Quinta, 4 de fevereiro de 2016
Por Rogéria Araújo *
Ao longo de muitos anos, a dívida pública brasileira, interna e
externa, vem se acumulando e multiplicando. O pagamento dos juros, que
se tornam outras dívidas, influenciam diretamente na economia do país.
Quem paga essa conta? A população brasileira, e de várias maneiras. Há
toda uma trama de interesses envolvendo o processo de endividamento do
Estado. A saber: A dívida interna está estimada em quase 4 trilhões de
reais e a dívida externa em 546 bilhões de dólares.
Mas o quê, afinal, devemos, quanto devemos, a quem pagamos, quem
realmente ganha com esse endividamento?. Questionamentos como estes
poderiam – e podem – ser respondidos com uma Auditoria da Dívida Pública
com participação social. O ponto estava incluído no Plano Plurianual
2016-2019, mas foi vetado pela presidenta Dilma Rousseff, divulgado no
Diário Oficial no dia 14 de janeiro.
Com isso, iniciou-se uma intensa campanha pela derrubada do veto. A
campanha “Derruba o Veto” tem por objetivo conseguir o voto de 257
deputados e 41 senadores. Conheça e participe da iniciativa em
www.auditoriacidada.org.br/derrubaoveto
A rede Jubileu Sul Brasil conversou com Maria Lucia Fattorelli,
coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida, que falou sobre a
importância desta campanha que está em marcha e sobre as consequências
nocivas que este endividamento traz para a população brasileira.
“Sequer sabemos para quem pagamos a dívida, pois os nomes dos
rentistas detentores dos títulos é ‘informação sigilosa’. A auditoria se
fundamenta em dados e documentos oficiais e deveria ser rotina. Aliás, a
sociedade está exigindo isso da classe política. O que pode justificar
não fazer uma auditoria das nossas contas? Faríamos isso na nossa casa e
em qualquer empresa que quiséssemos que desse bons frutos”, afirma
nesta entrevista.
A rede disponibiliza aqui a lista de deputados e senadores para que se enviem mensagens pedindo o veto:
e
Conheça, também, a campanha da rede JSB pela auditoria da dívida em:
Confira a entrevista.
Jubileu Sul Brasil– Como surgiu a ideia da Campanha “Derruba o Veto” e como ela vem se realizando no país?

Estamos realizando a campanha pela internet, com apoio de
parlamentares e artistas, e por meio dos nossos núcleos em diversos
locais do Brasil. O objetivo é pressionar os parlamentares, dando-lhes
informação sobre a necessidade dessa auditoria da dívida e pedindo o seu
voto pela derrubada do veto.
Criamos uma página que indica 10 motivos para justificar a realização da
auditoria da dívida e convoca para a assinatura de uma petição
(eletrônica) pela derrubada do veto. A página informa também todos os
contatos dos parlamentares, para que as pessoas enviem cartas
diretamente a cada um, pedindo que votem pela derrubada do veto.
Em fevereiro, quando o Congresso Nacional volta a funcionar, iremos
visitar gabinetes e entregar cartas pessoalmente aos parlamentares,
pedindo que votem pela derrubada do veto.
Todas as pessoas estão convidadas a participar dessa campanha, por isso pedimos que acessem a página (www.auditoriacidada.org.br/derrubaoveto) e participem.
Jubileu Sul Brasil – Em todo nosso atual contexto, o que
significa para o povo brasileiro uma auditoria da dívida? Que
consequências teríamos desta iniciativa?
Maria Lucia Fattorelli – Auditar a dívida pública brasileira significa trazer transparência para o maior gasto público do país.
Todo ano, o pagamento de juros e amortizações da dívida consome quase
a metade do orçamento federal. A dívida afeta também os orçamentos dos
estados e diversos municípios. E quem paga essa conta somos todos nós
brasileiros e brasileiras, embora não se saiba que dívida é essa, como
ela surgiu, quem se beneficiou, onde foram aplicados os recursos, quanto
efetivamente recebemos e quanto é referente a mecanismos financeiros
que geram dívida sem contrapartida alguma ao País (ver o artigo “O Banco
Central está suicidando o Brasil”).
