Quinta, 2 de maio de 2013
Por Ivan de Carvalho

Thatcher
rejeitou a exigência e decidiu que lhes seria oferecida alimentação normal e,
se necessário, administrada alimentação por todos os meios tecnológicos
disponíveis, desde que os presos concordassem em ser alimentados. Seu governo
avisou publicamente e a cada um dos grevistas de fome que, enquanto
conscientes, eles poderiam optar por alimentar-se ou ser alimentados, mas se
perdessem a consciência por inanição sem autorizar a alimentação, esta não
seria administrada à revelia da vontade deles, antes manifestada. Não haveria
alimentação compulsória. A vontade dos grevistas seria respeitada, dizia o
governo.
No dia 5 de
maio de 1981, após 66 dias de greve de fome e sem haver autorizado a
alimentação, morreu o primeiro dos grevistas, Bobby Sands, de 27 anos. Na
sequência, morreram os outros nove grevistas do grupo. Uma montanha de críticas
desabou sobre a primeira-ministra Thatcher e seu governo em todo o mundo, ainda
mais que na época ainda estava muito ativa a propaganda comunista dirigida desde
a URSS, que demonizava Thatcher. Insensível, malvada, a Bruxa Má do Oeste.
Agora, o
presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, enfrenta outra greve de fome na
prisão para prisioneiros da guerra do Afeganistão suspeitos de ligação com o
terrorismo, em Guantânamo, Cuba. Obama prometeu e tem tentado fechar a prisão,
levando os presos para território americano, mas o Congresso vem atrapalhando.
E então
prisioneiros de Guantânamo iniciaram, no começo de fevereiro, uma greve de
fome. Ainda não morreu nenhum. Os grevistas estão sendo alimentados
compulsoriamente. Um grupo extra de médicos e enfermeiros foi enviado para o
campo de detenção na base naval americana de Guantânamo para cuidar da ingestão,
pelos prisioneiros, de alimentos líquidos e pastosos (através de sonda nasal)
de modo a não deixar que algum prisioneiro morra.
Aí começou a
complicar. Advogados americanos lançaram um alerta de que alimentar os
prisioneiros pode ser uma forma de tortura. Então a Associação de Médicos dos
Estados Unidos manifestou o receio de que essa prática viole o Código de Ética
profissional (e dos demais profissionais de saúde, naturalmente). Números
oficiais talvez já ultrapassados dão conta de que dos 166 prisioneiros em
Guantânamo, 100 estão fazendo greve de fome. Advogados estimam o número atual
de grevistas em 130.
Estava
pronto o cenário para a ONU interferir. E foi o que fez o Alto Comissariado dos
Direitos Humanos da organização. “A alimentação forçada nunca é aceitável”,
afirmou Rupert Colville, porta-voz da alta comissária, Navi Pillay. “A
alimentação acompanhada por ameaças, coerção e com o recurso da força ou
imobilização física é uma forma de tratamento desumano e degradante”, disse
Colville, citando um documento da Associação Médica Mundial. Esse documento
acrescenta: “Assim como é inaceitável a alimentação forçada de alguns detentos
com o objetivo de intimidar ou de obrigar os outros em greve de fome”.
Parece que
os dois casos de greves de fome – o dos irlandeses do norte no Reino Unido e o
dos prisioneiros de Guantânamo, muitos deles presos há dez anos sem culpa
formada – deixam uma questão em aberto. Houve em 1981 ataques severos à decisão
do governo britânico de não alimentar à força ou contra a vontade os presos em
greve de fome e surgem agora ataques também severos à decisão do governo
americano de alimentar compulsoriamente os presos de Guantânamo em greve de
fome, quando houver risco para a vida deles.
Qual das
duas seria a conduta correta nestas situações? Ou haveria uma terceira via –
atender às reivindicações dos presos? Quanto a essa terceira via, cumpre
assinalar a preliminar: cada caso é um caso.
- - - - - - - - - - - - - - - - - - -
Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da
Bahia desta quinta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.