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(Millôr Fernandes)

domingo, 6 de agosto de 2023

CONFLITOS FUNDIÁRIOS —Conflitos no campo: 'O agronegócio de pop não tem nada', diz agente da Comissão Pastoral da Terra

Domingo, 6 de agosto de 2023

Agronegócio e pecuária extensiva são os catalisadores dos conlfitos fundiários em Pernambuco - Foto: Isabelle Rieger/ Arquivo ATBr

Giovani Leão, da CPT de Pernambuco, explica porque a zona da mata é o território com maior número de conflitos no estado

Iyalê Tahyrine
Brasil de Fato | Recife (PE) | 06 de Agosto de 2023

Só em 2022, 65 ocorrências de conflitos no campo envolvendo 31.056 pessoas foram registradas em Pernambuco. O número de pessoas afetadas por esse tipo de violência é maior do que a população de 120 dos 184 municípios do estado. Os dados fazem parte da publicação Conflitos no Campo Brasil 2022, que traz uma espécie de raio-x dos conflitos fundiários de todo o país.

Por mais um ano, a zona da mata desponta como a região mais conflituosa do estado, reunindo 52,3% do total de ocorrências, seguida da Região Metropolitana do Recife, com 20%, Agreste, com 18,5%, e Sertão, com 9,2%. Para explicar o motivo da escalada de conflito na zona da mata pernambucana, o Brasil de Fato Pernambuco conversou com Giovani Leão, agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Confira:

Brasil de Fato Pernambuco: Anualmente a CPT lança o Relatório de Conflitos no Campo no Brasil, com dados qualificados sobre os conflitos rurais no país. Qual é a importância das pessoas conhecerem esses dados?

Giovani Leão: Historicamente no Brasil e principalmente aqui no Nordeste, o campo, principalmente os agricultores e agricultoras produtoras de alimentos de verdade, sempre foram invisibilizados. Toda a população brasileira, principalmente que mora na cidade, sempre quer ter bons alimentos, saudáveis, sem agrotóxicos, de boa qualidade, mas nunca pensam naqueles que produzem.

O caderno de conflitos, esse documento que a CPT lança anualmente vem mostrar que os agricultores, agricultoras comunidades camponesas, indígenas, quilombolas e posseiros que produzem esse alimento que chega na mesa de todo cidadão brasileiro não tem uma vida fácil. Tem uma vida de ameaças, de direitos e desrespeitados, uma vida sofrida. Muitas vezes, não é reconhecido pelos governos municipais, estaduais, até pelo governo federal, não é respeitado pelos políticos e empresários.

Há uma violência grande com esses agricultores, então o caderno vem mostrar para a população brasileira que essa população vem sofrendo muito, vem sendo assassinada e expulsa da terra. Mostrando isso, a gente denuncia o que tá acontecendo e mostra pra sociedade e cobra justiça das autoridades.


Segundo o relatório, foram registrados 2.018 ocorrências em todo o território nacional em 2022, o que corresponde a uma média de um conflito a cada quatro horas. O que esses dados nos dizem sobre a força do agronegócio no Brasil?

Esses dados nos revelam que o agronegócio de pop não tem nada. É um agronegócio que vem destruindo a agricultura familiar. Porque a gente sabe que a principal força do agronegócio é a produção de commodities: carne bovina, soja, milho, trigo, algodão, laranja, mas tudo isso para exportação, pouquíssimas coisas abastecem a mesa do brasileiro e da brasileira. Então esses conflitos, um conflito a cada quatro horas, nos mostram o quanto é forte o agronegócio, o quanto o agronegócio tem poder político, econômico e de articulação, e ao mesmo tempo mostra o quanto a agricultura familiar e a produção camponesa é desvalorizada no país.

Até o ano passado se falava em 33 milhões de pessoas passando fome, então é a grande contradição do Brasil. Temos de um lado, 33 milhões de pessoas passando fome e do outro, o agronegócio fazendo propaganda de que é o maior produtor de alimento do mundo, sendo que não consegue nem alimentar o seu próprio país, mas consegue exportar. Então isso nos mostra o quanto o agronegócio é poderoso economicamente e o quanto é violento quando ataca os pequenos agricultores, os territórios indígenas, os territórios quilombolas.

