Quarta, 30 de janeiro de 2013
Por Ivan de Carvalho

Nem sempre a decretação de estado de emergência foi
obstáculo suficiente para impedir que dinheiro público fosse conduzido para a
montagem de estruturas e pagamento de altos cachês a artistas e bandas para que
os jovens das cidades balançassem o esqueleto e intensificassem a paquera, os
comerciantes incrementassem seus negócios e o índice de satisfação da população
das cidades com os prefeitos subisse e lhes aumentasse a chance de reeleição ou
de eleger o sucessor.
Enquanto isso acontecia nas cidades – menos atingidas pelos
efeitos da seca e mais socorridas com sistemas de abastecimento de água e
carros-pipas alugados pelo poder público – nas zonas rurais a devastação era
quase total. Geralmente, havia água para as pessoas beberem, mas os animais
morriam, quando não de sede, de fome, isso depois do colapso da agricultura.
Numa situação assim, como entender que os parcos recursos
municipais – cuja dolorosa escassez não param os prefeitos de lamentar – fossem
desviados do combate aos efeitos da seca para bancar festas juninas, assim como
carnaval (mais um está chegando) e micaretas e para rechear as contas bancárias
de algumas bandas e artistas mais conhecidos?
Ressalvo que não estou me referindo a coisas como o carnaval
de Salvador e algumas outras festas. As juninas em Cruz das Almas, Senhor do
Bonfim, a micareta de Feira de Santana – cuja tradição faz delas uma atividade
econômica efetivamente relevante, inclusive como atração turística e, portanto,
capaz de dar ao município o retorno do que gasta, sempre que o que for gasto o seja
corretamente. Sem maracutaias.
Mas se estou escrevendo sobre essas coisas assim
aparentemente fora de hora é por ter sido provocado pelo que aconteceu na
cidade de Sobral, onde nasceu o governador do Ceará, Cid Gomes.
O Estado do Ceará – digamos, o governo Cid Gomes – construiu
em Sobral o Hospital Regional do Norte (do Ceará). E então resolveu fazer uma
festa de inauguração. E para fazê-la em grande estilo, contratou a baiana Ivete
Sangalo.
O cachê da baiana é alto. No caso, foi de R$ 650 mil. Então o
Ministério Público Federal do Ceará ingressou com ação na Justiça Federal,
acusando o governador de “violar o princípio da moralidade administrativa” ao
desviar dinheiro público de sua finalidade. Pediu que Cid Gomes devolvesse os
R$ 650 mil do próprio bolso. Como era previsível, a juíza federal Elise Avesque
decidiu que a Justiça Federal não tem competência para julgar o caso, pois não houve
dinheiro federal no pagamento do cachê. O Ministério Público estadual
omitiu-se, obviamente.
Bem, houve dinheiro estadual. Se o governador houvesse
resistido à tentação de fazer festa de propaganda em sua cidade natal e
principal base política, ele poderia usar os R$ 650 mil para dotar o novo
hospital de equipamento sofisticado de que ainda não disponha, para dar treinamento
especial a uma parte do pessoal para usar esse equipamento, para aumentar o
número de leitos de UTI, essas coisas. Enfim, vai ver como funciona o SUS no
Ceará. E em tantos outros lugares. Mas, não. Tinha que dar o dinheiro para a
bela e carismática Ivete, cujo talento lhe permite, se quiser, ganhar dinheiro
de sobra sem precisar ser paga com o dinheiro público.
Aliás, há muito que a sociedade brasileira – o contribuinte,
basicamente – já deveria estar questionando a sério se o Estado, por intermédio
de políticos, deve continuar enchendo os bolsos e bolsas de um monte de
artistas melhores e piores, ao invés de gastar o dinheiro público para prover
as necessidades do público.
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Este artigo foi publicado originariamente
na Tribuna da Bahia desta quarta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.