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(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 30 de março de 2020

Campanha coronavírus: procuradores pedem que secretário de Comunicação do governo Bolsonaro, Fábio Wajngarten, responda na Justiça por improbidade; propaganda governamental que incentiva retomada a atividades coloca sob risco saúde da população

Segunda, 30 de março de 2020
Do MPF
Representação foi enviada à Procuradoria da República no DF. Propaganda governamental que incentiva retomada a atividades coloca sob risco saúde da população
Arte com os dizeres “Proteção Direito à Saúde”
Arte: Ascom/PFDC
Procuradores do Ministério Público Federal (MPF) e também do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo encaminharam nesta segunda-feira-feira (30) ao Ministério Público Federal no Distrito Federal representação para que seja apresentada à Justiça uma ação contra o secretário especial de Comunicação Social da Presidência da República, Fábio Wajngarten. O pedido aponta atos de improbidade administrativa que teriam sido cometidos pelo secretário em razão da veiculação de propaganda institucional que deslegitima medidas de preservação da vida e da integridade física dos brasileiros no contexto da pandemia do coronavírus.
Veiculada em contas institucionais da Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência e disseminada por redes sociais, a publicidade está em desconformidade com diretrizes da Organização Mundial de Saúde (OMS) e das autoridades sanitárias brasileiras, no sentido do isolamento social como forma de conter a epidemia da covid-19. Sob o slogan “O Brasil não pode parar”, o material incentiva a retomada do regime normal de trabalho. Para a realização da campanha, houve a contratação, sem licitação, de uma agência de publicidade, no valor de R$ 4,9 milhões.

O documento destaca que a campanha institucional gerou situação de desconforto para os governadores, os quais, por sugestão do próprio Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde, adotaram a política de isolamento geral da população. O texto chama atenção para o fato de que, não obstante as conclusões científicas existentes até então, a publicidade de certa forma motivou a convocação de diversos protestos contra as medidas de isolamento social no Brasil. O documento alerta que o país que mais demorou para adotar a chamada “quarentena”, a Itália, é o que conta com o maior número de mortes por coronavírus até o momento.
Propaganda coloca saúde dos brasileiros sob risco - Na representação à Procuradoria da República no DF, os procuradores destacam que ao estar na contramão das evidências científicas produzidas no contexto da covid-19, a campanha publicitária produzida pelo governo federal afronta o princípio da prevenção e precaução aplicados ao direito à saúde, como estabelece o artigo 196 da Constituição Federal. A campanha também viola o art. 37 da Constituição, segundo o qual a publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social.
“No caso, a publicidade oficial veiculada pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República é destituída dos atributos que deveria acompanhá-la: ser educativa, informativa e de orientação social. Ao contrário, o que ela procura é adesão irrestrita ao pensamento governamental, e, pior, é enganosa, porque induz as pessoas a erro, ao pretender que acreditem em uma falsa oposição entre as medidas determinadas pela Organização Mundial da Saúde, pela comunidade médica e pelas autoridades brasileiras, de enfrentamento de uma pandemia mortal, por um lado, e a preservação da economia nacional, por outro”.
Ainda de acordo com o documento, a publicidade impugnada é também abusiva, pois induz os cidadãos brasileiros a se comportarem de maneira perigosa à sua saúde e à saúde de todas as demais pessoas, na medida em que os conclama a voltarem às suas atividades laborais e de consumo, ignorando, assim, as prescrições sanitárias de isolamento e máxima restrição à locomoção. O texto também aponta que a campanha fere o princípio da legalidade, no caso consubstanciado na Lei 13.979/2020, que se destina a autorizar e executar medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do novo coronavírus.
No que se refere à questão financeira, a representação aponta como irregulares todas as despesas públicas que foram eventualmente realizadas para promover a veiculação da referida campanha publicitária, visto que qualquer despesa pública deve ser realizada para fins legítimos, que encontrem fundamento na legislação vigente. Além disso, reforçam os procuradores, a campanha também é dissonante do esforço mundial no enfrentamento e combate à pandemia, dirigido pela OMS. “Sabe-se que êxitos nesse campo dependem de um esforço do conjunto das nações, tendo em vista que a grande circulação humana, ultrapassando as fronteiras nacionais, é um dado irrecusável dos dias atuais”, cita o texto.
Assinam o documento, a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat; os procuradores da República Ana Padilha, Felipe Palha, Natália Lourenço e Malê Frazão; assim como a procuradora Élida Graziano, do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo.