Quinta, 13 de outubro de 2022
Cercado pelo agronegócio, o Quilombo Cocalinho, no leste maranhense, é engolido pelas chamas - Divulgação Agro é Fogo
A Articulação “Agro é Fogo” destaca que o uso do fogo como arma em conflitos por terra aumentou no governo Bolsonaro
Gabriela Moncau
Brasil de Fato | São Paulo (SP) | 13 de Outubro de 2022
Só no ano de 2021, 142 conflitos envolvendo fogo criminoso atingiram cerca de 38 mil famílias no Brasil. Entre as 132 comunidades diretamente afetadas, algumas foram incendiadas mais de uma vez. O estado do Mato Grosso do Sul, com 26 ocorrências, desponta como o campeão, seguido pelo Mato Grosso.
Neste segundo, das dez áreas protegidas mais desmatadas entre agosto de 2020 e julho do ano passado, seis são do povo Xavante. Para se ter ideia, a área atingida por incêndios florestais no Mato Grosso equivale a quase cinco vezes o tamanho de São Paulo.
A escalada destes números aconteceu durante o governo Bolsonaro. Conflitos envolvendo fogo acontecem em todos os biomas brasileiros, mas em 2021 o Cerrado concentrou 54% deles. De um ano para o outro, a taxa de desmatamento nessa região subiu 7,9% — o maior crescimento desde 2015. Desde que Jair Bolsonaro (PL) assumiu a presidência do país, em 2018, a devastação no Cerrado cresceu 17%.
A partir de sistematizações da Comissão Pastoral da Terra (CPT), estes dados estão na terceira fase do dossiê da Articulação “Agro é Fogo”. Lançado nesta quinta (13), o material de 100 páginas enfatiza a relação intrínseca entre os incêndios nos biomas brasileiros, os conflitos por terra e a política posta em prática pelo governo federal.
“O aumento das queimadas criminosas faz parte de um projeto político que está diretamente ligado às ações do poder legislativo e executivo”, ressalta a articulação “Agro é Fogo”, que reúne 30 organizações e pastorais atuantes na defesa da Amazônia, Cerrado, Pantanal e seus povos.
Citando que nas áreas da Amazônia Legal 44% das comunidades que sofreram com incêndios tiveram de enfrentar também ações de desmatamento e grilagem de terras, o documento reforça que o contexto é de uma “sobreposição de violências”.
“São áreas ricas em sociobiodiversidade sendo desmatadas com tratores e fogo, e depois empobrecidas com gados e monocultura, tudo isso ao redor das terras indígenas”, aponta o relatório.
O rastro das queimadas
Sob o título “Brasil em Chamas — o poder político no rastro dos incêndios”, o dossiê é composto por cinco artigos e sete textos sobre casos específicos de conflitos por terra envolvendo fogo criminoso. Entre eles, a luta do povo Krahô-Kanela por seu território no Tocantins; os Karipuna em Rondônia e os incêndios nos territórios veredeiros em Bonito de Minas Gerais.
A devastação causada por incêndios na Terra Indígena Karipuna, em Rondônia / Christian Braga / Greenpeace
Também no estado de Rondônia, as invasões na Terra Indígena (TI) Uru-eu-wau-wau, onde vivem sete povos (quatro dos quais isolados), são abordadas no relatório. Demarcada desde 1991, nos últimos três anos, a TI tem sido invadida por grileiros que acessam a área por meio da fazenda Marechal Rondom, que faz limite com o território. Neste contexto de conflito, um indígena foi espancado até a morte em 2021. Em reação às invasões, os Uru-eu-wau-wau vem se organizando com vigilância e combate autônomo aos incêndios.
No Mato Grosso, os Xavante, que se autodenominam A’uwe, enfrentam mais do que as tensões das suas 11 terras estarem rodeadas pelo agronegócio e de incêndios terem atingido uma área de 7.400 km² só em 2021. Além disso, eles têm sido pressionados, segundo o dossiê, “pelo projeto inconstitucional mobilizado pelo governo Bolsonaro, chamado ‘AgroXavante’, para expandir o monocultivo dentro das terras indígenas”.
“O dia do fogo não parou”
Quem vive em São Paulo provavelmente se lembra do dia 10 de agosto de 2019 quando, no meio do dia, o céu escureceu. O fato da fumaça das queimadas na Amazônia alcançarem o Sudeste deu ao que ficou conhecido como “Dia do fogo” repercussão internacional.
Incentivados pelo discurso de Bolsonaro, fazendeiros da região Norte do Brasil articularam, naquela data, uma ação organizada para desmatar, com fogo, áreas florestais visadas para a grilagem. De acordo com o dossiê recém lançado, no entanto, a prática segue ininterrupta.
O documento aponta que algumas das áreas devastadas na ocasião, como o Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Terra Nossa, no Pará, continuam sendo “invadidas por grileiros e gerando conflitos agrários mesmo sendo uma terra destinada, por lei, à Reforma Agrária”.
Segundo texto assinado pelos advogados e membros da CPT José Raimundo de Santana e Raione Lima Campos, somente neste assentamento paraense quatro lideranças já foram assassinadas. “A cada ano os focos de incêndio aumentam e a recorrência são os mesmos locais em que existe forte atuação do agronegócio”, salientam.
“A cadeia do agro utiliza o fogo de forma direta ou indiretamente associada a processos de desmatamento e grilagem, buscando consolidar a expansão da fronteira agrícola”, constata o dossiê, caracterizando os incêndios florestais como vetores da devastação ambiental e, ao mesmo tempo, como arma para expulsar os povos de seus territórios.
Edição: Vivian Virissimo
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