Terça, 29 de janeiro de 2013
Agência de Reportagem e Jornalismo Investigativo
Especialistas destrincham as principais leis e decretos criados especialmente para a Copa do Mundo e as Olimpíadas
“Quando o Brasil entregou os cadernos de obrigação à Fifa na Suíça,
comprometeu-se a realizar a Copa do Mundo sem nenhum centavo do dinheiro
público e disse que o investimento viria de capitais privados,
colocando o Brasil no 1o mundo” disse Martim de Almeida
Sampaio, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP, na
abertura de sua palestra no evento “Copa Pública: Quem ganha e quem
perde com o evento em 2014?” promovido pela Pública em parceria com a
Casa Fora do Eixo de São Paulo em dezembro. Martim e Carlos Vainer,
professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional
(IPPUR) da UFRJ, foram convidados a falar sobre o estado de exceção que
as novas leis, criadas especialmente para a Copa do Mundo e as
Olimpíadas, instauram no país.
Em entrevista à revista Veja em 2007, ex-presidente da CBF, Ricardo Teixeira promete que os cofres públicos não colocarão um centavo na Copa do Mundo
Martim lembrou que, além de descumprir essa promessa, já que a maior
parte dos investimentos em obras de mobilidade e estádios está vindo dos
cofres públicos, o governo também editou a lei 12.350/2010
que diz respeito à desoneração tributária da Fifa, empresas parceiras,
prestadores de serviços (contratadas direta e indiretamente pela
organização) e emissora autorizada a transmitir os eventos no país e
exterior. “Isso significa que a Fifa não entra com nenhum tostão e tudo
que ela [e seus parceiros] ganharem é isento de qualquer tributo. As
obras públicas terceirizadas também serão isentas de qualquer tributo”.
resumiu. O advogado também falou sobre a Lei Geral da Copa,
que prevê proteção à marca Fifa: “Ela introduz várias inovações à nossa
legislação, não para proteger o consumidor e sim a marca Fifa e seus
símbolos e cria, inclusive, tipos criminais desconhecidos no país. Por
exemplo: O artigo 121 do nosso Código Penal diz que matar é crime. Todos
nós sabemos disso. Alguém conhece um crime chamado ‘marketing de
emboscada’? Não. Mas ele vai existir de dois meses antes a dois meses
depois da Copa. Pessoas poderão ser presas se forem todas com a mesma
camisa para assistir a um jogo”. Ainda sobre a Lei Geral, Martim
colocou: “A Fifa também poderá dizer quem entra e sai do país.Isso é
muito sério, porque fere a soberania nacional. Nós entregamos parte da
soberania a uma entidade privada, com fins lucrativos e sede em
Genebra”.
A Fifa manda
Leis de pânico
Outro projeto de lei assustador que corre no Senado, lembrou o advogado, é o 728/2011 de autoria dos senadores Marcelo Crivella (PRB-RJ), Ana Amélia (PP-RS) e Walter Pinheiro (PT-BA). Como o Copa Pública mostrou aqui ,
o PL é conhecido pelos movimentos sociais como “AI-5 da Copa” por,
dentre outras coisas, proibir greves durante o período dos jogos e
incluir o “terrorismo” no rol de crimes com punições duras e penas altas
para quem “provocar terror ou pânico generalizado”. Martim apontou: “A
ditadura militar tinha uma lei de segurança nacional muito vaga, como
essa e como toda a lei de exceção, que punia seus opositores. Na
Alemanha nazista também aconteceu assim. Isso se faz para poder punir
mais gente. Estamos vivendo um período muito ruim e violento e boa parte
da sociedade pressiona para que se criem leis de pânico. Ouvimos as
pessoas dizerem‘tem que ter pena de morte’, ou ‘tem que diminuir a
maioridade penal’, como se a solução fosse mais punição. Nós não
precisamos de novos tipos penais, estamos cheios de leis que
criminalizam condutas de forma opressora. Por isso criar leis de exceção
como essa 728/11 e mesmo a Lei Geral da Copa é tão perigoso”.