Em Pernambuco foram registradas 65 ocorrências envolvendo 31.056 pessoas e a zona da mata segue como a mais conflituosa do estado, com 52% do total de ocorrências. A que se deve essa violência na zona da mata pernambucana?

É interessante essa pergunta, porque a cana de açúcar está deixando de ser a principal produção aqui na zona da mata, porque muitas usinas fecharam, algumas abriram falência e temos aí uma grande quantidade de terras ociosas, não produzindo nada. O que está acontecendo é que as usinas estão arrendando as terras ou colocando as terras em leilões. E essas terras estão sendo arrematadas ou arrendadas para grandes empresas pecuaristas, criadores de gado de grandes extensões, a pecuária extensiva.

Por que a zona da mata é rica em água, em terra, capim e outros materiais que servem para alimentação do gado. Porque tantos pecuaristas estão vindo para a zona da mata? Porque no município de Canhotinho, aqui no Agreste, já na fronteira com a mata sul foi inaugurado um frigorífico da Masterboi que no projeto inicial tem a capacidade de abater 500 cabeças de gado por dia.

A criação de gado de forma extensiva é incompatível com a produção de alimentos / Fernando Martinho/Repórter Brasil)

O Agreste, que é conhecido como a bacia leiteira, aquela região de Canhotinho Angelim, São João, Garanhuns, o pessoal disse que ali não tem gado suficiente para abastecer o frigorífico. A região que é mais propícia para isso é a zona da mata, já que a cana está saindo, entra o gado. Quando chega na nossa região, a criação de gado de forma extensiva é incompatível com a produção de alimentos, com a lavoura. Ele também é incompatível com moradores nas terras, então quando o pecuarista arrenda ou compra no leilão as terras, a primeira ação é expulsar os moradores, dizer que esses moradores são invasores, que não produzem nada, que estão invadindo a terra dele.

Pelo contrário, são agricultores e agricultoras que moram lá há mais de 30, 40, 50 anos, há gerações. Quando esses pecuaristas chegam querendo expulsar aí acontece o conflito, porque os pais, os avós desses agricultores antes trabalhavam na usina e nunca receberam seus direitos pela usina, alguns receberam um pedaço de terra pela dívida trabalhista e agora seus netos, seus filhos, vão ser expulsos da terra que seus avós já conquistaram, sem nenhum direito garantido.

Todas as localidades em que foram registradas as ocorrências desse tipo de conflito seguem sem solução. O que pode ser feito para reduzir os conflitos no campo?

Infelizmente, realmente segue sem solução. Desde 2015 e mais precisamente de 2018 que os conflitos na zona da mata vem crescendo cada vez mais. A gente fez inúmeras denúncias aos órgãos do Estado, aos órgãos judiciais, inúmeras audiências foram realizadas.

No ano passado, quando houve o assassinato do menino Jonathan lá na comunidade do Roncadorzinho, que também teve a tentativa de assinar seu pai, o agricultor Giovane, depois daquele episódio o governo do estado criou a Comissão Estadual de Acompanhamento dos Conflitos Agrários (CEACA) e dentro dela foi criada uma comissão que instalou câmeras e refletores nas comunidades para ver se amenizava a violência mas isso não atacou o foco do conflito.

Enquanto não resolver o problema das terras, o conflito tende a piorar cada vez mais. As usinas da zona da mata são grandes devedoras dos cofres públicos estadual, federal e também de débitos trabalhistas. As usinas são grandes devedoras. O Estado de Pernambuco, o Governo Federal poderia desapropriar essas terras das usinas por causa das dívidas e repassar essas terras para os agricultores e agricultoras que já residem e produzem nessas terras. Esse seria o caminho mais fácil para resolver o problema dos conflitos.



Edição: Vanessa Gonzaga