Do STJ
Em decisão unânime, a Segunda Turma do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que o senador Cristovam
Buarque, ex-governador do Distrito Federal, e seu então secretário de
Comunicação, Moacyr de Oliveira Filho, não cometeram ato de improbidade
administrativa com a edição, em 1995, de CD-ROM sobre o primeiro ano
daquele governo.
O ex-governador e seu secretário foram condenados pelo uso de recursos públicos na edição do trabalho publicitário denominado Brasília de Todos Nós – Um Ano do Governo Democrático Popular do Distrito Federal, veiculado por meio de CD-ROM, com produção e distribuição de 2 mil cópias.
Segundo
a decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF), houve
improbidade administrativa, pois o objetivo da peça era a promoção
pessoal para fins eleitorais, com divulgação de imagens pessoais do
político, vinculação de seu nome a diversos projetos e ações sociais e
apresentação de embates com o candidato opositor.
Cristovam e o
ex-secretário foram condenados a ressarcir os cofres públicos e pagar
multa equivalente a cinco vezes suas remunerações na época. O Ministério
Público, autor da ação, pediu também a suspensão dos direitos
políticos, mas o TJDF considerou que essa seria uma punição
desproporcional.
No recurso ao STJ, a defesa dos acusados pediu a
descaracterização do ato de improbidade, o que foi acolhido pelo
ministro Castro Meira, relator do processo. Para o ministro, não houve
promoção pessoal na edição do material que compilou as ações
governamentais desenvolvidas em 1995 a título de prestação de contas.
Dolo inexistente
De
acordo com o processo, os réus teriam, conscientemente, autorizado a
confecção do material e nada mais. “Não há sequer prova, mas mera
cogitação alçada à categoria de presunção absoluta, de que os réus
tenham participado, efetivamente, da elaboração do material
publicitário”, afirma o ministro.
Segundo ele, o acórdão do TJDF
“limita-se a afirmar, sem qualquer embasamento fático relevante, ser
‘insustentável’ que o então governador, político experiente que é,
‘desconhecesse ou pelo menos não tivesse o mínimo interesse em saber o
conteúdo do que seria divulgado para retratar o primeiro ano de sua
gestão’”.
“O acórdão fustigado amparou-se em mera presunção,
absolutamente indevida para o caso, diga-se de passagem, ao apontar dolo
na conduta do réu, que deveria saber, com base na sua ‘expertise
administrativa’ e longa caminhada política, o conteúdo do material
divulgado”, afirma Castro Meira.
A ordem para produzir o
material e a destinação de verba pública configuram apenas
responsabilidade objetiva, mas não são suficientes para demonstrar o
dolo na ação, segundo o ministro. Como não há indicação da efetiva
participação dos réus na elaboração do material, acrescentou, não se
pode falar em dolo. Seguindo o entendimento já firmado pela Turma, se
não há na conduta dolo latu sensu ou genérico, não há improbidade administrativa.
Reeleição
O
acórdão da segunda instância afirma que a elaboração das cópias de
CD-ROM destinava-se à promoção do então governador para fins de
reeleição. Porém, os atos condenados aconteceram em 1995, quando ainda
nem se cogitava a edição da emenda constitucional que possibilitaria a
disputa de um segundo mandato.
Portanto, de acordo com o
relator, Cristovam não era candidato à reeleição por absoluta
impossibilidade jurídica e, independentemente disso, a veiculação do
material ainda no primeiro ano de mandato torna difícil crer que se
destinava a promoção pessoal com aquele fim.
Outro fator a ser
levado em consideração, de acordo com o ministro, é a quantidade de
exemplares produzidos. A limitação em 2 mil cópias seria significativa
na eleição de vereador de um pequeno município ou na eleição sindical de
uma categoria não muito numerosa, mas não em uma grande unidade
federativa como o Distrito Federal, afirma em seu voto.
Castro
Meira aponta ainda a necessidade de analisar o fato de acordo com o seu
contexto temporal, verificando-se o desenvolvimento tecnológico
existente à época, ou seja, o pouco acesso a mídias deste tipo no ano de
sua produção.
“O número limitado de cópias, associado ao fato
de que a população em geral não dispunha de equipamentos necessários
para reproduzir o conteúdo de mídias CD-ROM, conduz, a meu ver de modo
decisivo, à conclusão de que as mídias com as realizações do primeiro
ano de governo Critovam Buarque destinavam-se a um público específico, e
muito restrito, contido nos próprios quadros da administração pública,
vale dizer, objetivavam circular no âmbito interno da própria estrutura
governamental”, afirma Castro Meira.
Erro de avaliação
Para
o ministro, esses fatos não permitem identificar os eventuais excessos
como improbidade, mas como um erro de avaliação ou percepção dos limites
do que poderia ser apresentado na prestação de contas.
O
relator ressalta que o afastamento da condenação, no caso, não fragiliza
o controle da promoção pessoal: “A improcedência da ação civil pública
impõe-se pela impossibilidade prática e pela inexistência de intenção de
repercutir junto à população informações que servissem apenas para essa
finalidade.”
Segundo Castro Meira, embora a Lei 8.429/92 seja
um valioso instrumento na defesa da moralidade administrativa, ela deve
ser interpretada com cautela e suas sanções não devem ser aplicadas em
face de erros toleráveis, meras irregularidades e transgressões
disciplinares.