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(Millôr Fernandes)

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Brasil, Irã e Paulo Coelho

Terça, 11 de janeiro de 2011
 Por Ivan de Carvalho
“Eu, sinceramente, espero que o governo brasileiro se pronuncie a respeito”, assinalou em seu blog o escritor Paulo Coelho. Ele recebeu um email enviado por seu editor no Irã, Arash Hejazi, informando sobre a decisão do Ministério da Cultura e Orientação Islâmica do Irã de proibir a publicação de qualquer de seus livros no país.
    Os livros do mundialmente mais lido escritor brasileiro – 300 milhões de exemplares em 150 países – têm sido vendidos no Irã desde 1998. Paulo Coelho disse em seu blog contar com o governo brasileiro para resolver o problema, afirma considerar “um mal-entendido”, o que, considerando-se o regime do Irã e os precedentes na área literária, quase certamente não é. As autoridades iranianas certamente avaliaram atentamente o assunto antes de comunicarem sua decisão.
    “Espero que o Itamaraty e a ministra da Cultura, Ana de Hollanda, não se omitam em relação a essa medida arbitrária, pois, caso contrário, estarão assinando embaixo", disse o escritor, que também observou, com ironia, que até as edições piratas de seus livros foram proibidas e ele não sabe como o governo iraniano vai “fiscalizar isso”.
   A hipótese de mal-entendido, levantada por Paulo Coelho, apenas tenta deixar a porta aberta para uma eventual mudança da posição iraniana, mas não é verossímel. Na visão cultural e doutrinária das autoridades islâmicas que detêm o poder no Irã, a proibição é absolutamente lógica. Afinal, o escritor é um mago e costuma por a magia, em sua acepção ampla, como tema de seus livros. E a autoridade islâmica iraniana não admite nada que possa diferir (eu não disse contrariar) de sua interpretação do Corão.
   Um ensaio de iniciativa do governo brasileiro em defesa da liberdade de publicação dos livros de Paulo Coelho no Irã já foi feito. A ministra da Cultura, Ana de Hollanda, informada do problema na manhã de ontem, disse que iria telefonar até o fim do dia ao ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota. A ministra declarou que “qualquer tipo de censura é abominável. Precisamos saber como o governo pode se manifestar”.
   Uma declaração muito lúcida, mostrando que ela entende que está inserida no contexto do caso, como ministra da Cultura, mas não é a autoridade adequada para dar uma posição oficial do país. Assim como um esperado protesto da Academia Brasileira de Letras, da qual Paulo Coelho é membro, também não resolveria a questão de um posicionamento oficial do Estado brasileiro. Este só pode acontecer por intermédio da presidente Dilma Rousseff ou de ação formal do Itamaraty, em nome do governo.
   Dilma Rousseff já qualificou de “bárbara” e “medieval” a pena de morte por apedrejamento, que o Irã ia aplicar contra uma mulher, Sakineh Ashtiani. O apedrejamento, que não é uma pena “medieval” (na qual tinham preferência a fogueira e outras formas de matar condenados), mas da Antiguidade, foi sustado em relação a Sakineh, por adultério, mas ela ainda pode ser enforcada, por suposta participação em  homicídio.
   Paulo Coelho, que diz já ter vendido mais de 6 milhões de livros no Irã, aceitou a sugestão de seu editor iraniano de disponibilizar seus livros na Internet para download. Em 2005, seu livro El Zahir já havia sido proibido no Irã, que também proibiu, há tempo, um livro de Dan Brown e outro de Gabriel Garcia Marques.
Dá quase para apostar que, com interferência ou não do governo brasileiro, Paulo Coelho está definitivamente fora do mercado iraniano, ressalvadas as edições piratas e a Internet.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta terça.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.