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(Millôr Fernandes)

sábado, 16 de março de 2013

O papa e seus sinais

Sábado, 16 de março de 2013
Por Ivan de Carvalho
“Francisco, Francisco, reconstrói a minha Igreja”. Este foi o chamado que, segundo a tradição, um jovem que viveu seus 44 anos de 1182 a 1226, filho de um rico comerciante de Assis, ouviu certo dia. Havia na localidade uma igrejinha em ruínas, então Giovanni de Pietro de Bernardone entendeu que de Jesus ouvira uma exortação para reconstruí-la. Deixou a namorada que amava, Clara – depois Santa Clara – e passou a pedir tijolos e outros materiais para reconstruir a pequena igreja, bem como alimentação.

Na missão que se determinou a cumprir, atraiu e juntou-se a gente simples, pobre, de outro status social que não o seu. Isto desagradou à orgulhosa família a que pertencia e lhe foi dado um ultimato – enquadrava-se às exigências do segmento social a que pertencia ou seria repudiado e deserdado.

Não pertencia mais. Pertencera. Tirou, no ato, a roupa que vestia, única coisa que ainda conservava de sua vivência anterior e retirou-se, totalmente determinado a realizar a humilde obra da qual, imaginava, seu Senhor lhe incumbira. Completou-a. Mas nesse meio tempo foi entendendo e acabou por alcançar o conhecimento exato de que apenas se exercitava – a Igreja que devia reconstruir era a outra, a Igreja Católica. Voltou-se para uma vida religiosa de completa pobreza, fundou a ordem mendicante dos Frades Menores, mais conhecidos como franciscanos, à semelhança dele, que se tornou conhecido como Francisco de Assis. Induziu uma profunda reforma no cristianismo do seu tempo. Recebeu os estigmas de Cristo e foi canonizado apenas dois anos após sua morte. A ONU, mesmo não tendo parte com isso, o considerou oficialmente o “Homem do Milênio” – o segundo milênio, claro.

O cardeal Jorge Mario Bergoglio não é da ordem dos Frades Menores, mas, embora da Companhia de Jesus, parece ser, de certa forma, também franciscano. Está emitindo sinais disso desde que, como Jorge Mario Bergoglio, cardeal arcebispo de Buenos Aires, preferia sistematicamente o transporte público, especialmente o metrô, ao automóvel com motorista, pedia às freiras da arquidiocese que fossem às ruas evangelizar e coisas assim. Pediu aos bispos e fiéis argentinos que não vão à solenidade de sua entronização no papado. Que dêem o dinheiro da viagem aos pobres.

Mais: apoiou o governo de Cristina Kirchner quando a presidente se opôs ao aborto e fez decidida oposição em relação ao casamento homossexual e outros pontos. Suas posições são claras, firmes, decididas como às daquele Francisco cujo nome adotou. O papa Francisco provavelmente aprendeu na Bíblia: “Porque não és frio, nem és quente, mas és morno, te vomitarei da minha boca”. Lavou e beijou os pés de um grupo de portadores de Aids, numa imitação de serviço e humildade de Jesus, que lavou e enxugou e beijou os pés dos apóstolos, e de Francisco, que cuidava de leprosos e os banhava, além de ter a coragem de beijá-los.

Na igreja romana em que celebrara, fora do Vaticano, uma missa pelo conclave que o elegeria papa, ao cardeal Bergoglio lhe foi perguntado pelo clérigo acompanhante como iriam para uma das reuniões preparatórias no Vaticano. “Como como vamos? Caminhando!” E ante o espanto do acompanhante, comentou: “Não se preocupe, em Roma você pode por uma banana na cabeça e ninguém vai dizer nada”.

Eleito papa, apresentou-se aos fiéis da sacada da Basílica de São Pedro com um pedido inesperado, embora absolutamente sensato e indicador de simplicidade. Pediu que os fiéis apinhados na Praça de São Pedro orassem por ele e curvou-se com humildade para receber a benção de seu rebanho, que somente depois, com o reforço recebido, abençoou. Belo gesto.

E, também já como papa, fez questão de ir ao hotel onde estivera hospedado em Roma à espera do conclave e acertar as contas. Pode parecer a alguns uma jogada de marketing, mas tendo em vista os antecedentes, eu diria que não é isto – e sim um sinal de que haverá continuidade na maneira de ser do cardeal jesuíta que virou papa Francisco. O que não é garantia de que o novo papa dará surgimento, em consequência disso, a uma igreja reformada. Pode não haver tempo – e um reformador muito maior se apresentar. Quem funda tem tudo para reformar.
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Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia deste sábado.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.