Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 21 de março de 2013

Recomendações policiais

Quinta, 21 de março
Por Ivan de Carvalho
A polícia baiana, talvez pela notória ausência de êxito no combate à criminalidade, está afastando-se de mansinho da função policial e especializando-se na de conselheira.


         Já no dia 12, como é do conhecimento geral, a Polícia Civil da Bahia retirou de seu site oficial um link que levava a conselhos e instruções para as pessoas agirem de forma menos arriscada em caso de assalto. Uma das instruções era a de que uma pessoa, ao deixar a relativa insegurança do interior das gaiolas que ocupam nos edifícios ou das grades de suas casas deve “carregar um pouco de dinheiro, mas poucos cartões”.


         O pouco de dinheiro era para satisfazer o ladrão. As pessoas eram, portanto, orientadas, estimuladas a levar com elas o dinheiro para os ladrões – logo apelidado pelo resistente humor popular, capaz de sobrepor-se aos maiores motivos para a indignação, de “Imposto Ladrão”.


Isto é realmente muito estranho, talvez configurando um caso típico de bitributação. De fato, pagamos imposto – e como é alta a carga tributária, até diria que como nunca antes neste país – para sustentar o aparelho policial e o Estado ainda nos impõe, sob a ameaça de mais grave risco de perder a vida que o habitual, outro imposto, aquele que é pago ao ladrão e que, segundo a filosofia estatal e o senso comum, já salvou muitas vidas. Mas falei em bitributação porque vejo como o mesmo o fato gerador dos dois impostos – a insegurança pública.


Descobriu-se que na terça-feira foi retirada do site oficial da Polícia Militar na Internet uma recomendação para melhorar a segurança ou minorar a insegurança de quem for sequestrado e jogado no porta-malas de um carro. Naturalmente que o porta-malas será fechado e travado pelos sequestradores, sendo inviável ao prisioneiro abri-lo por dentro sem o auxílio de um canhão ou uma bazuca, armas de guerra para as quais não creio que consiga licença possuí-las e muito menos levá-las em suas andanças pelas ruas.


A Polícia Militar, muito mais atilada, faz ou fazia recomendação muito mais sutil. O golpe de mestre do sequestrado é agir de modo a chamar a atenção de quem passa na rua – com o objetivo de ser resgatado, explica pacientemente a PM.


“Chute os faróis traseiros até que eles saiam para fora” – não sei como poderiam, por falta de sorte, talvez, sair para dentro. “Estique seu braço pelos buracos” – o sequestrado, parece, seria deficiente físico, perdão, portador de necessidade braçal especial, no popular, “joão sem um braço”, ou, no máximo, cotó. Pois teria que se desdobrar dentro do porta-malas para que estique seu braço pelos dois buracos deixados pela expulsão dos dois faróis traseiros – “e comece a gesticular feito um doido”.


Existem doidos que não gesticulam, especialmente se estiveram imobilizados com uma camisa de força. Mas admitimos que os sequestradores não disponham de uma e, confiantes, hajam examinado com certa desatenção, apenas de soslaio, sua vítima e, constatando a deficiência braçal especial, não hajam sido capaz de imaginar o muito que a indomável vítima seria capaz de fazer com o que dispunha. Talvez sequestradores que nunca hajam visto, mesmo pela televisão, uma paraolimpíada.


Bem, desde que afinal esteja o sequestrado esbracejando “feito um doido” pelos buracos, “o motorista não verá você, mas todo mundo verá. Isto já salvou muitas vidas”, indicava o site. Esta e outras informações foram retiradas da página da PM na internet nesta terça-feira e, diz a corporação, voltarão atualizadas.


“O motorista não verá você, mas todo mundo verá. Isto já salvou muitas vidas”, rejubila-se a PM e também eu me rejubilo. Preocupo-me apenas com certos detalhes. É que os baianos, principalmente aquela categoria que em outros tempos a imprensa chamava de “populares” – o “popular” estava ali, mais ou menos como certa vez descreveu Rui Espinheira Filho, absolutamente anônimo, junto a todo desastre, a todo crime, a todo desabamento, a todo acidente automobilístico, a toda rixa, mas não servia de nada – são um tanto dispersivos.


Sistematicamente, o popular se concentra tanto no circo, no espetáculo, que esquece de ligar para o 190 (às vezes, que maldade, até para não gastar crédito do celular, na esperança que outro popular o faça) e até de anotar a placa do carro. Aliás, a maioria dos “populares” não costuma carregar caneta e papel, ainda que alguns costumem “carregar um pouco de dinheiro” para satisfazer o ladrão.
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Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta quinta.

Ivan de Carvalho é jornalista baiano.