Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Uma missão de Lula

Terça, 4 de janeiro de 2011 
Por Ivan de Carvalho
Os políticos mais habituados a uma visão estratégica de sua atividade já estão tirando conclusões a respeito de um dos principais papéis que o ex-presidente Lula deverá desempenhar durante o governo da presidente Dilma Rousseff.

    De fato, todo mundo sabe que, depois de livrar-se, em grande parte pela omissão das oposições, da crise do mensalão, o ex-presidente navegou em mar de almirante, com um crescimento da economia mundial que foi extremamente favorável ao desempenho econômico brasileiro.

   Houve apenas, em 2009, uma crise financeira internacional para a qual o Brasil se preparara durante o governo Fernando Henrique e o governo Lula até ali e que por isto não atingiu a economia e o Estado brasileiros com o impacto que teve nos Estados Unidos, onde se originou, e na Europa.

   E há de se reconhecer que Lula, pressionado pela aproximação das eleições de outubro último, adotou a opção correta de enfrentamento da “marola”, com medidas de incentivo econômico – por intermédio da expansão e facilitação do crédito e por desonerações fiscais – que evitaram uma situação muito grave. O crescimento econômico foi paralisado durante o ano de 2009, havendo inclusive crises setoriais, mas foram evitados trambolhões descontrolados.

    Por isto, em 2010 o crescimento foi retomado, até com intensidade superior à desejada pelo próprio governo, que no entanto deixou correr solto – apesar do surgimento de uma ameaça inflacionária importante – porque se tratava de um ano eleitoral. Agora, cabe a Dilma a missão ingrata de repor a economia nos trilhos e a primeira medida de contenção foi adotada ainda por Lula, às vésperas de deixar a presidência – o esquálido reajuste do salário mínimo.

   Além das medidas de contenção de gastos e de alguma compressão da economia para fazer retroceder a inflação, a presidente da República vai depender da economia mundial. Aí, duas coisas são as mais importantes. Uma é o andamento dessa guerra cambial em curso, na qual estão envolvidos principalmente os Estados Unidos da América e a China continental, embora não só, e que prejudica seriamente as exportações brasileiras. A outra é o preço das comodities, que estiveram ascendentes e no alto durante o governo Lula (uma razão fundamental para o êxito da economia no período). Dilma, que desde a campanha eleitoral é católica, deve rezar para que as comodities continuem em alta.

   Mas outros problemas estão postos: dívida pública de R$ 2 trilhões, dívida externa federal de R$ 100 bilhões (Lula chegara a dizer que o Brasil era “credor”, mas logo ficou claro que se tratava de uma pilhéria). E há sempre o fantasma de escândalos de corrupção no governo.

   Aí é que entram as conclusões dos estrategistas a que nos referimos nas primeiras linhas. Lula, com a sua imensa popularidade, está aí para intimidar uma oposição que, pelos próprios resultados das urnas, já está muito frágil. Se Dilma estiver bem, popularmente, no último ano de governo, ela pode ser candidata à reeleição. Mas se não estiver seria ainda pior – as oposições teriam de enfrentar nas urnas a candidatura do mitológico Lula. E este é o pior dos mundos para as oposições. Para evitá-lo, as oposições, raciocinam os políticos que pensam estrategicamente, estarão dispostas a serem muito gentis com Dilma Rousseff. Forçar este fenômeno seria um dos principais papéis de Lula.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta terça.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.