Quinta, 21 de março
Por Ivan de Carvalho

Já no
dia 12, como é do conhecimento geral, a Polícia Civil da Bahia retirou de seu
site oficial um link que levava a conselhos e instruções para as pessoas agirem
de forma menos arriscada em caso de assalto. Uma das instruções era a de que
uma pessoa, ao deixar a relativa insegurança do interior das gaiolas que ocupam
nos edifícios ou das grades de suas casas deve “carregar um pouco de dinheiro,
mas poucos cartões”.
O
pouco de dinheiro era para satisfazer o ladrão. As pessoas eram, portanto,
orientadas, estimuladas a levar com elas o dinheiro para os ladrões – logo
apelidado pelo resistente humor popular, capaz de sobrepor-se aos maiores
motivos para a indignação, de “Imposto Ladrão”.
Isto é realmente muito estranho, talvez
configurando um caso típico de bitributação. De fato, pagamos imposto – e como
é alta a carga tributária, até diria que como nunca antes neste país – para
sustentar o aparelho policial e o Estado ainda nos impõe, sob a ameaça de mais
grave risco de perder a vida que o habitual, outro imposto, aquele que é pago
ao ladrão e que, segundo a filosofia estatal e o senso comum, já salvou muitas
vidas. Mas falei em bitributação porque vejo como o mesmo o fato gerador dos
dois impostos – a insegurança pública.
Descobriu-se que na terça-feira foi retirada do
site oficial da Polícia Militar na Internet uma recomendação para melhorar a
segurança ou minorar a insegurança de quem for sequestrado e jogado no
porta-malas de um carro. Naturalmente que o porta-malas será fechado e travado
pelos sequestradores, sendo inviável ao prisioneiro abri-lo por dentro sem o
auxílio de um canhão ou uma bazuca, armas de guerra para as quais não creio que
consiga licença possuí-las e muito menos levá-las em suas andanças pelas ruas.
A Polícia Militar, muito mais atilada, faz ou fazia
recomendação muito mais sutil. O golpe de mestre do sequestrado é agir de modo
a chamar a atenção de quem passa na rua – com o objetivo de ser resgatado,
explica pacientemente a PM.
“Chute os faróis traseiros até que eles saiam para
fora” – não sei como poderiam, por falta de sorte, talvez, sair para dentro. “Estique
seu braço pelos buracos” – o sequestrado, parece, seria deficiente físico, perdão,
portador de necessidade braçal especial, no popular, “joão sem um braço”, ou,
no máximo, cotó. Pois teria que se desdobrar dentro do porta-malas para que
estique seu braço pelos dois buracos deixados pela expulsão dos dois faróis
traseiros – “e comece a gesticular feito um doido”.
Existem doidos que não gesticulam, especialmente se
estiveram imobilizados com uma camisa de força. Mas admitimos que os
sequestradores não disponham de uma e, confiantes, hajam examinado com certa
desatenção, apenas de soslaio, sua vítima e, constatando a deficiência braçal
especial, não hajam sido capaz de imaginar o muito que a indomável vítima seria
capaz de fazer com o que dispunha. Talvez sequestradores que nunca hajam visto,
mesmo pela televisão, uma paraolimpíada.
Bem, desde que afinal esteja o sequestrado
esbracejando “feito um doido” pelos buracos, “o motorista não verá você, mas
todo mundo verá. Isto já salvou muitas vidas”, indicava o site. Esta e outras
informações foram retiradas da página da PM na internet nesta terça-feira e,
diz a corporação, voltarão atualizadas.
“O motorista não verá você, mas todo mundo verá.
Isto já salvou muitas vidas”, rejubila-se a PM e também eu me rejubilo.
Preocupo-me apenas com certos detalhes. É que os baianos, principalmente aquela
categoria que em outros tempos a imprensa chamava de “populares” – o “popular”
estava ali, mais ou menos como certa vez descreveu Rui Espinheira Filho,
absolutamente anônimo, junto a todo desastre, a todo crime, a todo desabamento,
a todo acidente automobilístico, a toda rixa, mas não servia de nada – são um
tanto dispersivos.
Sistematicamente, o popular se concentra tanto no
circo, no espetáculo, que esquece de ligar para o 190 (às vezes, que maldade,
até para não gastar crédito do celular, na esperança que outro popular o faça)
e até de anotar a placa do carro. Aliás, a maioria dos “populares” não costuma
carregar caneta e papel, ainda que alguns costumem “carregar um pouco de
dinheiro” para satisfazer o ladrão.
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Este artigo foi publicado originariamente na
Tribuna da Bahia desta quinta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.