Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Dilma tenta confundir o delator com o conteúdo da delação

Quarta, 1º de julho de 2015 
Da Tribuna da Internet 
Pedro do Coutto
Ao conversar com jornalistas em Nova York, pouco antes de seguir para Washington, a presidente Dilma Rousseff tentou confundir o delator com o conteúdo da delação, produzido pelo empresário Ricardo Pessoa e publicado no sábado com grande destaque pela Revista veja que se encontra nas bancas, reproduzidas pelos três principais jornais do país.
Uma coisa nada tem a ver com a outra. Tentando desfocar o episódio fortemente chocante para o governo, a presidente da República – excelente reportagem de Isabel de Luca, O Globo edição de ontem – confundiu-se a si mesma. Basta ler o texto com atenção. “A Justiça, afirmou, tem que pegar tudo que ele (Pessoa) disse e investigar tudo, sem exceção. A Justiça, o Ministério Público, a Polícia Federal.”
Ora, a contradição presidencial é evidente. Se a Justiça, o Ministério Público têm que investigar tudo, sem exceção, é porque, tacitamente, a chefe do Executivo considera importante a denúncia de Ricardo Pessoa. A explosão contra a figura do delator, assim, não destrói o peso da delação. Dilma Rousseff recorreu a episódios históricos que incluem a delação. Citou Tiradentes, inclusive, numa comparação extremamente forçada. A Inconfidência Mineira não foi traída por corruptos e corruptores. Além do mais, agora, dois séculos depois, Ricardo Pessoa inspirou-se na lei que implantou a figura jurídica da delação premiada.
EXIGIR EXPLICAÇÕES
Dilma Rousseff, diante das evidências, deveria, antes de mais nada, isso sim, exigir explicações do ministro Edinho Silva. Pois dizer que as doações foram legais não é suficiente. É indispensável saber a forma com que foram conseguidas. Edinho Silva, na verdade, deve explicação ao país, se puder fazê-la. Até agora não desmentiu a versão do dono da UTC.
E a versão trata diretamente de uma ação de chantagem, torpe como todas as chantagens são. Aliás, é preciso, acima de tudo, confrontar as doações registradas na Justiça Eleitoral com as quantias efetivamente recebidas pelos chantagistas e pelos intermediários. É claro que não vão conferir. E a parte de quem transporta o dinheiro? Fica com quem? Isso de um lado clássico, em matéria de dinheiro sujo. De outro, as doações em dinheiro colidem com a Lei Eleitoral de 97. As doações só podem ser feitas através de cheques nominais cruzados ou por intermédio de depósitos identificados em contas bancárias. Tais princípios foram observados?
Não creio haver necessidade de se cobrar uma resposta. Está claro que não. Caso contrário, não haveria necessidade de troca de senhas de acesso, tampouco João Vaccari picotar papeis em que os valores de “doações” estavam numericamente descritos.
PREJUÍZOS NO BALANÇO
E tanto esse processo de corrupção estava – e está – configurado que, ao publicar o balanço da Petrobrás relativo a 2014, o atual presidente da empresa, Aldemir Bendine, incluiu os prejuízos causados pelos assaltos praticados na escala de 6 bilhões de reais. Sua antecessora no cargo, Graça Foster, projetava-os em mais de 80 bilhões de reais. Assim, a presença da corrupção torna-se indiscutível, iluminada pelo próprio balanço da estatal. Negar a corrupção, portanto, é impossível.
E não pode haver corrupção sem corruptos. Eles estão sendo expulsos das sombras todos os dias. Uma sequência de personagens movimenta as cenas como num filme. Não de ficção, mas um documentário. Nele não faltam corruptos, corruptores, ladrões e delatores. O delator só existe porque existe algo a delatar. Não fora isso, não apareceria.