Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

terça-feira, 19 de março de 2013

Outra vez, o papa

Terça, 19 de março de 2013
Por Ivan de Carvalho
Miserando atque eligendo – com misericórdia o chamou – está, por decisão de Francisco, no brasão do novo papa. E refere-se, óbvio, ao chamado do Alto a ele para o posto que assumiu. A misericórdia também está explicitada numa exortação por ele feita após sua eleição para sucessor de Bento XVI – e de Pedro. “Misericórdia... esta palavra muda tudo. É o melhor que nós podemos sentir. Muda o mundo. Um pouco de misericórdia faz o mundo menos frio e mais justo”, disse.

         Há quem diga – ainda que eu não necessariamente concorde – que um homem está realizado se tem um filho, planta uma árvore e escreve um livro. Tenho filhos, já plantei pé de milho em festa escolar e arranquei beldroega no quintal lá de casa em Itiúba (ah, como são limitadores os apartamentos).

Mas, embora escreva um artigo quase todos os dias (o problema é sempre a qualidade), nunca escrevi um livro. Nem me sinto entusiasmado com a idéia – talvez, entre outras razões, pela qualidade de outros livros que andei tentando ler e não consegui e desconfiado que algo semelhante possa acontecer com um do qual venha a ser autor.

Assim, quem não tem livro caça com artigo. É o que faço agora, pinçando algumas atitudes e atos do papa Francisco, encontrados dispersos no noticiário. Ele que, hoje, do papamóvel saúda os fiéis na Praça de São Pedro, antes de celebrar a primeira missa oficial do seu pontificado, com a presidente Dilma Rousseff na fila do gargarejo.

         Tenho certeza de que as companhias áreas estão furiosas com o papa. Depois que ele foi eleito para este posto, espalhou-se o rumor fundamentado de que, quando ainda cardeal de Buenos Aires, nas suas viagens aéreas preferia a classe econômica ao invés da primeira classe ou da classe executiva. Pior foi quando, nomeado cardeal por João Paulo II em 2001, pediu a centenas de argentinos que se preparavam para ir a Roma celebrar que desistissem da viagem e doassem o dinheiro aos pobres. Agora, reincidiu. Papa, pediu a bispos e fiéis argentinos que arrumavam a bagagem para ir à missa de hoje em Roma que desfizessem as malas e, claro, dessem o dinheiro da viagem aos pobres.

         Pobres companhias de transporte aéreo de passageiros.
         Mas estas não são atitudes isoladas, pois em Buenos Aires usava o metrô e o sistema de ônibus, havendo notícia de que somente uma vez utilizou o carro com motorista da Arquidiocese e não havendo registro de que haja usado helicóptero para se deslocar em Buenos Aires. Em Roma, já vestido com sua roupa cardinalícia vermelha, seu porta-voz Guillermo Marco tomou um susto ao lhe perguntar como iriam do hotel para a Santa Sé: “Como como vamos? Caminhando.” E o então cardeal tranquilizou-o, com uma gargalhada: “Não se preocupe, em Roma você pode andar pelas ruas com uma banana na cabeça e ninguém vai dizer nada”.

         Já como papa, vem reiteradamente recusando deslocar-se na limusine papal. E foi usando um carro preto que foi celebrar uma missa numa igreja de Roma, em frente da qual foi assediado pelos fiéis, apertando mãos, beijando crianças e apontando o relógio de plástico para mostrar que estava na hora da missa. Depois dela, postou-se na porta da igreja e cumprimentou, uma a uma, todas as pessoas que saíam. Uma sugestão para todos os cardeais, bispos, monsenhores e padres?...

         Foi nesse mesmo carro preto que, transitando em Roma depois de eleito papa, pediu ao motorista que parasse e entrou no hotel em que estivera hospedado para acertar pessoalmente as contas. Mais: como recusou a limusine, recusou também, ao apresentar-se pela primeira vez como papa de uma janela da Basílica de São Pedro, a bela e luxuosa capa ornamentada de pele que Bento XVI usava em ocasiões muito especiais: “Não, monsenhor, você pode vesti-la. O carnaval acabou”. E em seguida inovou outra vez, pedindo aos fiéis na Praça de São Pedro que orassem por ele e o abençoassem antes que ele lhes desse a bênção. Também, ao ser quebrado o selo dos aposentos papais, olhou aquela vastidão e disparou: “Aqui cabem uma 300 pessoas. Não preciso de todo esse espaço.” Cardeal, residia em um apartamento modesto em Buenos Aires.

         Ontem, disse que “Deus não se cansa de nos perdoar. O problema é que nós nos cansamos de pedir perdão. Mas ele nunca se cansa de nos perdoar e nós nunca deveríamos nos cansar de pedir perdão”. Aí, entra o pastor.
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Este arquivo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta terça.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.