Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Otimismo idiota

Segunda, 28 de janeiro de 2013
Por Ivan de Carvalho
No seu estranhável pronunciamento por uma rede nacional obrigatória de rádio e televisão – quando usou para fazer propaganda esse instrumento de que dispõe a Presidência para outros fins – a presidente Dilma Rousseff sugeriu que se deve ser otimista. Ser otimista porque ela anunciava uma redução no preço da energia em um momento em que havia preocupação com um eventual racionamento de energia elétrica no país, preocupação que ela obviamente atribuía aos pessimistas.

Mas o otimismo já seria desautorizado até mesmo pelo uso que ela fez da rede nacional obrigatória de rádio e televisão que convocou. Não se pode ser otimista em relação a um governo cuja chefe, candidata à reeleição, faz uso indevido de um instrumento criado para situações especiais e para ser usado da maneira correta, de acordo com a finalidade para a qual a legislação o criou.

Ela convocou e usou a rede obrigatória de rádio e televisão para anunciar ao povo uma bondade do governo – uma redução no preço da energia elétrica para consumidores comerciais e residenciais (para estes, 18 por cento), obtida em troca da prorrogação das concessões às empresas de distribuição de energia elétrica.

Ora, esta era uma informação que dispensaria absolutamente um pronunciamento da presidente da República em rede nacional obrigatória de rádio e televisão. Uma simples nota oficial do Ministério das Minas e Energia ou, vá lá, caso se quisesse enfeitar a coisa e empurrar a brasa para a sardinha da presidente, uma nota oficial da Presidência da República, com um anexo contendo os detalhes.

Desejava-se mais? Então que a presidente convidasse os jornalistas para uma entrevista coletiva, na qual anunciasse o que pretendia, mandando ainda distribuir por escrito os dados detalhados. A Agência Brasil, que faz parte da estrutura do governo, também produziria uma matéria detalhada e a mídia em geral dedicaria amplo espaço (e não somente em um dia) ao assunto. Os objetivos legítimos de informar seriam atendidos.

A propaganda, nessas condições, seria um efeito colateral, menos intensa que pela tal rede obrigatória de rádio e televisão, com aquela pompa e circunstância desnecessárias, mas coerente com a relevância do fato e o grau de mérito do governo. Sem exageros, já que não foram feitos milagres, mas uma troca entre Estado e empresas de energia elétrica.

Há, no entanto, mais motivação para se ser pessimista, ao contrário do que sugeriu a presidente Dilma Rousseff. O Tribunal de Contas da União, em auditoria, demonstrou erro na metodologia dos cálculos das tarifas, erro que prevaleceu de 2002 a 2009, empurrando o valor das contas de energia para cima. O TCU mostrou que devem ser devolvidos aos consumidores R$ 7 bilhões cobrados a mais. O ministro do TCU Valmir Campelo despachou o caso para a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que nem pensa em devolver o que foi surrupiado do consumidor e fez saber que, na opinião dela, não cabe devolução do que foi cobrado a mais devido aos cálculos errados (só erram contra o povo, nunca a favor, com os bancos foi a mesma coisa) entre 2002 e 2009. Imaginem a situação inversa: os contribuintes pagam imposto de renda a menos por erro de cálculo e, verificado isso pela Receita Federal, eles, os contribuintes, cinicamente, dizem que não cabe devolução do que não foi pago por erro de cálculo deles, erro a favor deles mesmos. Imagine se a Receita vai se conformar...

Mas esperam que você se conforme em não receber de volta o que teve de pagar a mais porque eles erraram o cálculo sobre o preço da energia elétrica durante anos e anos.

Assim, presidente, não dá para ser otimista.
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Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta segunda.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.