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(Millôr Fernandes)

terça-feira, 29 de abril de 2014

Paulo Malhães, caso típico de queima de arquivo. O infarto foi consequência. Assustador: Ainda não existe que cuide do espólio da ditadura. O complicado assassinato do dançarino, surge um notável e indomável personagem, sua mãe

Terça, 29 de abril de 2014
Helio Fernandes
Da Tribuna da Imprensa
O monstro que perdeu a conta de quantos torturou e assassinou, “sem arrependimento” (textual, nasceu em 1937, quando se instalava a terrível ditadura do “Estado Novo”). É possível que sua vida e sua carreira tenham sido influenciadas pelos fluídos da arbitrariedade.
Em 1960, com 22 anos entrava na ativa como segundo tenente, 1965 era promovido mas ainda não se destacava nem se iluminava pela crueldade. Começou a ser notado quando a violência e a crueldade atingiam o auge, no período mais torpe e mais sangrento da ditadura. Governo Médici.
Foi então requisitado para missões de maior barbaridade, a ponto de ter certa intimidade com o “presidente”. Isso era e é raro no Exército, um capitão se manter perto de um general.

O que acontece nas ditaduras cruéis, todas são, os generais que acreditam não se mancharem de sangue, afagavam oficiais de patentes muito mais inferiores. Que não se incomodavam com o sangue que derramavam, fosse de quem fosse. 
1969-1974, tempos de Médici e Malhães 
Promovido a major ainda com Médici. Em 1977, já com Geisel, completou 40 anos e foi “passado para a reserva”, sem sequer ser consultado. Ganhou uma promoção, a tenente-coronel, e o ostracismo completo, total e absoluto. Que ele mesmo manteve por 37 anos, até este 2014, quando fez o depoimento na Comissão da Verdade.
Essa confissão retardada, pode ter muitas explicações. Vingança e ressentimento pela forma como foi tratado. Espera até que atingisse a idade da impunidade. A demora da instalação da Comissão que deveria ter começado a partir de 1979. 
A ditadura ainda comanda, não temos uma data para festejar 
Em 1979 os generais comemoravam a anistia dada a eles mesmos. Comandaram a transição, no 1º de maio de 1981, tentaram a “prorrogação do regime de exceção”. Com mais um general, que seria o Chefe do SNI, Otávio Medeiros. Não deu certo, mas ninguém foi condenado. Quase todos os generais haviam morrido.
Malhães iria fazer outros depoimentos, acabou. Intimidaram também capitães ou majores da reserva, que estariam dispostos a seguir Malhães. Agora sabem que se depuserem na Comissão da Verdade, acabarão como ele, rapidamente num cemitério qualquer.
No sábado, Portugal em festa. 40 anos da Revolução dos Cravos. Eu estava lá, vi de perto a alegria do povo. E nós? Não temos nada para comemorar, não nos deixaram nem mesmo uma data. O que sobrou da ditadura, está vigilante, cuida do seu espólio de horror. 
Queima de arquivo, nenhuma novidade 
Vem de longe. O delegado Fleury matou tanto quanto Malhães e outros. Sabia muito mais do que devia e não merecia confiança. Um dia, “por acaso”, bateu com a cabeça na quilha de um iate, “morreu afogado”. Ele, que jovem, ganhou prêmios de natação. 
Molina Dias, “queimado” no Rio Grande do Sul 
Todos conheciam seu passado. Quando o SNI “decidiu” que a ditadura não podia acabar e perpetraram o 1º de maio no Riocentro, ele chefiava o Doi-Codi da Barão de Mesquita.
Como Malhães, Molina também participou da missão de esconder o corpo de Rubens Paiva. Foi morto por militares. Não prestou depoimento, mas tinham medo que o fizesse.
Inacreditável: o monstro Malhães teve três mulheres.
A humanidade é mesmo indecifrável. Esse assassino agora silenciado pelos que tinham medo de suas confissões, teve três mulheres. Duas ex- e uma atual. Não tinham medo ou dormiam de olhos abertos? Como aqueles personagens do faroeste da formação americana?
 Como ele começou a assassinar desde muito moço, “sem arrependimento”, eram corajosas. Não é possível que não soubessem de nada. Todas elas? Dizem que chegava em casa, a mulher perguntava, “como foi seu dia”, dizia simplesmente, “matei de tanto trabalhar”, e ia dormir.
Não precisa muita
Não é necessário procurar muito. A morte dele foi “encontro de contas”. O esforço é ótimo por causa dos dois computadores, que devem “esconder” coisas interessantes. E descobrir os três executores, talvez se chegue a conclusões interessantes
Alckmin assustado e com
Não com a CPI dos trens e metrô, mas com a instabilidade e a incerteza da candidatura Padilha. Como ele se baseava no fracassado “mais médicos”, em pleno naufrágio. E agora ameaça ser expurgado por supostos ou previsíveis escândalos, o governador no Poder desde 1994, se preocupa.
Alckmin sabe que como Padilha era poste enterrado há muito tempo, os que pretendiam a candidatura, não se desincompatibilizaram. Imagina ter que enfrentar o próprio Lula. Mas este precisa antes, se “desincompatibilizar” de si mesmo, quer dizer, trocar 2018 por 2014. Mas não estadual
Fantástico, o Show SEM
Estava morrendo, era preciso reabilitá-lo, recuperá-lo, revitalizá-lo. Gastaram muito dinheiro, egolatria, exibicionismo, idolatria. Glorificado: o palco enorme, com multidões de convidados.
