Domingo, 4 de agosto de 2013
Como o governo dos EUA falsifica estatísticas
por Paul Craig Roberts [*]
Do resistir.info
O tempo está a esgotar-se para a economia e o povo americano. A imprensa
financeira e os comentadores económicos, com poucas
excepções, fazem um bom trabalho ao esconder este facto do
público.
Considere por exemplo a conversa fiada sobre a "estimativa
antecipada" da taxa de crescimento real do PIB para o segundo trimestre
anunciada em 31 de Julho. A taxa anual de crescimento de 1,7% do PIB real para
o segundo trimestre de 2013 foi apresentada de modo optimista como uma
aceleração do PIB real em relação à taxa de
crescimento de 1,1% do primeiro trimestre. Contudo, a razão para a
"aceleração" no crescimento é que a estimativa
do primeiro trimestre foi revista baixando de 1,8% para 1,1%. A taxa de
crescimento do PIB real do segundo trimestre também é sujeita a
estimativas revistas. Mais provavelmente, o número final será
inferior.
Considere também que a razão porque o PIB real é positivo
é que o PIB nominal está deflacionado com uma medida atenuada da
inflação. A medida da inflação foi manipulada a fim
de recusar aos que recebem da Segurança Social os ajustamentos pela alta
do custo de vida. O estatístico John Williams (shadowstats.com) informa que se deflacionado pela metodologia oficial anterior, o crescimento
do PIB tem sido negativo desde a retracção em 2007. Por outras
palavras, a
"recuperação" é apenas mais uma patranha do
governo.
Outra falha da imprensa financeira e dos comentaristas económicos
é a interpretação da política da Facilidade
Quantitativa
(Quantitative Easing, QE)
do Federal Reserve. Diz-se que o Fed está a manter baixas das taxas de
juro a fim de estimular o investimento nos negócios e o mercado
habitacional. Esta explicação não é senão o
encobrimento do objectivo real da QE, que é fazer subir e manter alta a
dívida relacionada com derivativos nas contabilidades dos bancos
demasiado grandes para falirem. Taxas de juro baixos empurram para cima os
preços de todos os instrumentos de dívida, e os preços
mais altos elevam os valores nos balanços dos bancos, fazendo-os parecer
mais solventes ou menos insolventes.
O Fed tem prosseguido a QE durante anos, apesar do fracasso da política
de reviver a economia, a fim de manter à distância o colapso dos
bancos na esperança de que estes teriam êxito em aumentar
suficientemente os seus ganhos para livrarem-se da perturbação.
A política da QE do Fed tem sido custosa para áreas importantes
da economia. Aos aposentados foi recusado o rendimento do juro. Este reduziu
despesas do consumir e, dessa forma, o crescimento do PIB – e isto
forçou aposentados a irem retirando suas poupanças a fim de pagar
as suas contas.
A política da QE do Fed também põe em risco o US
dólar devido às várias vezes de aumento no número
de dólares ao longo dos últimos anos. A fim de apoiar
preços de títulos, o Fed criou um milhão de milhões
(1000 billions) de novos dólares por ano durante os últimos anos.
A oferta de dólares cresceu além da procura por dólares,
colocando o valor cambial do dólar sob pressão. Para proteger o
dólar da QE, o Fed e seus bancos dependentes do ouro empenharam-se em
implacável minimização do ouro a fim de suprimir o seu
preço. A ascensão rápida do preço do ouro indicava
queda de confiança no dólar e o Fed temia que esta falta de
confiança se propagasse aos mercados da divisa.
Ao imprimir dólares para suportar os bancos, o Fed criou uma bolha do
mercado de títulos, uma bolha do mercado de acções e uma
bolha do dólar. Se o Fed parar de imprimir dinheiro, não
só os balanços dos bancos levam uma pancada como também os
mercados de títulos, de acções e imobiliários. A
riqueza seria liquidada. Já ninguém mais poderia pretender que
há uma recuperação económica.
O impacto sobre o dólar é menos claro. Por um lado, a
redução do aumento rápido da oferta de dólares
ajudaria a divisa. Por outro lado, a queda nos valores de activos denominados
em dólar, tais como acções, títulos e
imobiliário provocaria diminuição da procura por
dólares. Estrangeiros por exemplo que vendam activos baseados no
dólar também podem converter seu dinheiro em dólar para as
suas divisas internas.
As falhas da imprensa financeira requerem a explicação que tenho
apresentado da QE, a economia da bolha, e da mensuração
manipulada do PIB real, da inflação e do desemprego. Contudo,
embora estas explicações sejam necessárias, elas
própria constituem um desvio de atenção.
