Quinta, 4 de novembro de 2013
Foto: Roosewelt Pinheiro/Abr
Projetos em tramitação pedem ainda mais flexibilização dos transgênicos
04/12/2013
Viviane Tavares
Da EPSJV/Fiocruz
Após
10 anos de liberação dos transgênicos no Brasil, as promessas atreladas
a ele passaram a ser apenas mitos, como muitos movimentos sociais
apontavam desde a época de sua liberação. Entre os mais difundidos,
estavam a geração de plantas mais produtivas, produzindo assim mais
alimentos e acabando com a fome mundial; e a redução do uso de
agrotóxicos na plantação.
No entanto, a realidade mostra, ao
longo da última década, que o número de desnutridos aumentou, os
alimentos que mais estão sendo produzidos com semente transgênica são
milho e soja, e as sementes utilizadas em conjunto com agrotóxicos são
resistentes a eles e contaminam tudo que está ao seu redor. Embora as
evidências mostrem o contrário, a legislação ainda encontra forças para
mais flexibilizações.
Fonte: Brasil de Fato
Atualmente, no Congresso Nacional e no
Senado tramitam quatro projetos sobre o tema. O projeto de lei 4148/08,
do deputado Luis Carlos Heinze (PP/RS), e o projeto de decreto
legislativo da senadora Katia Abreu (PMDB-TO), PDL 90/ 07, focam na
rotulagem dos produtos transgênicos, que pretendem eliminar o símbolo
que informa sobre a transgenia do produto na embalagem. Já o projeto de
lei 5575/09, de Cândido Vaccarezza (PT/SP), que além de propor a
retiragem do símbolo na embalagem propõe ainda a autorização de
tecnologias genéticas de restrição de uso, como a semente terminator, se
juntando ao projeto de lei 268/07 do deputado Eduardo Sciarra (PSD/PR),
que conta com a mesma finalidade.
Flávia Londres, do Agricultura
Familiar e Agroecologia (AS-PTA), explica que o caso da semente
terminator é grave porque, além de ter riscos ambientais e de saúde,
produz uma semente estéril e deixa o agricultor dependente.
Semente suicida
“É
uma semente suicida. Uma espécie de patente biológica. O agricultor que
compra a semente transgênica não pode replantá-la, tem que comprar todo
ano mediante contrato. Atualmente, existe uma moratória internacional
no âmbito da biodiversidade biológica que não aprova essa tecnologia nem
para experimento de campo em nenhum país do mundo, e os nossos
deputados colocam isso em pauta para aprovar. A outra tecnologia que
contém nesta semente é que para um determinado tipo de planta expressar
algum tipo de característica, precisa receber um indutor químico
externo”, explica a representante da AS-PTA.
O professor da
Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), André
Burigo, aponta outro problema que, segundo ele, é ainda mais grave: a
tentativa da aprovação do plantio de sementes transgênicas de soja e
milho resistentes a um agrotóxico mais agressivo, o 2,4-D (ácido
diclorofenoxiacético), mais conhecido como o agente laranja, da Guerra
do Vietnã (Box link).
Atualmente, o projeto está em análise na
Comissão Nacional de Biotecnologia (CTNBio), órgão vinculado ao
Ministério de Ciência e Tecnologia. “Os movimentos sociais consideram
isso uma perda de soberania alimentar muito grande e, se aprovado o 2,4
D, estaremos diante de uma realidade muito séria: na classificação
toxicológica, este agrotóxico é considerado extremamente grave, o mais
grave de todos para saúde humana; e na classificação de impacto e
toxicidade ao meio ambiente fica em segundo lugar”, ressalta André
Burigo.
Questionamentos
Em setembro deste
ano, o Ministério Público Federal (MPF) do Distrito Federal questionou
as autorizações de comercialização de organismos geneticamente
modificados (OGM) concedidas pela Comissão Técnica Nacional de
Biossegurança (CNTBio), como o caso do 2,4D.
Além de transformar
em inquérito civil de investigação as decisões já tomadas, o MPF do DF
suspendeu as liberações comerciais já aprovadas, condicionando sua
aprovação à realização de uma audiência pública, afim de garantir a
participação da sociedade civil nas deliberações a respeito destas
liberações.
Em documento atualizado no dia 5 de novembro deste
ano e publicado abertamente, a CTNBio apresenta o processo de liberação
da aprovação do 2,4D, do glufosinato de amônio DAS-68416-4, do
glufosinato de amônio DAS-44406-6 e de outros, que, de acordo com o
documento, constam em tramitação normal. “Os alimentos transgênicos são
aqueles produzidos para receber agrotóxico. Toda soja transgênica recebe
um herbicida, que passa por cima dela e mata a plantação ao redor, mas
não a ela. Então, imagina o grau de agrotóxico que ela recebe? Além
disso, ainda existem os riscos acarretados pela própria transgenia.
Ainda estamos descobrindo estes riscos, mas o que se sabe é que as
plantas transgênicas estão associadas a problemas de saúde como a defi
ciência na fertilidade, má formação fetal e desenvolvimento de tumores”,
explica Flavia.
Histórico
A história do
Brasil com os transgênicos começa em 1995, quando, por meio da aprovação
da Lei de Biossegurança, foi permitido o cultivo de plantas
geneticamente modificadas em caráter experimental.
Em 1998, a
Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), autorizou o cultivo
da soja modificada Roundup Ready, da Monsanto, para venda ao público.
Junto a ela, veio o agrotóxico chamado Roundup, mais conhecido como
glifosfato. Em 2000, a 6ª Vara da Justiça Federal proibiu a
comercialização da soja transgênica da Monsanto condicionando uma nova
liberação à apresentação de Estudos de Impacto Ambiental (EIA/RIMA). A
empresa nunca apresentou e a soja passou a ser proibida.
Aprovações flexibilizadas
As
aprovações dos transgênicos passaram a ser a cada vez mais
flexibilizadas. Tudo começou com o fato consumado do plantio, havia uma
plantação ilegal de sementes transgênicas, mas que precisava ser
colhida. Este episódio não só permitiu a colheita, como também permitiu a
atualização da Lei de Biossegurança, que, segundo ruralistas,
apresentava defeitos.
“O principal ‘defeito’ era a atuação do
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Uma das
principais atribuições do Ibama, por exemplo, era exigir um relatório
com avaliação do impacto ambiental de cada planta ou animal
geneticamente modificado. A partir daí, o órgão emitia o parecer que
subsidiava o Ministério da Agricultura, responsável pelo registro e
fiscalização de sementes e animais transgênicos. Mas a nova Lei de
Biossegurança interrompeu esse processo e esvaziou o papel do MMA, ao
determinar que os aspectos da legislação ambiental não são aplicáveis à
engenharia genética. Ao mesmo tempo, o governo fortaleceu a Comissão
Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), criada em 2005, também pela
nova Lei de Biossegurança”, explica o texto que informa ainda que, com a
nova lei, a CTNBio passou a ter totais poderes sobre a aprovação destas
substâncias, que passaram a ser feitas de maneiras aligeiradas.