Sequer sabemos para quem pagamos a dívida, pois os nomes dos
rentistas detentores dos títulos é “informação sigilosa”. A auditoria se
fundamenta em dados e documentos oficiais e deveria ser rotina. Aliás, a
sociedade está exigindo isso da classe política. O que pode justificar
não fazer uma auditoria das nossas contas? Faríamos isso na nossa casa e
em qualquer empresa que quiséssemos que desse bons frutos.
A realização da auditoria trará consequências extremamente benéficas
para o país. O Equador, por exemplo, após auditar sua dívida, conseguiu
reduzir o seu gasto com dívida externa em 70%, triplicando os
investimentos sociais como em educação e saúde.
Jubileu Sul Brasil – Em 28 anos, tivemos aprovada uma
auditoria da dívida. Podemos considerar, em parte, um avanço no
Congresso? O que significa politicamente esta aprovação?
Maria Lucia Fattorelli – De fato, a auditoria está
prevista na Constituição de 1988 e até hoje ainda não foi realizada. Sem
dúvida, o fato de o Congresso Nacional ter incluído no PPA 2016-2019 o
dispositivo que indica a realização da auditoria com participação de
entidades da sociedade civil deve ser considerado um avanço, fruto da
mobilização social e do empoderamento de muitas pessoas em relação ao
tema da dívida.
Mas é preciso avançar muito mais. É preciso popularizar o
conhecimento do que denominamos Sistema da Dívida, isto é, a utilização
do endividamento público às avessas, continuamente transferindo recursos
públicos para o setor financeiro privado nacional e internacional. O
escandaloso lucro dos bancos, ao mesmo tempo em que toda a economia está
em queda (desindustrialização, queda no comércio, desemprego e até
encolhimento do PIB) evidencia essa transferência de recursos.
A dívida é o nó que amarra o Brasil e tem sido a principal
responsável pelo cenário de escassez em que vivemos, incompatível com a
nossa realidade de abundância. Por isso exigimos completa auditoria, com
participação cidadã, e estamos empenhados na derrubada do veto.
Jubileu Sul Brasil – Austeridade, política de
ajustes fiscais…como isto se relaciona com a dívida e que impactos traz
para os serviços básicos e constitucionais dos/as brasileiros/as?
Maria Lucia Fattorelli – As obrigações da dívida têm sido consideradas prioridade do governo brasileiro há décadas.
A política de “ajuste fiscal” ou “austeridade” se encaixa
perfeitamente ao funcionamento do Sistema da Dívida, que funciona como
uma subtração de recursos nacionais principalmente para mãos de bancos e
outras instituições financeiras.
O ajuste fiscal é obtido mediante o corte de gastos e investimentos
públicos (em infraestrutura, educação, saúde e segurança etc.); corte de
direitos sociais (como a recém anunciada reforma da Previdência e
retirada de direitos trabalhistas), privatizações de patrimônio público,
além de aumento de tributos que recaem sobre os trabalhadores e os mais
pobres.
Assim, toda a política econômica fica orientada para essas medidas
que visam gerar uma sobra de recursos – o superávit primário – que se
destina ao pagamento de juros da dívida pública brasileira.
Isso afeta diretamente a vida de cada brasileiro e brasileira, além de amarrar o funcionamento do País.
O verdadeiro ajuste deveria ser feito no pagamento dos juros mais
elevados do mundo, pagos sobre uma dívida repleta de ilegalidades,
ilegitimidades e até suspeitas de fraudes. Por isso é tão importante
lutar pela auditoria dessa dívida e mudar o rumo da política econômica
para garantir vida digna para todas as pessoas.
Jubileu Sul Brasil – O gasto com a dívida – interna e externa
– correspondente a 1 de janeiro a 1 de dezembro estaria estimado em
mais de 958 bilhões de reais, o equivalente a 46% do gasto federal. Quem
são os que ganham com esses juros? Como, na prática, a auditoria
poderia rever esses números?
Maria Lucia Fattorelli – A dívida interna atinge R$ 3,7 trilhões e a dívida externa US$ 546 bilhões.
