Sexta, 30 de outubro de 2017
desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e Membro da Associação Juizes para a democracia.
A Constituição costuma ser a Lei maior em todas as nações civilizadas
do planeta. Abaixo dela, vêm as leis ordinárias e os regulamentos e
regimentos. A nossa é uma das mais modernas e contém os princípios e
direitos da civilização moderna. Porém sua interpretação cabe ao Supremo
Tribunal Federal em última instância e aos juízes na aplicação do
direito em cada caso concreto. Todo cidadão tem o direito ao devido
processo legal em igualdade de condições. O Brasil é signatário de
Cartas e Tratados Internacionais de Direitos Humanos, dentre os quais, a
Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa
Rica.
Devido a essa adesão, muitos progressos estão sendo assimilados em
nosso ordenamento jurídico como a proibição de prisão por dívidas civis,
a descriminalização do crime de desacato – um símbolo do autoritarismo
de estado, e a implantação das audiências de custódia, quando todo preso
deve ser levado, sem demora, perante uma autoridade judiciária. Não
apenas esse diploma internacional, mas o Pacto Internacional de Direitos
Civis e Políticos das Nações Unidas também repete a mesma obrigação dos
Estados membros. Além disso compete ao Estado manter a integridade
física e psicológica das pessoas submetidas à custódia estatal. Acresce
que a Constituição no artigo 5º, LXV, LXVI estabelece que a prisão é
medida extrema que se aplica somente nos casos expressos em lei e quando
não comportar nenhuma medida alternativa.
O CNJ, que disciplinou a prática das audiências de custódia através
da Resolução nº 213, de 2015, encomendou uma pesquisa feita pelo Fórum
Brasileiro de Segurança Pública que constatou, dentre outros fatos de
relevo que 81% das pessoas presas são apresentadas para as audiências
algemadas e com a presença de policiais, o que contraria a norma
regulamentadora. Constatou que são negros e jovens em sua maioria, os
presos apresentados entre 2015 e 2017; sendo negros 65,2% os que
passaram pelo crivo de um juiz: 49% dos indivíduos de cor branca
apresentados, 41% receberam a liberdade, enquanto 55,5% de negros
permaneceram presos e 35,2% receberam a liberdade.
A pesquisa constata como é importante a presença de um magistrado
para garantir esse direito fundamental. Os crimes patrimoniais, roubo
(22,1%), furto (14%) e receptação (11%) dominam o cenário do crime
sinalizando o quanto a miséria, o desemprego e a exploração do
trabalhador tem gerado criminalidade. Mesmo com a presença de policiais
nas audiências 21,6% denunciaram terem sofrido violência policial e
71,4% atribuíram a violência ao aparato policial descortinando o estado
policial em que vivemos. Não é função dos magistrados a garantia da
segurança pública e sim a aplicação do Direito aos casos concretos. Os
jovens entre 17 e 25 anos dominam os que são alvos de prisões, seguidos
da faixa etária entre 26 e 35 anos, outro indicativo da falta de cuidado
com os jovens, outro imperativo constitucional feito letra morta.
A pesquisa apresentou também algumas sugestões para o aperfeiçoamento
das audiências de custódia, tais como: a) Melhoria da integração da
justiça criminal com a rede de atendimento social e assistência a
usuários de drogas, assim como o maior controle do Poder Executivo
estadual sobre os casos de violência policial; b) Adoção de
regulamentação para que a prisão domiciliar possa ser decretada de
imediato, com um prazo para oferecimento posterior da comprovação
necessária, para presas gestantes ou com filhos até 12 anos; c) Melhor
capacitação da equipe de peritos do IML também foi comentada,
especialmente para a adoção de protocolos de atuação em casos de
violência de Estado; d) Necessidade de mudança na legislação para
suprimir o instituto da fiança na apreciação da liberdade provisória,
considerando o perfil majoritário dos réus ser de pessoas pobres, que
não têm condições financeiras de arcar com o custo da fiança. e)
Intérpretes para audiências com estrangeiros; f) Implementação das
audiências de custódia na justiça juvenil.