Sábado, 26 de janeiro de 2013
A Polícia Federal acusa homens de confiança dos
prováveis presidentes do Senado e da Câmara de receber propina e
traficar influência em benefício de um empreiteiro
Distinto público: abrem-se nesta semana as cortinas para o mais bufo
dos espetáculos políticos deste ano. A partir da sexta-feira, os
parlamentares escolherão os presidentes do Legislativo. O voto deles é
livre e secreto. Ao que tudo indica, duas estrelas da política subirão
ao palco sob unânime aplauso. Na Câmara, será eleito presidente o
deputado Henrique Eduardo Alves, do PMDB do Rio Grande do Norte, que há
42 anos engrandece o Parlamento brasileiro. No Senado, após cinco anos
de ensaios forçados na coxia, voltará à presidência da Casa Renan
Calheiros, também do PMDB, este por Alagoas. Henrique e Renan – ou Renan
e Henrique, conforme pareça melhor à plateia – têm o mesmo estilo de
atuação: gestos contidos, expressão ladina e repertório riquíssimo. Nos
cofres da Polícia Federal, onde se encontram vários registros do
trabalho dos dois, ÉPOCA descobriu uma pequena e inédita obra-prima,
estrelada por ambos, mas que ficara esquecida por não tão misteriosas
razões. Trechos dela também podem ser encontrados no Superior Tribunal
de Justiça. Trata-se da íntegra da Operação Navalha, que, em 2007,
revelou ao país a existência de um esquema comandado pelo empreiteiro
Zuleido Veras, da construtora Gautama, que pagava propina a políticos e
burocratas em troca de contratos com ministérios de Brasília e governos
estaduais. Apenas uma minúscula fração da enorme quantidade de provas
produzidas pela PF veio a público naquele momento. Na papelada, há
evidências fortes de pagamentos de propina para Renan e Henrique. Ou
Henrique e Renan.
As provas constituem-se de interceptações telefônicas autorizadas
pela Justiça, relatórios de vigilância dos assessores de Renan e
Henrique Alves, recibos bancários, anotações em agenda – e até uma
contabilidade de caixa dois, preparada pelo tesoureiro de Zuleido. Entre
a miríade de episódios de corrupção, conta-se aqui o que envolveu a
construção da barragem Duas Bocas/Santa Luzia, no Rio Pratagy, em
Alagoas, para ampliar o abastecimento da região metropolitana de Maceió.
A busca de Zuleido para liberar dinheiro para a obra mobilizou tanto
Renan quanto assessores de Henrique Alves. Era uma obra de R$ 77 milhões
que, depois de receber R$ 30 milhões, está parada. Nada mudou. Assim
como nada mudou em Brasília, onde os personagens envolvidos nesse desvio
continuam em seus cargos. E, agora, subirão a seu derradeiro e
consagrador ato final. Ao espetáculo:
I – O homem está cobrando
Para levar a cabo a obra do Pratagy, Zuleido precisava da influência, entre outros, de Renan. Segundo a PF, Zuleido comprara essa influência por meio de Everaldo Ferro, assessor de estrita confiança do senador. Os contatos eram invariavelmente discretos, como manda a boa etiqueta nesse tipo de negócio. Numa das conversas captadas pela PF, ainda em junho de 2006, a secretária de Zuleido lhe informa que é aniversário de Renan. “Mande um telegrama”, diz o empreiteiro. A secretária se mostra cautelosa: “Ah, mas ele não gosta muito, né? De notícia... Eu ia sugerir que o senhor ligasse para o Everaldo e transmitisse e tal”. Zuleido acata a sugestão da secretária e, minutos depois, liga para o assessor de Renan. O que segue é uma conversa de dois amigos. Diz Zuleido: “Disseram que vão resolver neste final de semana, até segunda, aquele negócio, tá?”. “Negócio” seria propina, segundo a PF. Everaldo não se contém: “Você é um irmão, rapaz!”. O empreiteiro encerra o telefonema amistosamente, sem se esquecer de Renan: “Tem de ter calma... Transmita os parabéns ao nosso amigo!”. Nas provas obtidas pela PF, constam registros de pagamentos a Everaldo, que continua despachando em Brasília, no gabinete de Renan.
Para levar a cabo a obra do Pratagy, Zuleido precisava da influência, entre outros, de Renan. Segundo a PF, Zuleido comprara essa influência por meio de Everaldo Ferro, assessor de estrita confiança do senador. Os contatos eram invariavelmente discretos, como manda a boa etiqueta nesse tipo de negócio. Numa das conversas captadas pela PF, ainda em junho de 2006, a secretária de Zuleido lhe informa que é aniversário de Renan. “Mande um telegrama”, diz o empreiteiro. A secretária se mostra cautelosa: “Ah, mas ele não gosta muito, né? De notícia... Eu ia sugerir que o senhor ligasse para o Everaldo e transmitisse e tal”. Zuleido acata a sugestão da secretária e, minutos depois, liga para o assessor de Renan. O que segue é uma conversa de dois amigos. Diz Zuleido: “Disseram que vão resolver neste final de semana, até segunda, aquele negócio, tá?”. “Negócio” seria propina, segundo a PF. Everaldo não se contém: “Você é um irmão, rapaz!”. O empreiteiro encerra o telefonema amistosamente, sem se esquecer de Renan: “Tem de ter calma... Transmita os parabéns ao nosso amigo!”. Nas provas obtidas pela PF, constam registros de pagamentos a Everaldo, que continua despachando em Brasília, no gabinete de Renan.