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(Millôr Fernandes)

terça-feira, 31 de março de 2020

Lei que proíbe genericamente uso de máscara em manifestações é inconstitucional, diz PGR

Terça, 31 de março de 2020
Do MPF
Para Augusto Aras, máscaras de proteção contra doenças infectocontagiosas não podem ter uso restringido em manifestações
O procurador-geral da República, Augusto Aras, defende no Supremo Tribunal Federal (STF) a inconstitucionalidade de uma lei do estado do Rio de Janeiro que prevê genericamente a vedação do uso de máscaras em manifestações públicas, restringindo o direito fundamental de reunião. No entendimento do chefe do Ministério Público da União (MPU), a Corte deve fixar tese no sentido de que a restrição é permitida somente no contexto de prática de atos de violência e condutas ilícitas, excluindo-se da restrição a utilização de máscaras contra doenças infectocontagiosas.

A possibilidade de lei proibir o uso de máscaras em manifestações públicas é matéria do Tema 912 da sistemática da repercussão geral do Supremo, o que significa dizer que todos os processos sobre o mesmo assunto ficam automaticamente suspensos até o julgamento de mérito pelo colegiado. O resultado deliberado pelos ministros, então, passa a vincular as demais decisões em todo o país.
No caso em questão, o STF vai analisar recurso extraordinário proposto pelo Partido da República (PR) contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. A Corte estadual julgou improcedente Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra a lei carioca 6.528/2013, que regulamenta o artigo 23 da Constituição do Estado. No artigo 2º, a norma questionada estabelece ser “especialmente proibido o uso de máscara ou qualquer outra forma de ocultar o rosto do cidadão com o propósito de impedir-lhe a identificação”.
No parecer, encaminhado ao ministro Luís Roberto Barroso, o procurador-geral observa que a Constituição Federal, ao consagrar a democracia e o pluralismo político, garante a todos a participação na política, e as liberdades de reunião, manifestação e expressão são instrumentos essenciais da democracia participativa. Faz também menção ao artigo 5º, inciso XVI, da Constituição, pelo qual se garante aos indivíduos o direito de se reunirem de forma pacífica, sem armas, em locais públicos, sem exigir qualquer autorização, impondo apenas o aviso prévio à autoridade competente.
Aras cita ainda duas decisões recentes do próprio Supremo nas quais deliberou-se pela inconstitucionalidade de normas contrárias à liberdade de manifestação. Na ADI 1969/DF – que tratava de um decreto do Distrito Federal vedando manifestações públicas, com a utilização de carros e objetos sonoros na Praça dos Três Poderes, Esplanada dos Ministérios e vias adjacentes – os ministros consideraram o dispositivo inconstitucional por ser incompatível com o princípio da proporcionalidade. O segundo caso foi a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 187/DF, envolvendo o episódio conhecido como “marcha da maconha”. Na ocasião, o STF entendeu não poder dispor sobre a palavra, as ideias e os modos de manifestação para proibir o dissenso, sob pena de desnaturação da democracia constitucional em seu aspecto material.
“A proibição genérica de ocultação do rosto, durante reuniões públicas, é limitação inconstitucional do direito fundamental de reunião, porque ultrapassa os limites definidos na norma contida no art. 5º, inciso XVI, da Constituição Federal e atinge o princípio democrático”, defende Augusto Aras. Por outro lado, o procurador-geral acredita ser necessária uma ressalva quando se tratar de abuso de direito. Ou seja, no contexto da prática manifesta de atos de violência e condutas ilícitas, a proibição de máscaras e peças que cubram o rosto durante atos de protesto coaduna-se com o núcleo essencial do direito de reunião.
Sugestão de tese – Considerando a sistemática da repercussão geral e os efeitos do julgamento do recurso em relação aos demais casos, o PGR sugere a fixação da seguinte tese: “É inconstitucional a promoção de restrições genéricas ao direito fundamental de reunião. É compatível com o núcleo essencial do direito de reunião a proibição de máscaras e peças que cubram o rosto durante atos de protesto no contexto manifesto da prática de atos de violência e condutas ilícitas, excetuando-se da vedação máscaras de proteção contra doenças infectocontagiosas”.