Decreto e Ato Olímpico
Para o professor Carlos Vainer, o Decreto municipal n° 30379 de 01 de Janeiro de 2009 mostra claramente como o Rio de Janeiro incorporou este estado de exceção para receber as Olimpíadas. No artigo 2o,
por exemplo, está escrito: “O Poder Executivo envidará todos os
esforços necessários no sentido de possibilitar a utilização de bens
pertencentes à administração pública municipal, ainda que ocupados por
terceiros, indispensáveis à realização dos Jogos Rio 2016. Parágrafo
único – Eventuais atos de concessão, permissão ou autorização de uso dos
bens mencionados no caput deste artigo deverão conter cláusula que
preveja sua entrega ao Município do Rio de Janeiro em tempo hábil ao
implemento das adaptações necessárias à realização dos Jogos Rio 2016”. E
no artigo 9o : “Fica vedada a realização de grandes eventos
abertos ao público entre os dias 29 (vinte e nove) de julho e 25 (vinte e
cinco) de setembro de 2016”. E por último, o artigo 12o diz
que a prefeitura deve: “I – promover desapropriações e demais medidas
indispensáveis à construção de instalações esportivas e nãoesportivas;
II – reservar, a cada exercício, os recursos orçamentários para atender
as despesas decorrentes das atividades previstas”. Vainer explicou: “O
COI ganha concessões de espaços urbanos, ganha o direito de comprar
qualquer imóvel de seu interesse e pode remover rapidamente as pessoas
que ocupam espaços públicos. Além disso, esse decreto proíbe grandes
eventos públicos! Quer dizer que uma manifestação política também poderá
ser vedada e isso é um direito constitucional”.
No Ato Olímpico, lei federal, o professor destacou o artigo 2o:
“Ficam dispensadas a concessão e a aposição de visto aos estrangeiros
vinculados à realização dos Jogos Rio 2016, considerando-se o passaporte
válido, em conjunto com o cartão de identidade e credenciamento
olímpicos, documentação suficiente para ingresso no território nacional”
e o artigo 5o “Fica instituída, no âmbito do Ministério da
Justiça, a Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes Eventos” e
explicou: “Nesta lei o Estado Nacional delega ao COI poder consular,
assim como a Lei Geral da Copa delega esse poder à Fifa. Essa lei também
determina que seja criada uma secretaria extraordinária para cuidar da
segurança dos megaeventos. E os Estados têm contratado empresas
israelenses para cuidar disso. É o poder público privatizando a
segurança nacional”. As duas leis determinam estado de exceção, segundo o
professor, porque também colocam isenções tributárias, elevação do
limite de individamento municipal e regime diferenciado de contratação.
“Existe uma lei que rege as contratações para obras públicas. Para se
fazer obras para os megaeventos não é preciso cumprir essa lei. Para
construir um hospital sim. Para construir um estádio não. Também há leis
que determinam um limite para o endividamento dos municípios. Esse
limite pode ser ultrapassado para custear obras associadas aos
megaeventos. Para fazer rede de esgoto não, para fazer estádio sim”
explicou o professor. Para ele, este fenômeno não começou com os
megaeventos mas com um pensamento que apareceu por volta dos anos 1980
no Brasil, de que a cidade é um grande negócio. “Os megaeventos tornam
isso mais visível porque intensificam os grandes projetos mas o que
torna isso possível é a visão da cidade como empresa. Se a cidade é um
grande negócio, é necessário aproveitar as janelas de oportunidade. Eu
não posso estar rigidamente preso a uma lei. É necessário flexibilizar a
lei, criar brechas e mecanismos que permitam introduzir a exceção, o
bom negócio”. Como exemplo dessa flexibilização, o professor aponta as
parcerias público-privadas (PPP). “A concessão do Maracanã é uma PPP”.
Nada de novo para os pobres
“Existiu um filósofo alemão que analisou o nazismo e disse: ‘a
tradição dos oprimidos nos ensina que o estado de exceção em que vivemos
– o nazismo – é na verdade a regra. Quer dizer, para os oprimidos,
sempre foi pau! Aquilo que nós estamos vivendo agora com o nazismo [dos
megaeventos] é a realidade permanente. Eles nunca puderam recorrer ao
Estado, aos tribunais, às leis. A violência, a criminalização dos
pobres, é a dimensão permanente deste estado de exceção”. Sendo assim,
na visão do professor, a cidade-negócio empurra os pobres, que não são
consumidores ou empreendedores para fora dos centros das cidades. “Os
projetos do programa ‘Minha Casa, Minha Vida’ do Rio de Janeiro mostram
que as famílias pobres ficam fora do centro e da zona sul da cidade. Lá
estão 60% dos empregos, mas os pobres são mandados para 50, 60 km de
distância. E o projeto parece com um campo de concentração. Os projetos
de habitação da época da ditadura militar eram exatamente iguais”. Para
finalizar, Vainer mostrou um anúncio da Petrobrás que dá uma visão
panorâmica do Rio de Janeiro sem as favelas.
Veja os vídeos das palestras:
O blog Copa Pública é uma experiência de jornalismo cidadão que mostra como a população brasileira tem sido afetada pelos preparativos para a Copa de 2014 – e como está se organizando para não ficar de fora.