Sexta, 18 de abril de 2014
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Deu na Revista IstoÉ - Edição: 2317
IBGE sob ataque
Para evitar que informações negativas sobre o desempenho da economia causassem danos à candidatura de Dilma Rousseff, governo intervém politicamente no IBGE, um respeitado órgão público que deveria primar pela independência
Claudio Dantas Sequeira e Wilson Aquino
É comum que em
regimes de exceção o governo manipule dados oficiais para tentar
legitimar-se no poder e não perder apoio popular. Numa democracia, esse
tipo de atitude é condenável. Mas foi exatamente isso que o governo
federal decidiu fazer. Levando ao pé da letra aquela máxima do
ex-ministro de FHC, Rubens Ricupero, de que “o que é bom a gente mostra,
e o que é ruim a gente esconde”, o governo impediu que o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgasse este ano o
resultado da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD
Contínua). Este é um estudo novo desenvolvido com amostragem e
abrangência diferentes da tradicional Pesquisa Mensal de Emprego (PME)
com a qual o IBGE avalia a situação do mercado de trabalho no País. Ao
não divulgar o levantamento, o objetivo do governo foi o de evitar que
se desse conhecimento à população que o desemprego em 2013, nessa nova
pesquisa, chegou a 7,1% na média nacional, que o Nordeste registra
índice de 9,5%, quase o dobro do do Sul, e que 20% dos jovens
nordestinos aptos para o mercado não têm ocupação.
REAÇÕES
Técnicos do IBGE protestaram em frente à sede do instituto no Rio, na quarta-feira 16, contra a ingerência do governo Dilma
A divulgação dos dados agora poderia ser
usada para contrapor-se ao patamar de 5% de desemprego ostentado pelo
governo Dilma com base no PME, seu estudo tradicional. O PNAD considerou
uma amostra de 211 domicílios de 3,5 mil municípios. É, portanto, muito
mais abrangente do que a pesquisa que vem sendo divulgada pelo governo,
baseada em cálculos de seis regiões e não no Brasil inteiro. Apesar
dessa inequívoca constatação, orientados pelo Planalto, parlamentares de
base de apoio ao governo no Congresso passaram a questionar a nova
metodologia.
Antes mesmo de conhecidos os números da
pesquisa, a ex-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, que hoje lidera a
tropa de choque do governo no Senado, encaminhou requerimento à ministra
do Planejamento, Miriam Belchior, propondo discutir a nova sistemática
do IBGE “com os senadores e governos estaduais, inclusive com os
próximos governos eleitos”. O requerimento ao Planejamento foi a senha
para que a presidente do IBGE, Wasmália Socorro Barata Bivar,
suspendesse a divulgação da PNAD e decidisse criar um grupo de trabalho
para rever a metodologia. Bivar só não esperava a forte reação dos
técnicos, que ficaram indignados com a ingerência política.
Em meio à polêmica, a diretora de Pesquisa,
Márcia Quinstlr, e a coordenadora da Escola Nacional de Estatísticas,
Denise Britz, pediram exoneração de seus cargos. Outros coordenadores
ameaçam segui-las e 45 técnicos também se manifestaram por meio de um
abaixo-assinado, prometendo cruzar os braços caso a pesquisa não seja
divulgada. “Instalou-se no IBGE um clima geral de indignação e
estranhamento”, acusou o sindicato nacional dos funcionários do
instituto, ASSIBGE. Na quarta-feira 16, cerca de 200 servidores se
reuniram para protestar em frente à sede da Diretoria de Pesquisas do
órgão, no número 500 da Avenida Chile, no centro do Rio. “O IBGE não
pode submeter a metodologia de uma pesquisa que já está em campo à
vontade de políticos atuais ou de candidatos”, bradava ao microfone o
técnico Antônio Ângelo. Ele reclamou que a decisão de suspender a
divulgação da PNAD sequer foi levada a conhecimento prévio do corpo
técnico.
Diretora da ASSIBGE, Ana Magni reclamou da
tutela partidária num órgão reconhecido pelo rigor científico. “Nosso
trabalho é rigorosamente construído a partir de conceitos científicos e
padrões técnicos e não pode ser adaptado a qualquer mudança legislativa
ou política, que muitas vezes envolve interesses particulares ou
específicos”, afirmou. Suzana Lage Drumond, também da ASSIBGE, concorda.
