Quinta, 11 de fevereiro de 2016
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Artigo publicado quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016.
Entre nós, os economistas II
A ideologia da crise fiscal
Por Nildo Ouriques
Ideologia sempre é arma perigosa. De minha parte, rechaço qualquer
ideologia pois somente quando os trabalhadores estão armados com o
pensamento crítico é quando, de fato, se apresentam como o inimigo real
para as classes dominantes.
A burguesia criou a ideologia de que o estado brasileiro vive severa
crise fiscal. Todos os dias de manhã, a tarde e a noite, fomenta a
ideologia da crise fiscal do estado brasileiro; no rádio, jornal e TV
repete a ladainha; o resultado pode ser visto na declaração do líder
sindical bocó, do cretinismo parlamentar e do jornalista cínico, todos
indicando que é preciso fazer um "ajuste fiscal" para recolocar o Brasil
na "rota do crescimento". É farsa completa, mas é o alimento cotidiano
de milhões, resultado necessário da manufaturação do consenso que
funciona com perfeição tal como no Brasil indiciou Lima Barreto no
início do século passado no insuperável romance Recordações do Escrivão Isaías Caminha (1909) e, antes dele, John Hobson, no também indispensável Estudios sobre el imperialismo, 1902). George Seldes, Lippmann (o reaça), Orwell e Chomsky ainda não existiam.
Abismo que criaste com teus pés
Pois bem, hoje um jornal paulista (FSP) indica que no coração burguês do
país, "o grau de endividamento pulou de 148% de sua receita corrente
líquida em 2014 para 168%". Ora, o estado de São Paulo é administrado
por tucanos há quase duas décadas. No parlamento, a bancada tucana
defende com unhas e dentes a ideologia que, como diz Cartola num samba
genial, agora também pode ser vista no "abismo que cavaste com os teus
pés". O petismo cala sobre o essencial, evita a crítica como se o rombo
fiscal tucano não existisse porque, há tempos, também adotou a ideologia
da "austeridade fiscal" que marcava os governos neoliberais. Enfim,
tucanos primeiros e petistas mais tarde, adotaram a mesma ideologia.
Dilma no Planalto e Alckmin em São Paulo dão de ombros. Ambos endividam o
estado, apoiam a política de austeridade e justificam tudo em nome da
responsabilidade fiscal. Mas para nossa sorte, a realidade é tenaz e
não se curva às ideologias!
Farra fiscal garantida e ajuste permanente
Noutro jornal paulista (Valor) leio hoje que os subsídios concedidos à
burguesia brasileira pelo governo Dilma - via BNDES - custarão ao
Tesouro (com impactos fiscais!) R$ 323 bilhões até 2060. No total, a
farra dos subsídios às distintas frações do capital, alcançou até
dezembro passado, R$ 523 bilhões. É claro que neste contexto, o assalto
ao estado esta no DNA de industriais, latifundiários, comerciantes e
multinacionais e, obviamente, compreende-se que a destituição da
presidente é carta fora do baralho. Afinal, por que tirar da cadeira
presidencial uma pessoa que atende com tanta diligência nossa classe
dominante? Não bastasse os subsídios, a presidente Dilma seguirá com o
"ajuste fiscal" permanente, a supressão de direitos previdenciários, o
fim das receitas vinculadas, o aumento de impostos e, sobretudo, com a
garantia de que os segredos do endividamento interno e externo estarão
garantidos após o veto que exerceu sobre a auditoria da dívida. A
oposição tucana - aquele mesma que clama pela destituição da presidente -
apoiará no congresso a maioria das medidas propostas pelo governo do PT
e seus aliados. Exceto a CPMF, para não dar na cara, entende?
De minha parte, declarei desde o início minha oposição a Lei de
Responsabilidade Fiscal porque - a exemplos de outros poucos economistas
críticos - sabia que a eficiência fiscal do estado seria destinada para
o mega negócio da dívida pública que arrancou com força em 1994, a
verdadeira âncora do Plano Real. A dívida pública é, desde então, o
coração da republica rentista! A maioria dos keynesianos praticaram o
bom mocismo e, orientados pelo medo na alma e de olho no DNA da
lumpemburguesia que pretendem representar, logo se apressaram em afirmar
que "Keynes nunca foi favorável a irresponsabilidade fiscal". Claro que
não. Keynes, a despeito de suas imensas limitações e sua inequívoca
posição de classe, não cederia diante deste discurso de quinta, afeito
somente aos bocós.
À esquerda, com força e duas moléculas de lucidez
Aos partidos de esquerda basta duas moléculas de lucidez: anunciar sem
vacilação a ruptura com a Lei de Responsabilidade Fiscal, denunciar o
superendividamento estatal, praticar a política da recusa ao bom mocismo
e estimular a educação política permanente sobre este pilar da
dominação burguesa. Neste momento, a busca de votos deveria estar
subalternizada à construção de um programa na consciência popular.
Enfrentar a política da "austeridade permanente" e combater a ideologia
da crise fiscal do estado brasileiro é a primeira tarefa da construção
necessária de uma alternativa real.