Sábado, 19 de abril de 2014
Por Pedro Porfírio
Por falta de visão e de
coerência de quem está lá tudo pode acontecer, inclusive um trágico retrocesso
Há várias maneiras de ver o mundo, a pior delas é a partidária. Não que os partidos não tenham seus binóculos. Mas por que a obsessão do poder entorpece e alucina. Tal qual hordas de interesses pessoais, as legendas de hoje não têm nenhum significado. E até agridem seu enunciado. Daí o constrangimento das coalizões governantes, que se formam em torno de prebendas e vantagens e não de um programa de trabalho, forjando uma espécie de loteamento compulsório do poder, sem o qual os parlamentares picaretas inviabilizam qualquer governo.
O modelo
clássico envelheceu. Não é o partido que orienta o governo. É o contrário. O
poder dos aglomerados fala mais alto e constrói o discurso a ser pronunciado
pela militância. O discurso ou o silêncio obsequioso. Nesse carnaval de
fantasias ridículas, tudo o que cada um quer é resolver seu problema. Seu,
pessoal, em primeiro lugar. "Ocupar seu espaço" - como está no
jargão. No melhor dos cenários o filiado
age como parte de uma torcida desorganizada. Assimila sua parcialidade com uma
diferença: é difícil um flamenguista virar a casaca; já não se pode dizer o
mesmo na política.
Partidos incoerentes e sem carismas são paixões
passageiras. Atraem pelos sinais de
poder e afastam quando frustram expectativas.
Mesmo assim,
quem tem as rédeas pode perpetuar-se pelos anos próximos. É assim, hoje em dia. Faça
alguma coisa e pronto, já fez muito. Quem foi derrotado ontem pelo desgaste
inevitável não está de todo descartado. Por que há dois fenômenos aparentemente
desassociados, que não se enquadram na mesma lógica:
1. O povo é
governista, em sua maioria. Os governos é que não são povistas.
Tratar desses
temas assim é cosmético e superficial. Mas esses dias medíocres mantêm a pauta nesse
patamar. É tudo conforme a sina esperta, essa atração fatal pelos podres
poderes: tudo que um prócer quer, venha
de onde venha, é conquistá-los, neles permanecerem ou a eles retornarem.
Os discursos não
irradiam propostas. Não emanam de concepções ideológicas, mas da percepção do
momento. Para detectá-las, contratam pesquisas e se entregam docilmente aos palpites
do marqueteiro, a peça mais importante da engrenagem eleitoral. Cujo papel não
se esgota no dia do voto. Governantes e oposições têm seus marqueteiros como gurus
de todas as horas. Se o que perseguem é apenas a vitória a qualquer truque esse
especialista é quem dá as cartas.
Como disse, se
tudo se resume em vencer, não importa que monstros estão criando, principalmente
se esses monstros estão dando certo. Quanto maior a multidão mais carece de
pirotecnias envolventes. Mais se investe na mistificação inescrupulosa, jogando no imediato e desprezando o duradouro.
Aí
entra o componente
trágico: a despolitização grassa como produto corolário da sociedade
delirantemente consumista. Pessoas de todas as classes e de todas as
escolaridades viajam nos sonhos tecidos
pelas máquinas de forjar desejos e comportamentos. Concentram-se em
projetos
pessoais, muitas vezes, acima de suas posses. O desafio de ter o que
outros têm
ou ainda não têm fascina a quem se depara com ofertas irrecusáveis.
Cidadãos despolitizados são a alegria das classes exploradoras e de seus prepostos nos
salões do poder. Nessas pesquisas recentes detectaram o vexame: 56% dos ouvidos
disseram que não estão interessados nas eleições. É a posição
de uma população
dominada, empanturrada de atrativos alienantes. São essas pessoas que
decidem
na contabilidade das urnas. Os dirigentes partidários sabem disso, mas
mesmo os que se dizem ideológicos nada fizeram para reverter essa trama.
É da natureza
maldosa das disputas. Nelas acontece outro distúrbio: políticos ganham pela pequenez de sua astúcia e não pelos seus atos
magníficos. Isto é, alguns têm olhos para ver longe e longe veem, até boas
intenções teriam, mas como querem ganhar
a massa, curvam-se à moda da temporada.
Digo tudo isso com muita
amargura para complementar: um dia a casa cai. As minorias irritadas também
existem e têm um poder de fogo incalculável. A oferta de algumas benesses como
escopo das políticas compensatórias pensadas nos centros decisórios do mundo é
uma faca de dois gumes. Garante satisfação temporária, mas não têm consistência
perene. É um saco sem fundo, uma bola de neve de consequências incontroláveis.
E produz um vício insaciável que forja a inércia e o paternalismo paralisante.
Trocando e
miúdos, voltamos ao velho provérbio do anzol no lugar do peixe.
Não entenderam isso dado ao
viés das compensações fortuitas, que escamoteiam o compromisso de manter a
pirâmide social intacta: negam instrução de qualidade e competitividade à plebe
para que ela não ultrapasse a condição de subalterna e não ameace os filhos
amados das classes adjacentes aos podres poderes. Nesse tom, assimilam como
fatalidade invencível a acomodação das camadas sociais nos paradigmas atávicos.
Assim, sob a
égide da dominação das elites, conservam as massas excluídas ou periféricas
dopadas enquanto ópio dispuserem. Já não é nem a fé que ainda manipulam o seu
trunfo principal. A modernidade engendrou outros elementos de fascinação e
misturou no mesmo balaio instintos de apelos capazes de confinar no mesmo
caminho pessoas de verves e perfis sociais diferentes.
À falta de
respostas estruturais o ambiente tende a carregar. É isso que devia motivar os
que ainda estão por cima da carne seca. Imaginar a mesma paisagem diante de
tantos relâmpagos é desdenhar da cólera latente, que a minoria indignada pode trazer à tona. Há mais
o que fazer além das carícias maquinadas. Ou aprofundam as respostas ou o pior
pode acontecer: o pior é a descrença no bom caminho.
Estamos diante de um jogo
pesado em que a imperícia de quem se sente com o rei na barriga pode causar um
retrocesso, a lamentar-se pela trilha e o descaminho: não pela carruagem deslumbrada.
A alguns parece
tudo muito claro, é fácil saber qual é a de cada um. À multidão vulnerável, não. À falta de clareza e
transparência ela pode comprar gato por lebre.
Dias confusos se
prenunciam. Saber administrá-los exige mais do que sede de poder. Com essa
turma que não se recicla vai ser difícil. Hoje é um iludido quem imagina um
resultado final positivo na base do mesmo receituário.
Fica o recado de quem não tem nada com o peixe, não está nem aí para esses podres poderes, mas que ficará muito desapontado se entregarem o ouro ao bandido por absoluta falta de sensibilidade e o mínimo de competência.