Segunda,
28 de abril de 2014
Evento aconteceu no Morro Dona Marta, no qual 150 casas
estão sendo ameaçadas
Jornal do Brasil
Ana
Luiza Albuquerque*
O Comitê Popular da Copa e
Olimpíadas organizou neste domingo (27) a primeira etapa da Copa Popular 2014.
O evento tem como principal objetivo mostrar o "lado B" dos grandes
eventos esportivos no Rio, como os próprios participantes falam. A Copa Popular
reúne pessoas que tiveram seus direitos violados por causa da realização das
competições. A primeira partida aconteceu no Morro Dona Morta, na Zona Sul do
Rio de Janeiro. "A Copa Popular deste ano, assim como foi em 2013,
tem o objetivo de mostrar o lado que fica à sombra dos grandes eventos, o lado
da violação dos direitos humanos. Em 2014, ampliamos não só para as
pessoas que estão ameaçadas de remoção, mas também para os camelôs, que foram
impedidos de trabalhar nos arredores dos estádios na Copa, e para a Frente
Nacional dos Torcedores, que luta contra a elitização do futebol. Os jogos
vão acontecer em diferentes partes da cidade para mostrar que os problemas não
são pontuais, que é uma conjuntura", explica Renato Cosentino,
organizador do campeonato e integrante da ONG Justiça Global.
Renato critica de forma
incisiva as remoções feitas em função dos grandes eventos. "A Copa tem o
grande apelo do turismo. O pico do Dona Marta, de lugar mais desvalorizado
do morro, se tornou o mais valorizada, porque a vista é bonita e tem a trilha
ecológica. Há um interesse forte do mercado, principalmente turístico. Agora há
a ameaça de remoção de 150 casas nesta área. Afirmam que é um local de
risco, mas existe contenção desde 1980. O que acontece é uma tentativa de
apagar a história da raiz do morro, porque essas casas são as mais
antigas, algumas existem desde a década de 40. Os eventos tentam limpar as
áreas mais nobres", denuncia.
"Em outros lugares há um
interesse imobiliário. É o exemplo da Vila Autódromo, que vai ser passada para
empreiteiras. Tiram as pessoas dali porque isso valoriza os
empreendimentos na região. Algumas comunidades foram removidas no Recreio em
função da Transoeste, mas não foi feito nada com o terreno, está vazio.
Agora, em volta, há vários empreendimentos imobiliários", lamenta o
ativista.
Renato ainda questiona a falta
de soluções para a população das áreas carentes. "Por que tiraram essas
pessoas em vez de urbanizar? Você vê que elas foram reassentadas em locais
muito longe, dando uma indenização baixa e às vezes até sem dar indenização.
Crianças chegaram a perder o ano escolar. A gente questiona a motivação
das remoções e a forma como são feitas", completa.
Vitor Lira, morador do Pico do
Dona Marta e ameaçado de remoção, queixa-se sobre a forma que a Copa atinge a
população. "Querem fazer as remoções por uma questão de embelezamento
da cidade, pela questão do turista mesmo. O morro vai ser explorado por outras
iniciativas privadas", declara. "Já a UPP está aqui para fazer o
controle social, para oprimir e para violar os direitos dos moradores. A
polícia vem mostrando sua atitude nas favelas e nos morros", defende.
O Movimento Unidos do Camelô
também traz suas reivindicações para a Copa Popular. "Os camelôs não vão
poder trabalhar durante a Copa perto dos estádios. Essa é a época que
aproveitamos para conseguir mais dinheiro e não vamos poder. Estamos na briga
para não haver essa proibição", explica Maria dos Camelôs,
coordenadora da organização. "Essa é uma Copa que não vai trazer
benefícios para a gente, assim como aconteceu com o Pan. Só traz benefício para
quem tem dinheiro, para as empreiteiras e donos de hotéis. Para a população
pobre, que não tem educação, saúde nem moradia, só sobra as remoções. A
gente constrói essa cidade. A Fifa não pode vir para cá dizer o que vai ser e o
que não vai", condena.
Stefano Novaes, integrante do
movimento Frente Nacional dos Torcedores e jogador de um dos times da Copa
Popular, também desaprova o legado que a Copa do Mundo deixará para o
povo. "A gente está aqui como movimento de luta, para mostrar o 'lado B'
da Copa, mostrar que ela não está sendo boa para a população, que vem
trazendo remoções e especulação imobiliária", aponta. Stefano também chama
atenção para a elitização dos estádios, estimulada com a vinda da Copa.
"O preço dos ingressos aumenta e as torcidas são higienizadas. Você tira o
torcedor que ia sempre para colocar aquelas pessoas mais ricas, isso muda
o perfil. Antes, o Maracanã era a geral, era do povão, e o pessoal mais rico
via pela televisão. Hoje é o contrário", protesta.
"Nossa bandeira principal
é essa, o alerta contra o que chamamos de 'futebol moderno', contra o avanço
mercadológico do futebol, que vem se tornando comercial e elitizado, indo
de encontro à filosofia do esporte, à paixão do povo", conclui o torcedor.
*Programa de Estágio Jornal do
Brasil