Da Públcia
Agência de Reportagem e Jornalismo Investigativo
por Natalia Viana | 4 de julho de 2015
Novo vazamento revela lista de pessoas alvejadas no Brasil;
entre elas, Palocci, o ministro do Planejamento Nelson Barbosa e o atual
embaixador nos EUA
Na mesma semana em que Dilma Rousseff realizou a primeira
viagem presidencial aos Estados Unidos, informações secretas obtidas
pelo WikiLeaks revelam detalhes sobre a espionagem da NSA, sigla em
inglês da Agência Nacional de Segurança, contra a presidente e
assessores próximos, ministros e um integrante do Banco Central.
As informações, às quais a Agência Pública e a Revista Carta Capital
tiveram acesso em primeira mão, revelam que a espionagem da NSA no
início do governo Dilma se centrava não só na figura da presidente, mas
em integrantes ou ex-integrantes importantes do governo nas áreas
econômica, financeira e diplomática. São 29 “alvos”. Entre eles, Antônio
Palocci, então chefe da Casa Civil.
O celular do assistente da presidente, Anderson Dornelles,
responsável por cuidar das ligações pessoais de Dilma, também estava na
mira da NSA. Nem o avião presidencial escapou da bisbilhotagem
norte-americana.
As informações provêm de uma base de dados usada pela NSA para
selecionar “alvos” cujas comunicações devem ser analisadas. Os arquivos
sobre alvos (ou “selectors”) brasileiros referem-se ao ano de 2011 e
fazem parte de uma série de vazamentos realizados nas últimas
semanas. O WikiLeaks já havia publicado uma lista de 69 nomes
que seriam alvos da NSA na Alemanha, incluídos ministros e
representantes para comércio, finanças e agricultura, além do assistente
pessoal da chanceler Angela Merkel. Também foram publicados três resumos de conversas interceptadas em 2011. Em uma delas, Merkel discute com seu assistente a crise grega.
No fim de junho, o WikiLeaks revelou
que os EUA espionaram o presidente francês Francois Hollande e dois
ex-presidentes, Jacques Chirac e Nicolas Sarkozy, além de ministros das
finanças e empresários. Em resposta, Hollande realizou uma reunião de
emergência do seu gabinete para discutir o tema e ligou em seguida para
Obama, que garantiu que os EUA deixaram de fazer espionagem. O ministro
de Relações Exteriores convocou o embaixador americano em Paris para
pedir explicações. Merkel fez o mesmo.
Diferentemente dos vazamentos europeus, os dados sobre o Brasil não
contêm mensagens interceptadas, apenas enumera os alvos preferenciais
dos EUA. O vazamento publicados neste sábado são chamados de “Bugging
Brasil”, ou “Grampeando o Brasil”, em português. (veja aqui a base de dados)
Para monitorar a chefe do executivo brasileiro, a NSA selecionou nada
menos que 10 telefones diretamente ligados a Dilma. São telefones fixos
de escritórios, como aquele usado pelo comitê de campanha em 2010 no
Lago Sul de Brasília, celulares marcados como “relações de Dilma”
(“liaison”, em inglês) e a linha fixa do Palácio do Planalto.
Dornelles, assessor pessoal de Dilma, foi incluído na lista de
“alvos” da NSA no primeiro ano do mandato, e seu celular passou a ser
atentamente monitorado. O gaúcho de 35 anos, chamado pela presidente
carinhosamente de “bebê” e “menino”, é há duas décadas seu fiel
escudeiro. Começou a trabalhar como office-boy da presidente aos 14
anos, quando ela presidia a Fundação de Economia e Estatística do Rio
Grande do Sul, e a acompanhou em todos os cargos públicos desde então.
O tema de interesse em espionar Anderson está descrito como “Brasil:
Assuntos Políticos”. Espioná-lo era considerado como prioridade de nível
“3” para o governo dos EUA. Quanto mais baixo o número, segundo a
classificação da NSA, maior a prioridade.
Todos os alvos brasileiros têm prioridade “3” enquanto os alemães são de prioridade “2”, assim como os presidentes franceses.
Outro integrante espionado foi Palocci, que deixou o governo em junho
de 2011 após denúncias de enriquecimento ilícito: seu patrimônio
aumentou 20 vezes entre 2006 e 2010. O ministro Palocci era o principal
articulador político do governo.
A presidente não era deixada em paz pelos ouvidos atentos da NSA nem
mesmo quando estava em viagem. O telefone via satélite instalado no
avião presidencial, o Airbus Força Aérea 1 também estava na mira. O
avião é equipado com sistema de comunicação por satélite da empresa
britânica Inmarsat, que opera onze equipamentos posicionados em órbita
geoestacionária ao redor da Terra. Nada disso evitou que os espiões
norte-americanos pudessem acessar livremente o conteúdo das chamadas
presidenciais a bordo do avião.
Assim como no caso da Alemanha e França, o novo vazamento do
WikiLeaks é eloquente ao mostrar que o governo dos EUA tinha como alvos
preferenciais negociadores da política econômica e financeira. Nelson
Barbosa, hoje Ministro do Planejamento, foi espionado quando era
secretário-executivo do Ministério da Fazenda. O número fixo assinalado
pela NSA é usado ainda hoje pela Secretaria.