“Agora é a PNAD Contínua, amanhã é outro projeto. A autonomia do IBGE
está em primeiro lugar e não vamos abrir mão disso”, disse. Para Suzana,
há uma clara tentativa de subjugar o órgão aos interesses dos
governantes de plantão, uma estratégia que passa pelo sucateamento do
IBGE, com cortes orçamentários e a terceirização da mão de obra, em vez
da realização de concursos públicos. O quadro de funcionários é antigo e
70% devem se aposentar até 2015. A ASSIBGE compara a situação atual com
o que ocorreu na Argentina, em 2007, quando o então presidente Nestor
Kirchner, insatisfeito com o alto índice de inflação, determinou
intervenção no Instituto Nacional de Estatísticas e Preços (Indec), o
IBGE de lá.
DEMISSÃO
Proibida de divulgar levantamento desfavorável ao governo,
a diretora de Pesquisa do IBGE, Márcia Quinstlr, pediu para sair
Na última semana, a presidente do órgão
empreendeu uma ginástica verbal para rejeitar a tese de interferência
política. Sem conseguir se explicar com clareza, ela acabou atribuindo a
suspensão da divulgação dos resultados a um mero “equívoco” na
interpretação sobre o prazo para a entrega dos dados de renda
domiciliar. Em texto publicado na internet, a Executiva da ASSIBGE deu
outra versão. “Foram 14 edições do Fórum SIPD (Sistema de Pesquisas
Domiciliares) e dezenas de eventos nacionais e internacionais que
contaram com representações governamentais, institutos de pesquisa,
universidades e ampla participação da sociedade em geral nesta
formulação”, acrescenta.
Alçada ao cargo por Dilma em 2011 como
primeira mulher a comandar o IBGE, Wasmália Bivar provém dos quadros do
próprio instituto, assim como seu antecessor, Eduardo Pereira Nunes.
Como técnicos, deveriam primar pela manutenção da independência de um
órgão que se tornou referência nacional e internacional desde sua
fundação em 1938. Mas, ao longo de sua história, o IBGE já foi alvo de
ataques semelhantes. Na década de 1970, o instituto mostrou que o
chamado “Milagre Econômico” da ditadura não se refletiu em distribuição
de renda. É conhecido o episódio em que o então ministro da Fazenda
Delfim Neto tentou forçar a FGV a manter o índice de inflação em 15%,
enquanto o IBGE cravava uma taxa de 26%. No início da década de 1990, o
ex-presidente Fernando Collor, insatisfeito com os resultados
desfavoráveis disseminados pelo IBGE, tentou esvaziar o instituto, ao
deixar de contratar os 180 mil temporários para a realização do Censo.
Em vão. Desde então, o IBGE se autoproclamou a “ilha de resistência” às
tentações da “direita pelega” em manipular as estatísticas. Passou a
atuar sob influência do chamado “núcleo de economistas” do PT, que aos
poucos galgaram a postos de comando, sobretudo depois da chegada de Lula
ao poder. Infelizmente, o que se vê agora é a negação desse passado.
Intromissões indevidas
Não é
apenas o IBGE que tem sua credibilidade arranhada com uma inoportuna
intromissão política em sua gestão e métodos de trabalho. Há poucas
semanas, por vias distintas, mas não menos inadequadas, o IPEA havia
revelado surpreendente fragilidade técnica ao errar feio numa pesquisa
sobre o percentual de brasileiros que justificariam agressão às mulheres
que usassem roupas provocativas. A queda de qualidade nos serviços
prestados por uma das mais respeitadas instituições de pesquisas do
Brasil, responsável histórica por embasar o planejamento econômico
nacional, é fruto, segundo seus próprios técnicos, da “ideologização” de
suas funções, agora dirigidas a marqueteiros interesses governamentais.
Escândalos
recentes também mostram que outro símbolo de excelência do Estado
brasileiro – a Petrobras – vem sendo abalado por conta do aparelhamento
político que, além de provocar o gigantismo da estatal, leva a decisões
estapafúrdias. Em parte, é essa uma das razões que levaram a empresa a
perder R$ 201 bilhões de patrimônio e vale hoje metade do que valia em
2010. A mistura de aparelhamento e política populista não costuma ter
resultados positivos.
A
combalida Eletrobrás, que nunca foi um modelo de gestão, já acumula uma
conta de cerca de R$ 20 milhões que deve estourar no ano que vem, tudo
para atender aos desejos do Palácio do Planalto.
Fotos: FÁBIO MOTTA/ESTADÃO CONTEÚDO; Ueslei Marcelino/REUTERS