O verdadeiro motivo da
investigação na tropa de elite do Rio é o sumiço de milhões de reais em
operação contra o tráfico em uma favela carioca em junho
Por: Leslie Leitão, do Rio de Janeiro
Da Revista Veja
Butim que sumiu em
operação do Bope pode chegar a nada menos que 15 milhões de reais (Marino
Azevedo/Governo do Estado do Rio de Janeiro/VEJA)
A Corregedoria Interna da Polícia Militar promoveu, na
quinta-feira, uma série de buscas tanto no quartel do Batalhão de Operações
Policiais Especiais, o Bope, quanto na casa de pelo menos seis policiais: dois
majores, entre eles o subcomandante da unidade, um capitão, um cabo e dois
soldados. A justificativa era a apuração de uma denúncia de desvios de conduta
durante uma operação realizada pelo Comando de Operações Especiais (COE), do
qual o Bope faz parte, na madrugada do dia 22 de junho, no Morro da Covanca,
Zona Oeste do Rio de Janeiro. A reportagem de VEJA apurou do que se trata esse
desvio de conduta: um butim que pode chegar a nada menos que 15 milhões de
reais sumiu no ar durante essa ação. Tudo o que os policiais registraram na
delegacia como material apreendido na operação, que deixou cinco mortos, foram
seis fuzis e pacotes de drogas. Sobre os milhões, nenhuma palavra.
A apuração da PM foi desencadeada por uma detalhada denúncia
recebida pela Corregedoria. No decorrer da operação na favela, os policiais
foram levados por um bandido encapuzado ao ponto exato da mata no alto do morro
onde o dinheiro estava enterrado dentro de tonéis. Um capitão do Bope ficou
encarregado de dividir a dinheirama e parte dela foi parar, inclusive, nas mãos
de outros agentes do COE, órgão responsável, além do Bope, pelo Batalhão de
Choque e pelo Batalhão de Ações com Cães. No Morro da Covanca funciona
atualmente uma espécie de central de abastecimento de drogas da fação Comando
Vermelho - daí a existência de tanto dinheiro vivo escondido na favela.
A busca pelos milhões desaparecidos começou com a
Corregedoria realizando o que chamou de "devassa" no quartel do Bope
em Laranjeiras, Zona Sul carioca, seguida de buscas na casa dos suspeitos. O
dinheiro não apareceu. No quartel, aliás, armários foram abertos e gavetas
reviradas, sem que nada se encontrasse - o que levantou suspeita de vazamento
de informação. Já as buscas nas casas foram mais proveitosas. Na do soldado
Flávio da Silva Alves, em São Gonçalo, havia treze granadas, dois frascos de
spray de pimenta e uma pistola com a numeração raspada; em outros endereços
foram apreendidos balas de fuzil, anabolizantes e um colete balístico. Quanto a
dinheiro vivo, um major tinha em seu poder 40 000 reais em espécie, mas,
segundo a polícia, comprovou a "procedência lícita" do dinheiro. Com
o soldado foram achados outros 20 800 reais - meros trocados perto da fortuna
que se evaporou. O soldado Alves e o major João Rodrigo Sampaio, chefe do
serviço reservado, foram presos, mas o oficial pagou fiança e ganhou a
liberdade.
Todas estas investigações fazem parte de um Inquérito
Policial Militar (IPM) sobre desvios de conduta no Bope que a PM afirma estar
transcorrendo em sigilo. A devassa acontece justamente na semana em que VEJA
trouxe à tona uma série de irregularidades cometidas por policiais do Bope que
até então eram mantidas escondidas - infrações que indicam brechas na blindagem
ética da corporação que o Brasil identificava com a imagem de absoluta
correção, como retratado no filme Tropa de Elite. Entre os casos relatados na
reportagem, grampos da polícia mostram os negócios ilícitos de um sargento com
um traficante em que se faz menção, inclusive, a outros membros da corporação,
sugerindo a ação de uma quadrilha interna. A reação do comando do Bope a essa
banda podre era, invariavelmente, de transferir na mesma hora os suspeitos para
outros quarteis - prevenindo a contaminação, mas sem assegurar a punição dos
culpados. O IPM agora em curso pode ser o começo do fim da prática do Bope de
jogar os maus feitos de "caveiras" para debaixo do tapete.
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