Outro espionado foi o ex-chefe de gabinete do Ministério da Fazenda
Marcelo Estrela Fiche, exonerado em dezembro de 2013. O embaixador Luís
Antonio Balduíno Carneiro, que em 2011 era diretor do Departamento de
Assuntos Financeiros do Itamaraty e atualmente é diretor da Secretaria
de Assuntos Internacionais do ministério da Fazenda, e o subsecretário
de Relações Internacionais, Fernando Meirelles de Azevedo Pimentel,
também constam na lista. Sobre ele, a NSA anota que conduzia o mesmo
tipo de vigilância exercido sobre diversos países – de olho no mercado
financeiro. “Multi-pases: desenvolvimentos financeiros internacionais”,
diz o registro.
A procuradora-geral da Fazenda, Adriana Queiroz de Carvalho, era
outro alvo. Vinculada à Advocacia Geral da União, a Procuradoria
representa a União em disputas judiciais e dá assessoria jurídica ao
ministério sobre créditos tributários, entre outros assuntos.
Luiz Awazu Pereira da Silva, que se prepara para assumir a
vice-presidência no Banco de Compensações Internacionais, considerado o
Banco Central dos Bancos Centrais, não escapou. Era diretor de Assuntos
Internacionais do Banco Central. Posteriormente comandou a Diretoria de
Regulação do Sistema Financeiro e a diretoria de Política Econômica do
BC. Nesse posto, atuou diretamente sobre a política de juros, como os
aumentos ou redução da taxa Selic.
Além dele, também foi espionado o atual embaixador brasileiro nos
EUA, Luiz Alberto Figueiredo Machado. O interesse em Machado teria
relação com as negociações de acordos climáticos. Em 2011, Machado era
diretor do Departamento de Meio Ambiente e temas especiais do Itamaraty.
Foi secretário-executivo da Rio+20 e chefiou ao menos três delegações
brasileiras nas Conferências da ONU para o Clima. Machado assumiu o
Itamaraty após a saída de Antônio Patriota em 2013 e permaneceu até o
fim do primeiro mandato de Dilma Rousseff.
A NSA monitorou ainda o telefone da residência do embaixador Luiz
Filipe de Macedo Soares Guimarães em Genebra, o atual embaixador na
Argentina Everton Vieira Vargas, quando era representante na Alemanha, e
a embaixada brasileira em Paris, segundo os arquivos. Procurados,
nenhum dos “alvos” quis se pronunciar.
As novas revelações do WikiLeaks mostram pela primeira vez os alvos
específicos da NSA no Brasil. Em 2013, documentos vazados por Edward
Snowden haviam revelado que milhões de e-mails e ligações de brasileiros
e estrangeiros em trânsito no país foram monitorados. Snowden também
revelou que as comunicações da Petrobras e de Dilma Rousseff eram
espionadas.
Em resposta, a presidente cancelou uma viagem aos EUA que estava
agendada e criticou publicamente a espionagem americana na
Assembleia-Geral da ONU. Junto com o governo alemão o Brasil propôs
ainda à ONU uma proposta que prevê regras para garantir o direito à
privacidade na era digital.
Porém, antes da recente viagem aos EUA, Dilma Rousseff já dizia
considerar o conflito como “uma coisa do passado”. Agora, depois da
visita, considerada bem-sucedida, resta saber como o governo vai lidar
com essas novas – e preocupantes – revelações. Afinal, pouco se sabe
ainda sobre quais informações sigilosas foram acessadas e como isso foi
usado para o benefício econômico e político dos americanos.
“Nossa publicação de hoje mostra que os EUA têm um longo caminho à
frente para provar que a sua vigilância massiva em países
‘amigos’ realmente acabou”, diz Julian Assange. “Os EUA não só
espionaram a presidente Rousseff mas também figuras-chave com quem ela
fala todos os dias. Mesmo se as promessas dos EUA de que deixaram de
espioná-la forem dignas de confiança – e não são – é impossível imaginar
que Rousseff possa governar o Brasil falando apenas consigo mesma. Se a
presidente Rousseff quer receber mais investimentos no Brasil após sua
recente visita aos Estados Unidos, como ela pode garantir às empresas
brasileiras que a concorrência americana não obterá vantagens
provenientes dessa vigilância até que ela possa realmente comprovar que a
espionagem cessou? E não apenas sobre ela, mas sobre todos os alvos
brasileiros”.
O que ensinam os documentos
A base de dados publicada pelo WikiLeaks demonstra como funciona o aparato de espionagem da NSA. Embora o órgão americano intercepte milhões de registros de telefonemas em diversos países, apenas alguns telefones são considerados alvos prioritários, aos quais os analistas devem estar sempre atentos.
Para que a espionagem seja conduzida é necessário que ela siga uma ordem de “Necessidade de Informação” promulgada pelo Departamento de Inteligência Nacional. O código dessa autorização aparece em todas as comunicações, bem como a unidade dentro da NSA que é encarregada de espionar as conversas.
Um documento de “Necessidade de Informação” de 2002, feito sob medida para espionar os franceses, estabelece como áreas de interesse informações sobre relações econômicas bilaterais, política macroeconômica e financeira, orçamento, contratos internacionais e negociações com instituições financeiras internacionais. Documento semelhante foi produzido sobre o Brasil, segundo consta na base de dados, mas seu teor não consta do vazamento do WikiLeaks.
*Colaborou Renan Truffi