Sábado, 21 de outubro de 2017
Do Blogue Náufrago da Utopia
Celso Lungaretti
Desta vez quem o retirou do sono dos injustos foi a BBC Brasil, para publicar uma entrevista que até os fanáticos por novelas mexicanas devem ter achado piegas demais: esta aqui.
Assim é introduzido o lobo em pele de cordeiro cadeirante:
"Paraplégico há mais de 35 anos, Alberto Torregiani é o principal representante das vítimas de ataques atribuídos pela Justiça a Cesare Battisti na Itália. Ele luta há anos para ver o fugitivo italiano, condenado pelo atentado que o deixou paralisado e matou seu pai, atrás das grades".
"Não tenho ódio e não busco vingança. É uma questão de justiça. Tento encontrar uma lógica para o fato de viver em cadeira de rodas por culpa de alguém", etc. e tal.Bem, chega de conversa mole e vamos à verdade dos fatos.
Prestem atenção nestas três palavrinhas, atribuídos pela Justiça, que colocam uma sutil ressalva à acusação de que seria Battisti o responsável pelos ataques.
Não é novidade nenhuma: a Agência Ansa procedia da mesmíssima maneira em 2009/2010, quando tratava Torregiani como "filho de uma das vítimas de crimes atribuídos a Cesare Battisti".
Eu esclareci, na época, que a Ansa era
obrigada ser reticente porque, antes de toda aquela onda, publicara uma
notícia na qual esclarecera que Battisti não estava presente no
atentado em que o joalheiro Pierluigi Torregiani foi morto e seu filho
se tornou hemiplégico:
"...Battisti sempre afirmou sua inocência e sustenta que o disparo que deixou Torregiani numa cadeira de rodas partiu da arma de seu próprio pai.
'E o que isso tem a ver?', replica Torregiani. 'Battisti não fazia parte do comando, mas é uma questão de responsabilidade. Ele foi condenado por ter participado da tomada de decisão, por ter sido o mandante do crime, e o que importa são as intenções'".
Instado
pelo repórter a justificar suas afirmações contraditórias [ficava
difícil entender-se o motivo de tão extremada sanha vingativa contra
quem, afinal, nem matou seu pai nem lhe causou a hemiplegia], Torregiani
o fez da forma mais canhestra:
"Torregiani revelou que Battisti não participou da ação que culminou no assassinato de seu pai porque havia ido à localidade de Mestre, onde teria matado o açougueiro Lino Sabbadin. 'Está tudo nos autos do processo', explicou".
[A notícia foi distribuída no Brasil em 30/01/2009 pela Ansa e depois retirada do ar, mas certamente ainda deve ser localizável na matriz]
MEMÓRIA SELETIVA
Nas declarações que Torregiani então deu à Ansa houve, ainda, duas omissões significativas. Ele esqueceu de dizer que:
- segundo os autos do processo (aos quais pomposamente ele se referiu), os dois assassinatos foram planejados na casa do dirigente máximo do grupo Proletários Armados para o Comunismo, Pietro Mutti, numa reunião em que, segundo os promotores, Battisti teria entrado mudo e saído calado (uma vez que, inicialmente, o acusaram apenas de omissão, ou seja, não teria objetado às ações discutidas – talvez porque fosse difícil fazê-lo não tendo ele estado presente naquele encontro...);
Berlusconi com Torregiani: ópera bufa? |
- muitos anos depois e já como delator premiado, Mutti imputou mentirosamente a Battisti a autoria direta dos dois assassinatos, tendo a acusação engolido suas lorotas interesseiras como se fossem a tábua dos 10 mandamentos.
Aí
a defesa levantou um pequeno e singelo detalhe: a distância entre as
duas localidades (500 quilômetros) não podia ser transposta no intervalo
de tempo transcorrido entre as ações (duas horas).
A
derrubada de uma das infinitas mentiras de Mutti foi um embaraço? Longe
disso. Os procuradores apenas remendaram a peça acusatória, colocando
Battisti como assassino de Lino Sabbadin e autor intelectual da morte do
joalheiro Pierluigi Torregiani...
Quanto a Mutti, a própria Corte de Milão assim se pronunciaria sobre sua teia de falsidades, em 31/03/1993:
"Este arrependido é afeito a jogos de prestidigitação entre os seus diferentes cúmplices, como quando implica Battisti no assalto de Viale Fulvio Testi para salvar Falcone, ou Battisti e Sebastiano Masala em lugar de Bitti e Marco Masala no assalto à loja de armas Tuttosport, ou ainda Lavazza ou Bergamin em lugar de Marco Masala em dois assaltos em Verona".
VÍTIMA PROFISSIONAL
Finalmente, cabe acrescentar revelação interessante que também veio à tona naquela época, em notícia d'O Estado de S. Paulo":
Chantagem emocional + sutileza paquidérmica |
"Autor do livro Já Estava na Guerra, Mas Não Sabia, em que contou sua experiência, Torregiani entrou há pouco tempo na política. É responsável pelo Departamento de Justiça do Movimento pela Itália, liderado por Daniela Santanchè...".
Para
quem não sabe, tratava-se de um agrupamento reacionário cuja líder era
coproprietária de um night-club para ricaços da Sardenha, uma
neofascista assumida (vide aqui), que rompeu com Berlusconi por considerá-lo demasiado tímido na defesa dos ideais direitistas...
A
verdadeira motivação de Alberto Torregiani se evidenciava até na
cadeira de rodas colocada em primeiro plano na capa do seu livro: não
passava de uma vítima profissional querendo aparecer o máximo possível
no noticiário, já que engatava uma carreira política e literária nas
fileiras da extrema-direita italiana.
Ao que parece deu com os burros n'água, daí continuar até hoje cumprindo o deprimente papel de servir como trunfo propagandístico contra Battisti em momentos como o atual, cada vez mais raros.
Tomara que, após a próxima 3ª feira, Torregiani volte a hibernar; e que nunca mais seus préstimos voltem a ser requisitados, até porque já está mais do que na hora de se superarem os ressentimentos e rancores de episódios tão longínquos, nos quais os dois lados praticaram crimes mas só um pagou por eles.
E está pagando até hoje: que o diga o Cesare, cuja perseguição parece não ter fim!
Ao que parece deu com os burros n'água, daí continuar até hoje cumprindo o deprimente papel de servir como trunfo propagandístico contra Battisti em momentos como o atual, cada vez mais raros.
Tomara que, após a próxima 3ª feira, Torregiani volte a hibernar; e que nunca mais seus préstimos voltem a ser requisitados, até porque já está mais do que na hora de se superarem os ressentimentos e rancores de episódios tão longínquos, nos quais os dois lados praticaram crimes mas só um pagou por eles.
E está pagando até hoje: que o diga o Cesare, cuja perseguição parece não ter fim!