Segunda, 16 de março de 2020
Por
Aldemario Araujo Castro
Advogado
Mestre em Direito
Procurador da Fazenda Nacional
Brasília, 14 de março de 2020
Exerci o honroso (e espinhoso) cargo de Controlador-Geral do Distrito Federal de janeiro de 2019 até fevereiro de 2020. Foi a experiência profissional mais complexa e instrutiva que vivenciei. Das inúmeras lições aprendidas, duas foram, sem dúvida, as mais importantes.
A primeira, consiste na plena convicção da existência de níveis inacreditáveis e inaceitáveis de desorganização administrativa e vários tipos de malversações do interesse público no âmbito do Distrito Federal (DF). A segunda, os elevados patamares de eficiência e postura ética observados nas atividades dos servidores em exercício na Controladoria-Geral do Distrito Federal (CGDF).
A desorganização administrativa, que estimo seja a marca registrada da gestão de cerca de 75% dos órgãos e entidades do Poder Executivo do Distrito Federal, pode ser observada em alguns indicadores fundamentais. São eles: a) pagamentos sem cobertura contratual; b) servidores que integram os quadros societários de empresas fornecedoras de bens e serviços para o Poder Público distrital; c) quantidade anormal de contratos emergenciais; d) quantidade excessiva de tomadas de contas especiais; e) profundas deficiências na elaboração ou acatamento de projetos e f) ausência generalizada, com honrosas exceções, do mapeamento de rotinas e processos de trabalho. As causas principais desse estado de coisas são: a) ineficiências administrativas (insuficiências de capacitação, de infraestrutura logística, de força de trabalho, etc) e b) ações intencionais voltadas para a “produção do caos” e, a partir daí, lograr obter todo tipo possível e imaginável de vantagens indevidas.
Em vários escritos, reuniões, eventos e até em entrevistas para a imprensa destaquei esses aspectos com maior ou menor ênfase, com maior ou menor detalhamento. Vários deles foram enfrentados em diplomas normativos (decretos e portarias editados em 2019 e 2020). Não custa registrar que a edição dessas normas só produzirão algum efeito se acompanhadas de medidas enérgicas de mudanças profundas na cultura e nas práticas que surgiram e foram alimentadas na sucessão dos governos do Distrito Federal.
Em relação à CGDF, encontrei uma das mais claras exceções à desorganização administrativa antes mencionada. O planejamento das complexas ações da instituição é uma das marcas mais significativas da gestão nos últimos anos. Parte considerável das rotinas e fluxos de trabalho estão devidamente mapeadas e definidas por meios de instrumentos adequados. O corpo funcional da CGDF, praticamente todo formado por servidores concursados, atua pautado em fortes padrões éticos, técnicos e com profundo compromisso com o interesse público. Cerca de 95% dos cargos comissionados são ocupados por servidores efetivos, uma raridade no Distrito Federal.
A inestimável participação da “prata da casa” viabilizou a realização de uma série de atividades importantes no ano de 2019 e começo do ano de 2020. Vejamos as mais relevantes:
a) fiscalizações (em particular, auditorias e inspeções).
Análise prévia de contratos e pagamentos em vários órgãos e entidades; ausência de interferência ou influência negativa da direção máxima nas ações de controle; realização, com gestores distritais, de várias edições dos “Diálogos com o Controle”; divulgação pública do andamento das ações de controle; realização da IV Semana de Controle, Transparência, Ouvidoria e Correição; intercâmbio de boas práticas com várias controladorias municipais e estaduais; participação decisiva na adoção dos normativos relacionados com o cadastramento e administração de contratos no sistema informatizado denominado e-Contratos/DF; análises para nomeações em cargos comissionados; centralização das unidades de controle interno; combate às contratações do DF com empresas pertencentes a servidores públicos do próprio DF; análise da folha de pagamento da NOVACAP; criação da Controladoria Setorial da Secretaria de Justiça e participação efetiva na retomada da atuação da Rede de Controle da Gestão Pública do DF;
b) correcional. Desenvolvimento do Sistema Correcional Integrado (SCI), a ser utilizados nos órgãos e entidades; institucionalização das comissões permanentes disciplinares na CGDF; regulamentação dos Procedimentos de Investigação Preliminar (PIPs); divulgação do andamento dos processos correcionais no âmbito da CGDF; criação do Boletim de Ética e Integridade; realização de curso de formação em matéria disciplinar; realização do I Encontro de Corregedorias do DF; início do processo de recentralização das Tomadas de Contas Especiais (TCEs) e formatação, em parceria com a Secretaria da Mulher, do programa de prevenção de assédios moral e sexual na Administração Pública distrital;
c) julgamento de processos disciplinares. Em função de delegação de competência, foi possível julgar cerca de 142 processos parados de 2 a 4 anos com propostas de demissões e cassações de aposentadorias;
d) ouvidoria. Premiação de desempenho de vários órgãos e entidades; adoção de decreto voltado para o aperfeiçoamento das atividades e priorização das demandas e realização de cursos de formação para ouvidores, inclusive à distância;
e) tecnologia da informação. Desenvolvimento e aperfeiçoamento, basicamente com servidores da CGDF, de vários sistemas (Cronos, Osmar, Painel de Indicadores, implantação do SISPATRI, nova versão do Portal da Transparência, entre outros);
f) gestão interna. Ações de integração do corpo funcional da CGDF; realização de inúmeros acordos de cooperação técnica; nova regulamentação do teletrabalho na CGDF e elaboração do novo Regimento Interno da CGDF e estrutura organizacional pertinente;
g) controle social, transparência e combate à corrupção. Novo portal da transparência, incluindo mecanismo de busca tipo “google”; projeto “De Olho na Saúde”; projeto “De Olho na Escola”; premiação de transparência ativa; apoio ao funcionamento do Conselho de Transparência e Controle Social; treinamentos sobre a lei de acesso à informação (abrangendo mais de 1000 servidores) e participação ativa na criação e implementação do fundo distrital de combate à corrupção;
h) governança e compliance. Início da estruturação dessas atividades e participação ativa na alteração e regulamentação da Lei distrital n. 6.112/2018 (que trata dos programas de integridade das empresas contratadas pelo Distrito Federal).
No final da minha breve passagem pela CGDF recebi o seguinte prêmio, na forma de uma nota publicada no jornal Correio Brasiliense: “No governo, Aldemário Araújo era chamado de 'atrapalhador-geral'. Na visão de integrantes do governo, agia com muita autonomia na fiscalização e causou alguns transtornos”. Esse registro trata de uma necessidade premente do controle interno daqui e de alhures. São fundamentais os mecanismos de contenção das influências não-republicanas nas ações dos órgãos de controle interno. Devem ser considerados: a) mandato para o dirigente maior do controle interno; b) definição de critérios técnicos para ocupação dos principais cargos de direção; c) decisões colegiadas para fixação das ações de controle a serem realizadas e d) institucionalização de controles sociais fortes para acompanhamento próximo da atuação do controle interno.
Termino essas breves linhas com uma afirmação de pura justiça. A Controladoria-Geral do Distrito Federal (CGDF) é uma pérola, a ser resguardada e fortalecida, no âmbito da Administração Pública do Distrito Federal.