Sexta,
8 de março de 2013
Por
Ivan de Carvalho
1. A Constituição da Venezuela, feita
sob o regime de Hugo Chávez, estabelece que se o presidente eleito não chegar a
tomar posse (como, por exemplo, ocorreu no Brasil com Tancredo Neves), o
presidente da Assembléia Nacional assume a chefia do governo e convoca novas
eleições presidenciais, a se realizarem no prazo de 30 dias.
Quando Chávez, já reeleito, não pôde
assumir por causa do câncer, viajando para a quarta e última cirurgia em Cuba –
antes contactou Lula e sondou a possibilidade de tratar-se no Hospital
Sírio-Libanês, em São Paulo, mas foi inviável pelas exigências extremas de
sigilo, inclusive a reserva de todo um andar para Chávez e seu pessoal.
Ao seguir para a quarta cirurgia,
Chávez indicou ao povo como seu eventual sucessor o vice-presidente escolhido
por ele (não eleito), Nicolás Maduro. Ao chegar o dia da posse e não tendo
Chávez assumido, deveria ocupar interinamente a presidência, segundo a
Constituição diz em dispositivo expresso e absolutamente claro, o presidente da
Assembléia Nacional, o também chavista (de facção diferente da de Maduro) Diosdado Cabello.
Mas
como na Venezuela, além do Executivo e da Assembléia Nacional, também o Supremo
Tribunal de Justiça é chavista até a medula, fez o que Chávez queria – decidiu,
sem nenhuma base constitucional, que ele podia tomar posse outro dia qualquer
e, enquanto não o fizesse, como havia sido reeleito, caracterizava-se
“continuidade administrativa” de governo e Maduro, que era o vice antes,
continuava vice na “continuidade” e Chávez na presidência mesmo sem tomar posse,
o que acabou mesmo não acontecendo, ressalvada a estranhíssima hipótese de uma
posse tão secreta no Hospital Militar de Caracas que nem depois haja sido
anunciada. Algo fantasmagórico.
Agora,
morto Chávez, caberia obviamente voltar à Constituição e cumprir o que ela
manda. Empossar como presidente interino o presidente da Assembleia Nacional,
Diosdado Cabello, que convocaria as novas eleições e presidiria o país durante
o curto período eleitoral de 30 dias. Mas como Nicolás Maduro, por indicação de
Chávez (caudilho que por algum tempo pode ficar para a Venezuela como Perón
esteve para a Argentina), será o candidato do Partido Socialista Unido da
Venezuela a presidente do país, então mais convém que ele prossiga na
presidência, cargo em que terá mais pose, meios e visibilidade para reforçar
sua campanha eleitoral, já impulsionada pela comoção que a morte de Chávez
gerou.
2.
O presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, rejeitou pedido dos
advogados do réu e ex-ministro José Dirceu para ausentar-se do país a partir de
ontem e até, no máximo, 24 horas após o enterro de Hugo Chávez. Os passaportes
dos réus condenados no processo do Mensalão estão no STF a pedido do procurador
geral da República, Roberto Gurgel, para dificultar eventuais fugas antes do
início do cumprimento das penas.
Dirceu,
cuja alegação básica para pedir a autorização foi a de ser muito amigo de
Chávez, aproveitaria a chance para fugir? Aposto que não. A chance disso
acontecer seria, talvez, uma em mil. Ou em um milhão. Ou nenhuma. Mas o
presidente do STF e relator do Mensalão só poderia considerar, para atender ao
pedido de Dirceu, motivos humanitários, como doença grave ou morte de um
parente próximo no exterior. No caso de José Dirceu, havia uma relação próxima,
mas política, ainda que disso pudesse haver decorrido amizade.
Outro
complicador: se Barbosa abrisse a porta, ficaria na obrigação moral e
jurisprudencial de abri-la para quaisquer outros condenados no processo do
Mensalão que entrassem com pedidos fundamentados em razões equivalentes às
usadas pelos advogados de José Dirceu. E alguns deles poderiam não voltar.
- - - - - - - - - - - - - - -
Este artigo foi publicado originariamente na
Tribuna da Bahia desta sexta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.