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(Millôr Fernandes)

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Ministério Público Federal vai recorrer do declínio de competência no caso da Chacina de Unaí

Terça, 29 de janeiro de 2013
MPF reafirma o compromisso de agir, em todas as instâncias, para assegurar que seja feita justiça aos servidores assassinados há nove anos

O Ministério Público Federal irá recorrer da decisão da 9ª Vara Federal de Belo Horizonte que declinou competência para julgar o caso da Chacina de Unaí. A posição foi manifestada durante a reunião ordinária da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência República, realizada na sede do Ministério Público Federal (MPF) em Belo Horizonte (MG), nesta segunda-feira, 28 de janeiro.

A reunião teve início com um minuto de silêncio contra a impunidade dos nove anos da Chacina de Unaí e em solidariedade às vítimas da tragédia ocorrida no Rio Grande do Sul no fim de semana. O sentimento geral era de perplexidade diante da decisão proferida na última quinta-feira pela juíza substituta da 9ª Vara Federal de Belo Horizonte ao declinar a competência para o julgamento do caso para a subseção judiciária federal de Unaí.

“A Justiça que compete ao Poder Judiciário prestar, e que cabe às instituições e à sociedade exigir, não pode ser protelada indefinidamente no tempo. Isso porque uma justiça injustificadamente lerda constitui uma injustiça, vertida na sua face mais lastimável, que é a impunidade”, lembrou o procurador-chefe da Procuradoria da República em Minas Gerais, Adailton Nascimento.


A coordenadora da Câmara Criminal do MPF, Raquel Dodge, disse que o objetivo do MPF é mostrar à sociedade brasileira e a todas as instituições deste país que “temos um compromisso claro, sincero e ativo com a erradicação do trabalho escravo no Brasil e, nesse caso específico, de que a justiça seja feita e os assassinos levados a júri popular”.

Foi Raquel Dodge quem, no último dia 8 de janeiro, oficiou ao corregedor nacional de Justiça pedindo agilidade no julgamento.

Ela explicou que o declínio de competência para o julgamento da Ação Penal nº 2004.38.00.036647-4 já foi suscitado e superado em outras ocasiões, “com a afirmação, pelo Poder Judiciário, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal, de que a atribuição é da 9ª Vara Federal de Belo Horizonte”. Disse ainda que o MPF vai recorrer, porque “temos a convicção de que o juízo competente é o que proferiu a sentença de pronúncia, e é preciso fazer observar a garantia da Justiça criminal de que os réus sejam julgados pelo juízo competente, sob pena de, no futuro, algum deles vir a alegar eventual nulidade processual”.

Para o ex-secretário nacional de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, a magistrada vai entrar para a história “por não ter tido a coragem de cumprir seu papel de juíza, que é o de zelar pelo cumprimento da Justiça”.

A presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho, Rosângela Silva Rassy, parabenizou o MPF pela condução do processo em todas as instâncias. Segundo ela, o assassinato dos colegas impactou profundamente no dia a dia dos auditores. E o que é pior: depois do episódio, os servidores tornaram-se alvo de ameaças maiores e mais constantes, “certamente porque determinados empregadores sentem-se confiantes diante da impunidade”.

O procurador-geral do Trabalho, Luiz Antônio Camargo, afirmou que “o Poder Público está sendo vilipendiado, ofendido, porque o assassinato dos fiscais e do motorista, que estavam cumprindo deveres profissionais, foi, na verdade, uma violenta agressão ao próprio Estado brasileiro”.

Esse também foi o alerta dado pelo Ministro do Trabalho, Brizola Neto, para quem a brutalidade do crime ressalta quando se lembra que “aqueles trabalhadores foram mortos porque estavam exercendo seu dever profissional - o de garantir que os direitos de outros trabalhadores fossem observados”.

O deputado federal Domingos Dutra, presidente da Comissão de Direitos Humanos e das Minorias da Câmara dos Deputados, disse esperar não apenas que o julgamento seja realizado, mas quer ter certeza que os mandantes e executores sejam condenados. “Essa é a justiça que deve ser feita. Os servidores morreram lutando contra uma das mais degradantes formas de exploração, que é o trabalho escravo contemporâneo. Nós precisamos unir esforços para impedir que o poder econômico, diante da desarticulação do poder político, continue perpetuando essa praga na sociedade brasileira”.

A reunião da Conatrae faz parte das atividades alusivas ao Dia e Semana Nacional de Combate ao Trabalho Escravo instituídos pela Lei nº 12.064. Além do ministro do Trabalho, Brizola Neto; do presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, deputado federal Domingos Dutra; da subprocuradora-geral da República coordenadora da 2ª Câmara Criminal do MPF, Raquel Dodge; do procurador geral do Trabalho Luiz Antônio Camargo de Melo e da presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais, Rosângela Rassy, estavam presentes delegações do Ministério Público Federal e do Ministério Público do Trabalho; presidentes de associações e de entidades de classe; representantes de entidades civis e também Elba, a viúva de Nelson José dos Santos, um dos auditores fiscais assassinado em Unaí há nove anos.

Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo - Promulgada em 2009, a Lei 12.064 instituiu o dia 28 de janeiro como o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo em homenagem aos servidores assassinados em 28 de janeiro de 2004, quando realizavam inspeção em fazendas situadas no Município de Unaí, na região noroeste de Minas Gerais.

Pouco mais de sete meses depois dos crimes, em 30 de agosto de 2004, o Ministério Público Federal (MPF) em Belo Horizonte denunciou oito pessoas - Norberto Mânica, Hugo Alves Pimenta, José Alberto de Castro, Francisco Elder Pinheiro, Erinaldo de Vasconcelos Silva, Rogério Alan Rocha Rios, Willian Gomes de Miranda e Humberto Ribeiro dos Santos – pelos homicídios. A investigação prosseguiu com relação à participação de outros envolvidos e, no dia 20 de setembro seguinte, o fazendeiro Antério Mânica também era denunciado como mandante dos homicídios.

O juízo da 9ª Vara Federal proferiu sentença de pronúncia em dezembro daquele ano.

Apesar da rapidez na apuração e acusação dos envolvidos, nove anos depois, o caso ainda não foi a julgamento pelo Tribunal do Júri, em razão, principalmente, dos infindáveis recursos interpostos por alguns dos acusados. Em fevereiro do ano passado, o Supremo Tribunal Federal determinou a remessa imediata dos autos à Seção Judiciária de Minas Gerais para julgamento dos réus presos. O processo chegou à 9ª vara no mês de maio e, no início deste mês, a juíza informou à Corregedoria Nacional de Justiça que iria realizar o julgamento em fevereiro. Na última quinta-feira, ela declarou-se incompetente para a condução do processo.