Domingo, 24 de março de 2013
 Lisboa – Os frequentes protestos em Portugal contra as medidas de 
austeridade econômica (elevação de impostos e corte nas despesas 
públicas, incluindo gastos com seguridade, saúde e educação) estão 
mudando de tônica. É crescente, em manifestações de rua e também nas 
redes sociais, campanha para que o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho
 e integrantes do governo se demitam ou sejam demitidos.
Além de manifestantes, os partidos políticos de oposição formam o 
coro do “demitam-se”. Na noite de quinta-feira (21), a Executiva 
Nacional do Partido Socialista (PS) tomou a decisão de apresentar uma 
“moção de censura” contra o governo na Assembleia da República. A data 
de apresentação não foi marcada. Segundo a Constituição de Portugal, o 
Parlamento terá até 48 horas para iniciar a discussão e até mais três 
para debater e votar. O governo cai se a maioria absoluta votar pela 
moção – resultado difícil, já que os partidos no poder (Partido Social 
Democrata – PSD e Partido Popular – PP/CDS) têm juntos 132 das 230 
cadeiras da assembleia.
Passos Coelho fez questão de lembrar que os ajustes foram concebidos
 e assinados em 2011 pelo PS, quando estava no poder; e que a 
austeridade é efeito da falta de autonomia no orçamento do Estado 
português – o programa de ajustamento segue metas estabelecidas com a 
Troika, formada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Central 
Europeu (BCE) e pela Comunidade Europeia (CE).
A instabilidade política pode agravar o momento econômico de Portugal,
 que nas próximas semanas vai renegociar as parcelas de pagamento da 
dívida com a Troika e ainda deve apresentar aos credores um plano de 
redução de despesas. Em nota, ao fim da missão da Troika em Portugal no 
dia 15 março, o FMI já enfatizava a importância da “coesão social” 
durante o ajustamento econômico.
Na opinião do economista José Manuel Rolo, os credores de Portugal 
terão de rever no futuro prazos e valores das parcelas de empréstimos. 
“A dívida portuguesa vai ter de ser renegociada”. Na avaliação dele, “em
 dois ou três anos”, o país terá parte da dívida perdoada como ocorreu 
recentemente com a Grécia, por causa da falta de condições de pagamento 
agravadas pela recessão.
 Segundo ele, Portugal tem sofrido “com a atração pelo abismo” o que 
explica a população estar se manifestando diariamente inclusive 
utilizando símbolos da Revolução dos Cravos. “Isso é um indicador do 
mal-estar do povo”, disse, ao explicar porque as pessoas voltaram a 
cantar em passeatas nas ruas Grândola, Vila Morena, do compositor português Zeca Afonso (morto em 1987).
Como explica o livro do jornalista e cientista político brasileiro Walder de Góes (Revolução em Portugal;
 Editora UnB), a canção, que na letra diz “O povo é quem mais ordena”, 
foi usada como senha pelo Movimento das Forças Armadas (MFA) para 
iniciar a marcha que resultou no golpe de Estado de 25 de abril de 1974,
 que derrubou o regime do Estado Novo português. “A música é um símbolo 
sobre a nossa aspiração de igualdade. Cantar hoje é trazer esse sonho à 
realidade atual”, acrescenta António Lima Coelho, da Associação Nacional
 dos Sargentos, que na última quarta-feira (20) protestou na porta da 
residência oficial do primeiro-ministro.
Outras manifestações com os símbolos da revolução, agora contra a 
austeridade e a favor da demissão do governo, deverão continuar a 
ocorrer. “As pessoas reconhecem o que é simbólico”, explica Nuno Carlo 
de Almeida, porta-voz do movimento “Que se lixe a Troika”. O movimento 
prepara-se para recolher assinaturas para uma “moção de censura popular”
 (sem valor legal), além de organizar atividades diárias de protesto em 
Lisboa e outras cidades e organizar uma nova grande manifestação em 
junho, como a ocorrida em 2 de março.
 
 
 
