Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sábado, 21 de março de 2020

Fora Bolsonaro sim! Mas sem atropelar o partido.

Sábado, 21 de março de 2020 
Por
Juan Ricthelly*

Um inimigo em comum das forças progressistas desse país, ocupa hoje o maior cargo político da nação, sua incapacidade para o exercício da função é confirmada semanalmente, desde que subiu a rampa do Planalto, a começar pelas indicações aos ministérios, onde indivíduos que representam a antítese do que deveriam defender e cuidar, promovem a destruição sistemática de políticas públicas construídas ao longo de décadas, até a postura irresponsável e imatura diante de uma crise global que já matou mais de 10 mil pessoas.

Diante disso, um clamor nítido pelo FORA BOLSONARO que começou tímido, tem ganhado força, de modo que, até mesmo quem inicialmente vacilava sobre esse ponto, o abraçou.

Com o surgimento de condições objetivas para um pedido de impeachment, os jogos não demoraram a começar.

O Deputado Leandro Grass (REDE-DF) iniciou a temporada protocolando o primeiro pedido, no dia 17, sendo duramente atacado por isso. No dia seguinte, um grupo de deputados do PSOL, resolveu marcar posição, protocolando outro pedido. Na sequência, o Deputado Alexandre Frota (PSDB-SP), deu entrada em mais um pedido.

É possível que tantos outros pedidos cheguem, não esqueçamos que Dilma teve 63 e Temer 30, com a diferença de que a primeira foi impedida, o segundo, não. Embora ambos contassem com altos índices de rejeição.

Dilma caiu principalmente pela timidez ao aplicar a agenda neoliberal, Temer permaneceu justamente pela falta de pudor ou constrangimento ao fazê-lo.

Esses dois exemplos, servem muito bem para ilustrar, que as condições objetivas por mais dadas ou inexistentes que sejam, estão sujeitas a outros fatores e atores sociais e políticos, e no fim, essas questões é que são determinantes.

Um pedido de impeachment pode ter uma finalidade puramente retórica, ao sinalizar radicalidade para um conjunto de pessoas, mesmo que essa radicalidade não leve a lugar algum, já que a decisão sobre o prosseguimento do pedido não cabe a quem pede.

Rodrigo Maia é a pessoa que decide, caso aceite algum dos pedidos, uma comissão especial é criada para analisar o pedido, e após um longo rito, pode ser manifestar favoravelmente ou contra.

Caso siga adiante, tem que passar por 513 deputados, numa Câmara onde a oposição soma 157 cadeiras, precisando de 342 votos, mais que o dobro da oposição.

Se por algum milagre o pedido for aprovado na Câmara, o processo seguiria para o Senado, precisando passar por uma comissão que deve apresentar um parecer pela admissibilidade ou não do processo, em seguida, o parecer precisa ser aprovado em plenário, a partir daqui, Bolsonaro seria afastado, e assumiria Mourão. No Senado, a oposição tem 20 cadeiras num universo de 81, precisando de 54 votos para derrubar Bolsonaro.

Concluído o processo, Mourão assumiria de forma definitiva, com a sua postura inegavelmente mais comedida que a de Bolsonaro, acalmaria os ânimos do deus mercado, melhoraria a sua relação com a grande mídia e consequentemente com o Congresso e o STF, tendo total tranquilidade para seguir com a agenda econômica neoliberal de desmantelo do Estado.

Ou simplesmente, nada disso aconteceria, e o Rodrigo Maia começaria a colecionar pedidos de impeachment, guardando-os numa gaveta aberta e de fácil alcance, se fortalecendo politicamente a cada pedido protocolado, já que teria o poder de causar um inferno na vida de Bolsonaro, podendo usar esse poder para contê-lo em sua guerra contra os outros poderes, num estado de ameaça e chantagem constante até o fim do governo.

Há ainda algumas particularidades:

Se Bolsonaro cair antes de dois anos, Mourão assume.

Se cair depois, Mourão assume.

Se os dois caírem antes de dois anos, eleições diretas em 90 dias. 

Se caírem depois, eleição indireta feita pelo Congresso.

Desse modo, me pergunto sinceramente se os meus companheiros de partido, em algum momento pararam para discutir os possíveis desdobramentos de um pedido de impeachment, ou se só estavam interessados em surfar na onda que começa a surgir.

