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(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

PEC 29/2011 propõe eleição para administradores regionais sem dar autonomia administrativa

Quarta, 22 de fevereiro de 2012
Por Chico Sant’Anna, publicado originalmente na Brasília 247

BRASÍLIA PRECISA ACHAR SUA IDENTIDADE. HOJE A MÁQUINA PÚBLICA ESTÁ TÃO INCHADA QUE NÃO CABE MAIS NO PALÁCIO DO BURITI E UMA NOVA SEDE DEVE SER ERGUIDA EM TAGUATINGA, PARA ABRIGAR GRANDE PARTE DOS 17 MIL COMISSIONADOS.
CUSTO ESTIMADO DO PROJETO: R$ 3 BILHÕES

O Senado Federal analisa a Proposta de emenda a constituição nº 29/2011 de autoria do senador Rodrigo Rollemberg. Ela altera a Constituição Federal para permitir que sejam eleitos administradores regionais e seus vices, no Distrito Federal. Como todos sabem, a Constituição proíbe a divisão do Distrito Federal em municípios e, como acontecem nas grandes cidades, onde existem subprefeituras ou administrações regionais, esses servidores são indicados pelo titular do governo.

Aqui em Brasília, não só os administradores regionais são indicados bionicamente – alguns até nem eram moradores na Capital Federal -, como também são alvo do loteamento e da cobiça partidárias. Na proposta de Rollemberg, os administradores e seus vices seriam eleitos pelo voto direto na mesma época da eleição do governador do Distrito Federal e não, como acontecem com prefeitos e vereadores, por ocasião das eleições municipais.

A PEC fixa em 75% do salário de um deputado distrital o valor da remuneração dos administradores regionais. Até o ano passado, um deputado ganhava R$ 20.025,00 – sem contar verbas indenizatórias, auxílio transporte, correios etc. Cada administrador eleito ganharia então R$ 15.018,00 – com o vice: R$ 30.036,00. O salário não seria muito diferente do que já é pago atualmente a um administrador regional. Mas as despesas aumentariam.

Partindo-se da divisão administrativa atual do DF, que conta com 22 administrações regionais – já contando com a da Estrutural -, seriam eleitos 44 novas autoridades distritais. Desta forma, a proposta de Rollemberg representa, de cara, um aumento no custo destas administrações em R$ 4,3 milhões anuais só em salários, pois atualmente não existem vice-administradores. Isso, sem considerar os encargos sociais dos nomeados e a possibilidade de que os eleitos venham a pleitear o 14º e 15º salários que percebem nossos diletos parlamentares distritais.

Por de trás destes novos, chamemos assim, prefeitos regionais, certamente virão novas instalações, novas sedes para as prefeituras regionais, novos gabinetes, carros oficiais e, é claro, uma entourage de asseclas, pagos, é claro, pelo contribuinte.


Na visão do ex-administrador do Cruzeiro, Salin Sidharta, a idéia de se fazer eleição direta para administradores é uma “aberração”. Ele lembra que atualmente, na ausência do administrador o cargo é normalmente desempenhado pelo chefe de gabinete das administrações regionais, sem impactar em ônus orçamentário.

Certamente, a análise que subsidiou o autor da lei é que é melhor o povo escolher alguém com quem se identifique do que deixar para os conchavos de bastidores e costuras políticas, nem sempre muito éticas, a escolha de quem administra cada cidade satélite.

Mas não basta eleger um prefeito regional para resolver os problemas de cada regional. Sem um orçamento próprio, um corpo de servidores permanentes, nada poderá ser feito. Ficará sempre à mercê do Buriti. Salin Sidharta cita seu caso próprio: à frente da administração do Cruzeiro, contava com pouco mais de R$ 150 mil para obras e quantia semelhante proveniente de emendas parlamentares para outras atividades. “Não dava nem pra fazer a operação tapa buraco ao longo do ano. Sempre dependíamos da secretária de Obras” – diz ele.

E se o administrador não rezar na mesma cartilha do governador, dificilmente contará com os recursos necessários para tocar a sua administração.

Outro problema é a falta de recursos humanos nestas regionais. Recente levantamento do blog Política DF em números mostrou que é majoritária a presença de comissionados – na maioria militantes políticos e cabos eleitorais – tocando a máquina administrativa destas administrações regionais. Falta profissionalismo e sobra desvio de finalidades funcionais. Não são raras as denuncias de que comissionados priorizam as ações partidárias em detrimento de suas funções públicas.

E há de se perguntar: se, por exemplo, em Taguatinga for eleito um administrador, digamos, do PSOL e o GDF estiver nas mãos do Democratas, quem irá nomear os cargos infra-administrador? O governador, que tem a folha de pagamento em suas mãos, ou o administrador regional, que só conta com apoio das urnas?

Como ficam os serviços de saúde, educação e transporte público? Sabemos que nos municípios, quem cuida do ensino fundamental, das ações básicas de saúde e legisla sobre transporte público é a municipalidade. No DF será a administração regional? Se o administrador regional não tiver seu próprio orçamento, sua autonomia, sua máquina administrativa, ele será apenas um fantoche.

Além disso, ficam algumas dúvidas no ar: o povo elege e o governador fica sem poder de exonerar o mau administrador? Impeachment só na Câmara Legislativa? Haverá algum conselho distrital como as câmaras municipais de vereadores? Com que poderes? O Tribunal de Contas do DF terá competência sobre o administrador eleito por sufrágio universal? Nenhum desses quesitos é tratado pelo PEC 29.

Outra armadilha prevista na PEC 29 é a previsão de que uma lei distrital irá definir quantas e quais serão as administrações regionais do Distrito Federal. Embora a Lei Orgânica do DF já preveja esta possibilidade, o risco que se corre é que cada recanto do DF, a exemplo do que ocorre em muitos municípios brasileiros, deseje se declarar autônomo.

Nem sempre a divisão territorial é benéfica às comunidades. Tomemos, por exemplo, as regionais do Núcleo Bandeirante e do ParkWay, até bem recentemente, inserido na antiga Cidade Livre.

Com base no orçamento deste ano e pelos cálculos do blog Política DF em números, os 26 mil habitantes do Núcleo Bandeirantes irão contar com um orçamento regional de R$ 12.489.896,00, o que representa um per capita de R$ 478,74. Já os 23 mil moradores do Park Way terão que dividir R$ 4.702.800,00, o que dá um rateio individual de R$ 204,47, ou seja, R$ 274,27 a menos. Se não tivessem decidido cortar o cordão umbilical da administração mãe, as duas localidades poderiam estar compartilhando um orçamento de R$ 17.192.696,00 – R$ 350,87 per capita. Grande parte desses valores são gastos com a própria manutenção da máquina pública, sem trazer melhorias urbanas aos moradores. Do mesmo jeito que Sudoeste e Octogonal já se separaram do Cruzeiro, nada impede que o Octognal promova o seu 7 de setembro, ou que o Guará I se divorcie do II.

Brasília precisa achar sua identidade. Hoje a máquina pública está tão inchada que não cabe mais no complexo do Palácio do Buriti e uma nova sede deve ser erguida perto do Serejão, em Taguatinga, para abrigar grande parte dos 17 mil comissionados. Custo estimado do projeto: R$ 3 bilhões, equivalente a três reformas faraônicas do Estádio Mané Garrincha.

Sairia muito mais barato se competências administrativas fossem transferidas para as regionais. Governos passados implantaram programas de governos itinerantes e demonstraram que descentralizar a máquina pública é melhor do que levar o Buriti pro Serejão ou pro Buritinga, como fez José Roberto Arruda.

O DF já experimentou no governo Cristovam Buarque a descentralização no campo da Saúde e da Educação. Os diretores regionais da extinta Fundação Hospitalar atuavam como uma espécie de secretários de Saúde distritais. A normatização era centralizada na secretaria de Saúde, mas a execução e fiscalização eram descentralizadas. Hoje, tudo voltou ao Buriti.

Até problemas como os de trânsito seriam minorados com o fortalecimento de recursos humanos, materiais, orçamento nas administrações regionais. Pois, assim, nem tudo se resolveria no Plano Piloto e os moradores poderiam resolver seus problemas e apresentar suas demandas mais perto de suas casas. Também os empregos públicos seriam descentralizados. Já imaginou a via crucis de um morador de Planaltina que tiver que resolver uma pendência no GDF instalado em Taguatinga Norte?

Os moradores de Brasília precisam parar para pensar e ver que PECs como esta de Rollemberg e como a de nº 422/09, apresentada pelo ex-deputado e hoje vice-governador Tadeu Filipelli, propondo a incorporação de seis municípios goianos (Novo Gama, Valparaíso, Cidade Ocidental, Águas Lindas, Santo Antônio do Descoberto e Planaltina de Goiás, todos situados na área do Entorno do DF) ao território do DF, são, como disse Sidartha, aberrações e estas aberrações movidas por ambições politiqueiras só trazem dificuldades e mais despesas para o contribuinte candango. Chega de improviso.