Quarta, 21 de agosto de 2013
Helio Fernandes
Tribuna da Imprensa
A tristeza e o lamento diante da humilhante posição de Dona Dilma
diante do comportamento arrogante de vários governos estrangeiros, não
são por ela e sim pelo Brasil. Tendo vivido tanto, presenciei e combati o
domínio dos embaixadores dos EUA, que duraram mais ou menos até
1945/46.
Acreditei que tivesse acabado por aí, mas veio Lincoln (não merecia o
nome) Gordon, que mandou de verdade. O general Wernon Walters, que não
foi embaixador, mas tinha poder de fato, coordenou o golpe de 64, junto
com o embaixador, que por ser de Harvard, era admirado até por
auto-assumidos progressistas.
Antes do golpe, mas depois de 1960, mudamos a política suicida,
assumimos oficialmente o comportamento inverso ao dos anos anteriores.
Mandamos como embaixador do Brasil nos EUA o mais “americanófilo” dos
cidadãos daqui e de lá. Loucura completa.
Lógico, falo de Roberto Campos. Lá, cuidou dos detalhes internos do
golpe, tudo o que se relacionava com a “Operação Brother Sam” passava
por ele. Só então era enviada a Lincoln Gordon, o embaixador americano
encarregado de conversar (leia-se, enganar) com o presidente João
Goulart.
E o presidente Goulart, o embaixador Gordon e o jornalista Roberto
Marinho, unidos e entrelaçados na “missão” de isolarem, intimidarem e
anularem qualquer reação de Leonel Brizola, até 1962, governador do Rio
Grande do Sul. E candidatíssimo a presidente, possibilidade mais do que
visível e compreensível, se não tivesse havido o 1º de abril de 1964.
Nesse mesmo dia, derrubado o governo de fato e de direito, Roberto
Campos embarcou para cá, veio ser o embaixador dos EUA no Brasil.
Mandou, dominou e comandou de verdade. Aqui, foi tão eficiente para os
americanos, como fora lá, com o título de embaixador do Brasil, mas com
funções completamente contraditórias.
O PASSADO VOLTOU
Depois dos 21 anos do regime arbitrário, autoritário, atrabiliário,
torturador e mercenário, acreditava-se que haveria mudança radical.
Acontece que os que chegaram ao Poder depois da ditadura, ou colaboraram
com ela ou não tinham convicções parar reconstruir o país depois dessa
desconstrução de militares sem ideias e de civis sem ideais.
De Sarney a FHC, domínio da falta de credibilidade até a
pusilanimidade. O presidente indireto de 1985 queria apenas validar ou
revalidar o enriquecimento ilícito, no qual nem ele acreditava.
O presidente único na História brasileira que comprou a reeleição,
assumiu já patrocinado pela Fundação Ford (que ele, arrogante,
presunçoso e pernicioso, só falava ou escrevia Ford Foundation).
Já havia demonstrado sua subserviência nos Acordos de Washington, do
qual participou no Brasil em 1982, como suplente de senador, sua
verdadeira destinação. Nem imaginava que poderia chegar a presidente.
LULA E DONA DILMA
Ninguém admitia que um líder de sindicato pudesse chegar a presidente
da República. E ele mesmo consolidou essa descrença, sendo derrotado
três vezes seguidas, fato único no mundo inteiro. Eram poucos os que o
seguiam no PT. Pela primeira vez teve a liderança contestada dentro do
partido, até Suplicy queria a legenda em 1998. Lula ganhou
surpreendentemente em 2002.
Nesses anos todos entre a primeira derrota e a primeira vitória,
ficou ligado aos americanos. Apesar de monoglota, foi várias vezes aos
EUA, assistindo cursos até na CIA.
(Antonio Santos Aquino já escreveu e informou muito sobre o assunto,
vamos em frente. O objetivo é mostrar a blandícia, que palavra, diante
dos americanos).
Lula teve poucas oportunidade de firmar o prestígio diante da
potência americana. Nas que apareceram, se entregou. Mas Dona Dilma, que
rendição incondicional, parece sempre os alemães de 1918 e 1945.
Logo no início do segundo ano como presidente, surgiu a bomba da
revelação da “quebra da privacidade” do Brasil e do mundo, praticada
pelo governo Obama. A reação no mundo foi completa, o Brasil se limitou a
uns “gritinhos” de sua presidente.
Depois de quase um mês, Obama mandou seu secretário de Estado, que
ficou três dias aqui, não desmentiu nada, ao contrário, confirmou e foi
embora.
Dona Dilma podia ter agido como o próprio Obama, que irritado com o
fato de a Rússia ter dado asilo (provisório) ao agente Snowden, cancelou
o encontro do Putin em 20 de setembro. Pode até ir à Rússia (é um
encontro de países), mas sem encontro particular com Putin.
Dona Dilma podia não ir aos EUA, em outubro. Como esperar ato
desassombrado de uma presidente que, tendo direito a uma reeleição, está
perdendo tudo por falta de coragem e autoridade?
OFENSA ATÉ DA INGLATERRA
Agora surgiu esse ultraje, um jornalista brasileiro, preso e
destratado numa salinha mínima, enquadrado na suposta lei
antiterrorismo. Por essa lei, o suspeito (?) só pode ficar preso sem
provas por 9 horas. Pois o brasileiro ficou incomunicável para fora
dessa prisão, durante 8 horas e 50 minutos.
Os advogados, durante esse tempo todo, não conseguiram falar com o
brasileiro, que fazia matéria para o “Guardian”. Este protestou
imediatamente, usando quase a primeira página inteira e noticiando tudo
no site. Seguido logo pelo “Financial Times”, jornal impresso e
internet. E o Brasil?
Dona Dilma não deu ordem alguma, nem nota de protesto nem retratação.
O chanceler Patriota (que poucas vezes confirma e respeita o
sobrenome), amigo do ministro do Exterior britânico (já serviram no
mesmo país), telefonou para ele. O amigo conversou, desconversou,
tergiversou. Acabou por tirar o corpo (e a autoridade) do episódio,
justificou: “Essa foi uma operação de rotina da polícia do centro
metropolitano de Londres”.
E não saiu daí. Quer dizer que a “polícia metropolitana” tem poderes
internacionais? Prende um jornalista, que é indiciado numa lei
antiterrorismo, nada metropolitano e sim internacional? Dona Dilma, que
diz sempre que gosta muito de pintura e escultura, deve estar tentando
imitar “O Pensador”. Terminada a meditação, talvez revele o que pensou.
Insultado pelos EUA, bravateado pela Inglaterra, Dona Dilma não
reage, perdão, o Brasil fica humilhado e ofendido, ainda bem que a
presidente não sabe quem foi Dostoievski.
PS – Esses assuntos não chegam às pesquisas. Se chegassem, também não
atingiriam Dona Dilma. 2014, para ela, já era uma descrença e uma
desesperança.
PS2 – Ontem à tarde, o governo britânico informou: “Sabia da prisão do brasileiro”. Quem duvidava?
PS3 – Também confirmou que avisou o governo dos EUA, que “o brasileiro ia ser preso”. Novamente: quem duvidava.