Será que vale mesmo a pena, passar por cima da Executiva do partido, criando um cenário belicoso interno, que demonstra para fora a falta de coesão partidária, atropelando o debate interno, para se promover em cima de um pedido que pode não dar em nada, e que não temos nenhum controle sobre os desdobramentos?

Como resposta, a Executiva lançou uma nota tímida no tom, mas correta no propósito, deixando claro que a iniciativa foi autônoma, do outro lado, se enfatizou os nomes de figuras públicas e celebridades que assinaram o pedido, bem como a coleta virtual de assinaturas, que já ultrapassa 200 mil adesões, proporcionando a ilusão de que oba oba virtual é uma ferramenta eficaz de mudança do mundo real. 

Em 2013 uma petição online chegou a somar 1,6 milhão de assinaturas contra Renan Calheiros como Presidente do Senado, que não só continuou confortavelmente no posto, como ainda fez piada dizendo que na sua juventude teria se somado aos signatários.

Na sexta, a Executiva lançou a nota “Salvar Vidas e reconstruir o Brasil: Fora Bolsonaro!”, onde em 10 pontos aborda de forma geral nossos problemas os conectando ao Governo Bolsonaro como causa, apontando uma fissura no discurso neoliberal de demolição do Estado, que possibilita o fortalecimento do debate no sentido contrário, indicando que, a derrubada de Bolsonaro é um caminho a ser construído e percorrido, onde não cabem atalhos oportunistas.

Derrubar Bolsonaro, sem derrubar a agenda que ele representa, é uma vitória simbólica que seguramente seria comemorada por todos, mas que seria vazia no campo prático, já que outro continuaria o seu projeto nefasto.

Atacar a agenda política e econômica, mudando o rumo de destruição das políticas públicas, fortalecendo a atuação do Estado em defesa da população, aumentando os investimentos em serviços públicos e derrubando o Teto de Gastos, enfraqueceria o governo e os seus planos, tendo o potencial de ser positivamente produtivo no campo prático.

Em artigo publicado no El País, Vladmir Safatle aponta o impeachment como única saída, exalta os heróicos parlamentares que peitaram a Executiva, cutuca essa mesma Executiva, indicando que não importa quem assumir, pois o ‘valor civilizatório’, da medida seria o seu maior mérito, relativizando os argumentos em defesa do fortalecimento do Estado e medidas que golpeariam fortemente a agenda neoliberal, pelo visto, está mais preocupado com o simbolismo do ato heróico, não com os desdobramentos dele.

Nessa perspectiva, Bolsonaro cai, outro assume, não importando quem seja, e o projeto neoliberal segue firme e forte.

Bolsonaro é inegavelmente um inimigo, mas é um ventríloquo movido por cordas que seguirão movendo no mesmo sentido o outro ventríloquo que assumir o seu lugar no palco. Cortemos as cordas, que o ventríloquo perde seus movimentos e inevitavelmente cai.

Não há efeito sem causa, e parece que uma parte de nós estamos ignorando isso. Se não atacarmos as causas, seguiremos sofrendo seus efeitos, o rosto que causa o nosso sofrimento, é parte do efeito, mas não é a causa.

Há que se reconhecer que o nosso partido tem sérios problemas de democracia interna, transparência e dinâmica de resposta imediata para uma conjuntura que muda a cada semana, mas a resposta para o que tanto criticamos deveria ser o oposto do que estamos criticando, criticar a falta de democracia com ações não democráticas e a falta de debate com atropelo de debate, é buscar a cura na doença.

Lutemos para que o nosso partido, no espaço de micro poder que ocupa, seja uma amostra da sociedade com a qual sonhamos no macro, se queremos democracia e diálogo como fim, que as pratiquemos como meio.

E tomemos bastante cuidado, para não nos convertermos numa legenda refém de parlamentares embriagados no próprio ego e celebridades que simpatizam com partido de longe, sem o construir cotidianamente.

Fora Bolsonaro sim! Mas sem atropelar o partido.

Juan Ricthelly
Advogado e Doutorando em Direito pela Universidade Nacional de Mar del Plata (UNMDP)