A razão real porque a economia dos EUA não pode recuperar
é que foi movida para o exterior. Milhões de empregos
estado-unidenses em manufactura e serviços profissionais
comerciáveis, tais como engenharia de software, foram transferidos para
a China, a Índia e outros países onde os salários
são uma fracção daqueles nos EUA. Utilizando o "livre
comércio" como cobertura, as corporações
transformaram custos do trabalho em centros de lucro. A queda nos custos do
trabalho eleva lucros, os quais são então distribuídos
para executivos como "bónus de desempenho" e a accionistas
como ganhos de capital. O impacto sobre o emprego nos EUA pode ser visto a
partir dos dados de emprego em folha de pagamento mensal da BLS e do
declínio da taxa de participação da força de
trabalho estado-unidense. A taxa de participação está a
cair não porque os rendimentos do consumidor estejam a aumentar e menor
número de membros da família sejam necessários na
força de trabalho. A taxa está a cair porque os trabalhadores
desencorajados cessaram de procurar emprego e abandonaram a força de
trabalho.
A utilização do trabalho estrangeiro dentro dos EUA é
benéfica para executivos e accionistas no curto prazo, mas é
prejudicial a prazo mais longo. O efeito a longo prazo é destruir o
mercado consumidor dos EUA.
Quando a exportação de empregos travou a ascensão do
rendimento do consumidor estado-unidense, a fim de manter a economia em
andamento o Federal Reserve substituiu um crescimento da dívida do
consumidor pela falta de crescimento no rendimento do consumidor. Exemplo: a
bolha habitacional criada pelo governador do Federal Reserve Alan Greenspan
permitiu a proprietários de casas gastarem a situação
líquida inflacionada das suas casas através do refinanciamento
das suas hipotecas. A substituição de dívida do consumidor
pelo crescimento em falta nos salários reais é limitada pelo
fardo da dívida sobre as famílias. Ao contrário do
governo, os cidadãos americanos não podem imprimir o dinheiro com
que pagam as suas contas. Uma vez que os consumidores já não
podiam arcar com mais dívida, a economia do consumidor cessou de se
expandir.
O governo pode imprimir dinheiro para pagar suas contas, mas se a
história for um guia, governos não podem imprimir dinheiro para
sempre sem graves consequências. A crise económica real
será atingida quando a bolha da economia já não puder ser
suportada pela máquina de impressão.
Deveria ser óbvio para economistas, mas aparentemente não
é, que empregos tipo Walmart da "Nova economia" não
pagam suficientemente para aguentar uma economia dependente do consumidor. Como
o programa de Obama é gradual, o poder de compra do consumidor
sofrerá mais um golpe. Mesmo os prémios subsidiados são
caros e o custo de utilizar as apólices em termos de
deduções e comparticipações será proibitivo
para a maior parte. Quando os benefícios proporcionados pelo empregador
e o Medicare são reduzidos, a crise nos cuidados de saúde
piorará em meio a uma crise económica.
A parte assustador da crise económica iminente ocorre quando o
défice do orçamento federal se ampliar, a economia se contrair e
o próprio Fed se encontrar numa situação em que não
pode imprimir ainda mais dólares sem provocar uma perda de
confiança no dólar e nos títulos do Tesouro dos EUA. O que
faz um governo desesperado numa tal situação? Confisca o que
resta de pensões privadas, acumula impostos e conduz o povo e a economia
mais profundamente para o chão.
Este é o caminho em que está a política económica
dos EUA. Qual é a solução?
Podia ser permitido ao capitalismo que funcionasse e os bancos falirem.
É mais barato salvar depositantes do que salvar os bancos.
Corporações podiam ser tributadas com base na
localização geográfica em que acrescentam valor ao seu
produto. Se corporações criam bens no exterior que comercializam
para americanos, elas teriam uma elevada taxa fiscal. Se criassem valor
internamente com trabalho americano, teriam uma taxa fiscal mais baixa. A
diferença fiscal podia ser utilizada para compensar a vantagem do custo
do trabalho da produção deslocalizada.
Levaria tempo, mas empregos retornariam para os EUA. Cidades, estados e o
governo federal vagarosamente veriam suas bases fiscais reconstruídas.
Rendimentos do consumidor ascenderiam outra vez com a produtividade e a
economia poderia ser reposta de pé.
Quanto ao défice federal, ele poderia ser reduzido significativamente
acabando com as guerras de Washington. Como vários peritos
estabeleceram, estas guerras são extremamente caras, acrescentando
triliões de dólares às necessidades de financiamento do
governo dos EUA. Como outros peritos têm mostrado, as guerras não
beneficiam ninguém excepto uma pequena clique de indústrias
militares/de segurança. Obviamente, não é
democrático destruir o futuro de um povo em proveito de interesses
especiais.
Podem estar soluções ser implementadas ou estão os
interesses especiais arraigados demasiado forte e com visão demasiado
curta?
Não há possibilidade de descobrir quando a imprensa financeira e
os comentaristas económicos estão imunes à realidade.
Até que a situação real seja entendida, nada pode ser
feito. É difícil vender uma solução quando o
problema não é reconhecido e entendido. Eis porque concentro-me
em explicar os problemas.
[*] Ex-secretário assistente do Tesouro dos EUA e editor associado do Wall Street Journal. Seu livro mais recente é The Failure of Laissez-Faire Capitalism . Está agora disponível em formato electrónico o seu livro How the Economy Was Lost .
O original encontra-se em www.counterpunch.org/2013/08/02/hiding-economic-depression-with-spin/
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .