Quinta,
10 de janeiro de 2013
Por
Ivan de Carvalho
Ontem, véspera do dia em que o
ditador-presidente Hugo Chávez, se sua saúde lhe permitisse, tomaria posse para
mais um mandato como presidente da Venezuela, o chavismo (também chamado pelos
mais entusiasmados de revolução bolivariana) consumou um golpe de estado, que
alguns estão chamando, aliás, com propriedade e ironia, de autogolpe.
Não vou ficar discutindo ou explicando os artigos da Constituição venezuelana moldada pelo próprio Hugo Chávez, pois eles têm sido examinados à saciedade pela mídia. E são muito claros. Resumindo, o artigo 231, que é o fundamental dos dois envolvidos, determina com extrema clareza que o presidente eleito tem que fazer seu juramento constitucional e, assim, tomar posse, no dia 10 de janeiro perante a Assembléia Nacional ou, se por qualquer motivo isto não puder acontecer, deverá fazê-lo perante o Tribunal Supremo de Justiça.
Fica bem claro. A data não pode mudar. Apresenta-se alternativa apenas para a instituição ante a qual se dará o juramento e posse. Isso foi posto por uma precaução de Hugo Chávez, pois, afinal, tendo ele se reservado na Constituição o direito de concorrer a reeleições em número ilimitado, eventualmente poderia defrontar-se com uma situação em que a oposição controlasse a Assembléia Nacional e criasse problema. Então, bastaria dirigir-se ao Tribunal Supremo de Justiça (no mesmo dia) para tomar posse. Assinale-se que o tribunal, atualmente, é, à unanimidade, controlado pelo chavismo.
As aparências podem enganar, mas, a julgar por todas elas, Hugo Chávez, preso a um hospital em Cuba, onde os aparelhos lhe mantêm a vida, não voltará a exercer o cargo de presidente da Venezuela. E, de qualquer sorte, para ser cumprida a Constituição, o presidente da Assembléia Nacional, Diosdado Cabello, teria de assumir provisoriamente o cargo de presidente da república e convocar eleições presidenciais a realizar-se no prazo de 30 dias. Dos vários componentes do golpe de estado, o essencial está em não fazer em 30 dias as eleições presidenciais previstas na Constituição para a circunstância.
Houvesse a convocação de eleição, a oposição, caso se unisse, teria como candidato Henrique Capriles (que, recentemente, perdeu para Chávez a última eleição presidencial). Depois disso, Capriles foi eleito governador de Miranda, politicamente um estado-chave. Mas é praticamente um consenso que, com Chávez à espera de um milagre, Capriles não venceria, mas um chavista.
Aí é que a porca torceu o rabo. Antes de fazer a última cirurgia no início de dezembro e sabendo dos grandes riscos dessa intervenção, Chávez indicou Nicolás Maduro, o seu vice-presidente, pedindo aos venezuelanos que o colocassem (por eleição, imaginou-se) como presidente. Mas o presidente da Assembléia Nacional, Diosdado Cabello, é um chavista que não se bica com Maduro. Cada um deles lidera uma vertente diferente do chavismo. Ai, o impasse: entregar a presidência interina a Cabello para governador durante a campanha e eleição de Maduro? Solução: um autogolpe.
Mais pela divisão interna do chavismo do que pela expectativa de Hugo Chávez voltar a ter condições de tomar posse e governar, “prorrogou-se” o mandato de Chávez, considerando “mero formalismo” – o que juridicamente é uma besteira – o juramento constitucional e a posse, sob o argumento de que Chávez foi “reeleito” e não “eleito”. Foi a “interpretação” dada pela Assembléia Nacional e confirmada pelo Tribunal Supremo de Justiça, ambos notoriamente alinhados com o chavismo.
Como já era esperado, considerados os esdrúxulos precedentes de Honduras e do Paraguai, o governo do Brasil – por intermédio do Assessor Especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais, o incrível Marco Aurélio Garcia – alinhou-se com o autogolpe chavista, a favor da ruptura constitucional.
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Este
artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta quinta.
Ivan de
Carvalho é jornalista baiano.