Esqueceram o público, que achou complicado, foi ignorado, não entendeu nada. Única satisfação: foram dormir mais cedo, segunda é dia de trabalho. Se o problema era espaço e tamanho, podiam usar o Maracanã. A ressurreição começou na porta do cemitério. Terminou na sepultura
PS – O assassinato lancinante (eu devia acrescentar, assustador), do jovem dançarino, fez surgir um personagem admirável: sua mãe. Corajosa, altiva, lúcida e muito bem articulada, não ficou em silêncio um instante que fosse
PS2 – Denunciou tudo. Levantou fatos, desmentiu outros. Foi a primeira a dar o grito retumbante: “Meu filho foi espancado até a morte”. Autoridades se “refugiaram” na afirmação de que ele morrera “ao cair do muro de 10 metros
PS3 – Em primeiro lugar: ele fugia de alguém ou de alguma coisa. Se conseguiu SUBIR 10 metros, por que CAIRIA e morreria? Impossível. Qualquer perícia não comprometida, provará isso
PS4 – Muitas coisas contraditórias, estranhas, logo desmentidas pela palavra-libelo dessa mãe de quem roubaram o filho de 25 anos. Inicialmente: por que, inesperadamente, quando não se sabia de nada, o Secretário Beltrame (que nos últimos anos só recebeu apoio) apareceu na televisão com aquele discurso mirabolante
PS5 – Textual, dito e repetido o dia todo: “Não quero defender os policiais, mas também não quero acusá-los sem provas, precisamos investigar”. O que era aquilo, defesa preventiva e antecipada
PS6 – Mais tarde apareceu em cena o delegado, visivelmente não muito brilhante, se complicando. Ratificou a idéia da morte pela “queda”. Mas acrescentou que não “estive no local”. Se não esteve, por que o “falatório
PS7 – O delegado continuou: “O dançarino estava longe de onde houve o confronto (?) entre traficantes e policiais, não pode ter sido atingido por “bala perdida”. Foi o primeiro a falar em “bala perdida”, mesmo para negá-la
PS8 – Foram arrolados, que palavra, nove policiais, que trocaram tiros com traficantes. Foram ouvidos pelo delegado, que disse: “Interroguei oito policiais, em três horas”. Eram nove. Por que interrogou oito? O outro ficou para o dia seguinte
PS9 – Qual a razão desse último não ter sido ouvido no mesmo dia? Nas palavras do próprio delegado, oito interrogados em três horas, 22 minutos e meio para cada um. Não podia utilizar outros 22 minutos e meio para completar? Os policiais foram ouvidos individual e separadamente. Esse último policial, interrogado no dia seguinte, lógico, já sabia de tudo
PS10 – Por que até agora não liberaram esses depoimentos, para que através dos órgãos de comunicação, a população tomasse conhecimento de tudo? O que disseram os policiais? Confessaram? Negaram? Esclareceram
PS11 – E as duas fotos, do Globo e do Extra? No mesmo dia o Globo mostrou o jovem morto, no que chamam de “creche”, bem longe do muro. Estava na posição quase vertical. No dia seguinte o Extra exibe foto inteiramente diferente. O dançarino então de costa, com uma bala sangrando na região do fígado. Quem mexeu no corpo
PS12 – Depois, na versão oficial, a bala é mostrada como tendo “entrado pelo ombro” (esquerdo, na foto do Extra o ferimento é do outro lado, à direita) e percorrido essa parte de cima. E por que apenas um tiro? Quem atirou se convenceu de que ele já estava morto, não precisava mais
PS13 – Tudo é tratado sem nenhuma transparência. Só se sabe isto: o governador chamou a mãe do dançarino para conversar. Cheia de convicção, respondeu: “Não tenho nada para conversar. O senhor tem poderes para descobrir o que aconteceu
PS14 – E através de amigos, corajosa, fazendo de cada ato ou palavra, um libelo, mobilizou várias pessoas para pedir a intervenção da Anistia Internacional. Foi logo atendida, o representante no Brasil, acompanha tudo
PS15 – O Secretário Beltrame, ia dizendo, “vamos apurar tudo como fizemos com a morte do Amarildo, 22 policiais estão presos”. Só isso
PS16 – Para terminar por hoje, por hoje. Se DG foi morto por traficantes, muito grave, continuam poderosos. Se os policiais assassinaram o dançarino, então é gravíssimo. Nesse caso a comunidade está duplamente seqüestrada, ameaçada, intimidada. Quem vai defender a população
PS17 – A frase dela, magistral e verdadeira, nem foi selecionada: “A comunidade tem mais medo do policial do que do traficante”.
PS18 – Daniel Alves virou herói das redes sociais. E agora é um líder admirado na luta contra o racismo. Foi o primeiro a não se lamentar e enfrentar os “bananeiros”.
PS19 – Seu gesto inédito de comer a banana que jogaram em cima dele, teve repercussão no mundo todo. O jogador do Barcelona não se alterou, humilhou esses psicopatas do racismo.
PS20- Emocionante a “minha história”, contada por Lais Souza a repórter da Folha, Isabel Fleck. Li arrepiado. Exatamente três meses depois do acidente, segundo o médico, “em estado de tetraplégica”, que otimismo.
PS21 – Sem falar, contando como vitória “mexer” um dedo, e “Coçar o nariz” objetivo fundamental, já respira sem aparelhos. E garante: “vou me recuperar e ajudar pessoas na mesma situação”. Maravilha, Lais.