O valor de R$ 958 bilhões corresponde ao que a dívida consumiu do dia 1º de janeiro até o dia 1º de dezembro de 2015. O gasto com a dívida é escandaloso, porque as taxas de juros praticadas no Brasil são as mais elevadas do mundo.
Quem ganha com isso são os detentores dos títulos da dívida, donos
desse grande capital, cujos nomes desconhecemos, porque o Tesouro
Nacional informa somente o setor econômico de quem detém os títulos,
isto é bancos nacionais e estrangeiros (cerca de 50%), fundos de pensão e
de investimento (30%), investidores estrangeiros (12%) e os outros 8%
seguradoras, FGTS, FAT, fundos administrados pelo governo e aplicadores
nacionais.
A auditoria é a ferramenta que permite conhecer e documentar a real
natureza da chamada dívida pública. Os resultados da auditoria são
expressos em relatório que serve de instrumento para ações concretas em
todos os campos: popular e social, parlamentar, jurídico, entre outros
da esfera política. Assim, é muito importante a realização da auditoria,
não só para conhecer o processo de endividamento, mas também para
fundamentar as ações que devem ser tomadas em relação à dívida.
A CPI da Dívida Pública realizada na Câmara dos Deputados (2009/2010)
denunciou uma série de ilegalidades e ilegitimidades no processo de
endividamento brasileiro, tanto interno como externo, em âmbito federal,
estadual e até municipal. Assim, a CPI reforçou ainda mais a
necessidade de realização de completa auditoria da dívida. Os graves
elementos evidenciados pela CPI fazem parte de relatórios entregues ao
Ministério Público Federal desde 2010.
Segundo a própria Constituição Federal (art. 167) o endividamento
público é um instrumento que deve ser utilizado com destinação direta a
investimentos no país. Ou seja, é ilegal assumir novas dívidas com
credores internos e externos para pagar juros de dívidas anteriores e
outras despesas correntes. Contudo, a partir de estudos realizados pela
Auditoria Cidadã da Dívida e de investigações feitas pela CPI da Dívida,
constatamos que é justamente o que vem ocorrendo com a dívida
brasileira desde a década de 1970.
Dentre as ilegalidades e ilegitimidades denunciadas pela CPI podemos resumir as seguintes:
* Histórica aplicação de “Juros sobre Juros” (Anatocismo), considerado ilegal segundo o Supremo Tribunal Federal;
* Elevação unilateral dos juros flutuantes na dívida externa, procedimento ilegal, segundo a Convenção de Viena;
*Estatização de dívidas privadas; Ausência de contratos e documentos;
ausência de conciliação de cifras nas sucessivas renegociações da
dívida externa;
*Cláusulas ilegítimas nos contratos de endividamento externo;
* Indício de prescrição da dívida externa que foi transformada nos título “Brady” no início dos anos 90;
* Introdução de Cláusula de Ação Coletiva sem a aprovação no Congresso Nacional;
* Resgate antecipado de títulos da dívida externa com pagamento de ágio que chegou a 70% do valor nominal;
* Ilegalidades no descontrole do fluxo de capitais, que foi uma das principais causas da origem da dívida interna nos anos 90;
* Artifícios estatísticos e contábeis na demonstração do estoque das dívidas interna e externa;
* Ausência de informação sobre o valor dos juros nominais que estão sendo efetivamente pagos sobre a dívida bruta;
* Contratação de nova dívida para pagar grande parte dos juros nominais, o que fere o artigo 167 da Constituição Federal;
* Conflito de interesses na determinação da Taxa de Juros Selic,
tendo em vista que o BC convida predominantemente o próprio setor
financeiro para definir as previsões de inflação;
* Juros e outras variáveis, que depois são consideradas pelos membros do COPOM na definição da Selic;
* Violação dos direitos humanos e sociais devido à exagerada
destinação de recursos orçamentários para o pagamento do serviço da
dívida.
É por tudo isso que precisamos realizar a auditoria. A partir de
auditorias na dívida pública podemos fazer com que recursos absorvidos
por esse “Sistema da Dívida” sejam revertidos em favor do nosso
desenvolvimento socioeconômico e à melhoria das condições de vida no
país.
* comunicadora da rede Jubileu Sul Brasil.