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(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Dilma, a saúde e as emendas

Quinta, 15 de agosto de 2013
Por Ivan de Carvalho*
O Palácio do Planalto fez muitos esforços, primeiro numa tentativa de evitar a aprovação, pela Câmara dos Deputados, da chamada Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do “orçamento impositivo”.

         Com esse nome impressionante, “orçamento impositivo”, a PEC parece bem maior do que é, sob o aspecto da execução orçamentária. Fica parecendo que o Orçamento da União, aprovado anualmente pelo Congresso, passaria a ser obrigatoriamente executado no seu todo, ficando a cada um dos Três Poderes e ao Ministério Público apenas a margem de manobra prevista em cada lei orçamentária.

         Mas a PEC, que a Câmara dos Deputados aprovou na terça-feira por 378 (até o PT liberou a bancada) votos a favor, 48 contra e 13 abstenções é muito menos pretenciosa.

         Ela pretende apenas obrigar o governo a executar as emendas individuais apresentadas pelos congressistas ao Orçamento da União e neste incluídas quando da votação do Orçamento em plenário. Segundo a PEC do “orçamento impositivo”, o governo será obrigado a pagar as emendas individuais parlamentares até o valor equivalente a 1 por cento da receita corrente líquida. Isso corresponderia a R$ 6,8 bilhões em valores deste ano ou a R$ 6,2 bilhões em valores de 2012.

         É um valor muito expressivo se tomado como número absoluto, mas pouco relevante se considerado em relação ao orçamento da União. Não é pouco relevante, mas é modesto quando comparado ao custo estimado do absurdo e fantasmagórico trem-bala dos sonhos da presidente Dilma, que alcança os 38 bilhões de reais. R$ 35 bilhões, nas contas mais humildes. 

         O Palácio do Planalto lutou muito contra o “orçamento impositivo” – a obrigação de pagar as emendas individuais dos parlamentares. Primeiro, tentou manter o arbítrio de que hoje dispõe para pagar ou não, pois essas emendas, com execução ao arbítrio do Executivo, são um dos principais instrumentos de negociação (trocas, o toma lá, dá cá) entre o governo e o Congresso. E são também um instrumento poderoso de favorecimento político-eleitoral dos aliados, de perseguição dos oposicionistas e de eliminação de eventuais rebeldias entre os próprios aliados. Com a obrigatoriedade de “executar isonomicamente” as emendas, esse instrumento perde quase todo o seu peso como instrumento de barganha política. 

         Inicialmente, o Planalto tentou negociar para que a PEC tornasse impositiva a execução de emendas que fossem “coerentes” com os programas ou projetos do governo. Com isto, o Executivo manteria o arbítrio, pois bastaria dizer: esta emenda é coerente, esta não é. O argumento mais se parecia a uma piada e como tal provavelmente foi recebido na Câmara, que de plano o descartou. 

         Então a presidente Dilma Rousseff – que depois das manifestações populares de junho e da queda brutal em sua popularidade e na avaliação de seu governo pelo eleitorado não perde uma chance de adular os eleitores –, deixando bem claro que a idéia era dela, mandou seus auxiliares negociarem a aceitação da PEC pelo governo desde que 50 por cento do valor total das emendas individuais se destinassem ao setor de saúde. 

         Ora, uma atitude simpática, ante a evidência ululante de que o Sistema Único de Saúde está sucateado, aos cacos. Então vem a presidente e dá partida a uma proposta de negociação pela qual cerca de R$ 3,2 bilhões dessas emendas seriam destinadas ao setor de saúde. Os deputados até ensaiaram aceitar, não a destinação de 50 por cento, mas de 30 por cento, mas queriam garantias que não foram dadas – então, deixaram a PEC como estava, sem incluir a questão da saúde, mas admitindo que, no Senado, a negociação seja retomada e a saúde seja incluída. 

         Mas, se a presidente, não raro, tem falas e raciocínios um tanto atrapalhados, neste caso a falta de coerência é gritante. Não faz muito tempo, foi regulamentada a Emenda Constitucional 29, sobre a participação das três esferas da Federação no setor público de saúde. Os municípios entrariam com 15 por cento (muitos estão indo, no desespero, até 25 por cento) de suas receitas correntes, os Estados com 12 por cento e a todo-poderosa União, a irmã rica da família, com dez por cento. 

         Pois a presidente Dilma Rousseff disse não. E a União está, este ano, direcionando ao setor de saúde apenas 4 por cento de sua receita. Muito simpática essa “política pública”...
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Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta quinta.
*Ivan de Carvalho é jornalista baiano.