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(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 25 de março de 2020

Combate ao racismo passa pela luta por propriedade, diz ativista brasileiro

Quarta, 25 de março de 2020
Da ONU Brasil

Há 20 anos, o ativista brasileiro Damião Braga, 53, luta pelo direito dos afrodescendentes à propriedade de terras e imóveis na cidade do Rio de Janeiro.
Na ocasião do Dia Internacional em Memória das Vítimas da Escravidão e do Comércio Transatlântico de Pessoas Escravizadas, cujo foco deste ano é o combate ao racismo e à discriminação, Braga concedeu entrevista às Nações Unidas.
“Para nós, a titulação dos territórios quilombolas é uma forma de reparação, frente a tudo aquilo que foi a escravidão”, disse Braga. “O território não foi titulado justamente em função desse racismo estrutural”.
Para o líder quilombola Damião Braga, a luta contra o racismo passa pela luta pela propriedade, inclusive em centros urbanos. Foto: UNIC Rio/Joana Berwanger
Há 20 anos, o ativista brasileiro Damião Braga, 53, luta pelo direito dos afrodescendentes ao acesso a terras e imóveis na cidade do Rio de Janeiro.

Na ocasião do Dia Internacional em Memória das Vítimas da Escravidão e do Comércio Transatlântico de Pessoas Escravizadas, cujo foco deste ano é o combate ao racismo e à discriminação, Braga concedeu entrevista às Nações Unidas.
Líder quilombola, ele é frequentemente alvo de ameaças por exigir na Justiça e do Estado que propriedades de uma região central e histórica da cidade sejam transferidas aos descendentes de pessoas escravizadas.
O líder quilombola Damião Braga no Cais do Valongo, no Rio de Janeiro (RJ). Foto: UNIC Rio/Joana Berwanger
No período da escravidão no Brasil, o termo quilombola referia-se às pessoas escravizadas africanas e afrodescendentes que fugiram dos engenhos de cana de açúcar e fazendas para formar pequenos vilarejos chamados de quilombos.
Hoje, o termo se refere aos descendentes dessas populações escravizadas, que vivem em comunidades rurais e urbanas, caracterizadas por agricultura de subsistência e práticas culturais vinculadas a seus ancestrais.
O reconhecimento dos territórios quilombolas e sua regularização fundiária estão previstos pela Constituição Federal de 1988.
Braga é presidente do Conselho Diretor da Associação da Comunidade Remanescente do Quilombo Pedra do Sal, um dos principais quilombos urbanos brasileiros, localizado na região central da capital fluminense.
A Pedra do Sal foi residência secular de escravizados, ex-escravizados, negros libertos, negros livres e, agora, de seus descendentes.
É lá que ele e a comunidade travam uma batalha judicial e administrativa de longa data para obter a titularidade de imóveis hoje detidos majoritariamente pelo Estado brasileiro e também reivindicados pela Igreja Católica.
Em 2005, a região foi reconhecida como território quilombola pelo governo brasileiro. Apesar disso, 15 anos depois, poucas famílias afrodescendentes de fato vivem no local, uma vez que o processo de titulação dos imóveis não foi concluído e as famílias, despejadas.
“O nosso direito já foi reconhecido. A Pedra do Sal é território quilombola. Mas agora falta a efetivação desse direito”, explicou Braga, atribuindo essa demora à recente valorização dos imóveis na região central do Rio após a reurbanização para os Jogos Olímpicos de 2016.
“Para nós, a titulação dos territórios quilombolas é uma forma de reparação, frente a tudo aquilo que foi a escravidão”, disse Braga. “O território não foi titulado justamente em função desse racismo estrutural”.
Braga e a comunidade formada por cerca de 25 famílias aguardam agora a conclusão de processos judiciais e administrativos para efetivação de seu direito.
Para ele, a luta pelo reconhecimento quilombola está diretamente relacionada à luta contra o racismo. “Quando começamos a lutar, a fazer essa discussão sobre o território quilombola, esse racismo ficou ainda mais evidente, mais latente, mais visível.”
Segundo dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) de 2019, existem 1,7 mil processos em andamento para certificação de comunidades quilombolas no Brasil.
Damião também é membro titular do Comitê Gestor do Cais do Valongo, principal porto de chegada de pessoas escravizadas nas Américas e hoje listado como Patrimônio Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).
“O Cais do Valongo simboliza a chegada dos africanos escravizados no Brasil. O Cemitério dos Pretos Novos simboliza o enterramento, aqueles que se foram, e o quilombo Pedra do Sal simboliza a vida, a continuidade”, disse Braga, citando pontos históricos da região central do Rio.
Estima-se que mais de 900 mil africanos escravizados tenham chegado à América do Sul via Cais do Valongo.

ONU contra o racismo no Brasil

Em sua primeira viagem oficial ao Brasil, realizada em fevereiro, o representante para América do Sul do Escritório das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), Jan Jarab, reuniu-se com lideranças quilombolas para verificar a situação dessas comunidades no país.
Neste contexto, o representante da ONU teve a oportunidade de ouvir as preocupações de lideranças sociais com atuação em áreas como direitos dos povos indígenas e quilombolas, movimentos rurais e de atingidos por barragens, com foco no tema de violência no campo.
Reafirmando o compromisso de implementação da Década Internacional de Afrodescendentes (2014-2024), o Sistema ONU no Brasil também lançou há três anos a campanha “Vidas Negras”.
A iniciativa busca ampliar, junto à sociedade, gestores públicos, sistema de Justiça, setor privado e movimentos sociais, a visibilidade do problema da violência contra a juventude negra no país.
O objetivo é chamar atenção e sensibilizar para os impactos do racismo na restrição da cidadania de pessoas negras, influenciando atores estratégicos na produção e apoio de ações de enfrentamento da discriminação e violência.