultivo de soja, cana e milho.
O cruzamento de dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) feito pelo De Olho nos Ruralistas mostra como esse avanço das fronteiras do agronegócio acontece, recorrentemente, de forma ilegal e violenta. Cerca de 96 mil hectares de fazendas sobrepostas a Terras Indígenas, por exemplo, pertencem a apenas 42 políticos e suas famílias. A área de terra roubada equivale à soma das regiões urbanas do Rio de Janeiro e de Belo Horizonte.
Enquanto isso, a maior parte dos alimentos saudáveis que consumimos é cultivada por pequenos agricultores. Apesar de estarem perdendo espaço, 76,8% dos estabelecimentos rurais do país são da agricultura familiar.
O salário desses camponeses está longe do superávit de bilhões alcançado pelo agro no início do ano. Uma pesquisa do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) revela que a renda de 82% desses estabelecimentos é de pouco menos que dois salários mínimos.
Ainda assim, muito se faz e se produz. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) se tornou o maior produtor de arroz orgânico da América Latina. É uma das tantas organizações e comunidades – como indígenas, quilombolas e ribeirinhas – que aplicam experiências agroecológicas de produção de alimentos.
Função social da terra
Em um país em que menos de 1% das propriedades agrícolas corresponde a quase metade de todas as áreas rurais, experiências como essas só são possíveis por meio de organização e pressão popular.
O território de 130 hectares em Valinhos (SP) ocupado pelo MST em 2019 é um dos tantos exemplos. A área, antes ociosa, foi batizada de Acampamento Marielle Vive. Ali, 450 famílias plantam, em uma horta coletiva de mil metros quadrados, hortaliças, banana, mandioca, cúrcuma, entre outros cultivos. Vivem, no entanto, sob a sombra do despejo. A área é reivindicada pela Fazenda Eldorado Empreendimentos Imobiliários.
O que o movimento argumenta nessa e em todas as ocupações que faz é que aquela terra, antes, não cumpria sua função social. A Constituição Federal prevê, no artigo 186, que uma área cumpre essa obrigação quando aproveita a terra de forma racional e adequada, utiliza dos recursos naturais de forma a preservar o meio ambiente e respeita as relações dignas de trabalho.
Quando algum desses requisitos é desrespeitado, a Constituição determina que “compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária”. Movimentos populares ocupam esses territórios, portanto, para exigir que se cumpra a lei.
Esse cenário de disputa aberta sobre o destino das terras compõe o pano de fundo de quem e do que se cultiva no Brasil. É por isso – e o BdF explica – que comida, terra e luta são inseparáveis.
Edição: Rodrigo Chagas
Fonte: Brasil de Fato
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