Segunda, 11 de março de 2019
Por
Pedro Augusto Pinho
As mudanças ocorridas no Brasil e no mundo, por coincidência desde o fim dos governos militares, em 1985, colocam as questões nacionais em nova perspectiva que não tem sido adequadamente entendida e respondida pela Academia e pelos agentes públicos e políticos.
Persiste o ranço da guerra fria, as oposições direita e esquerda, quando não civis e militares e questões identitárias que tomam conta, explícita ou implicitamente, dos debates. E nem estou tratando das propagandas eleitorais, onde a palavra tem a brevidade de um sopro e o sentido divorciado de sua filologia. Penso em bons analistas, intérpretes com aguda compreensão dos movimentos sociais.
Também a questão subjacente a todas as demais, que impede a Independência do Brasil, os mais de cinco séculos de escravidão, nunca entra na pauta política.
As condições de 1985, de 2000 e de 2019 não são as mesmas. No primeiro período (1980/1990), o capital financeiro obteve as condições de seu triunfo sobre o capital industrial; eliminou o industrialismo socialista da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS); impôs novos padrões de comportamento social (competitividade no lugar da solidariedade) e iniciou a destruição dos Estados Nacionais. E houve mudanças internas neste poder, no sistema financeiro internacional, que denomino banca, cujas observações de 2000 já não são mais pertinentes em 2019.
Meu esclarecido leitor pode questionar minhas palavras, embora meus 50 anos de acompanhamento das finanças me proporcionem numerosos exemplos e valores que os tomo entre os divulgados pelos agentes da própria banca. Deve também levar em conta que as velocidades são as da era digital e não as da era mecânica, onde algumas vezes repousam suas convicções.
Um parágrafo retrospectivo. O século XIX foi o do financismo mercantilista inglês, com apoio militar. Não cabe discutir as ideias dos estadunidenses Mahan, pai e filho, nem a obra fundamental de Sir Julian Stafford Corbett. O fato é que o industrialismo estadunidense superou, no primeiro tercil do século XX, o poder inglês e se empoderou durante os seguintes quarenta anos. As “crises” do petróleo começam a reverter o poder para uma nova "finança". Em 1990 tivemos a primeira década de poder financeiro, inteiramente distinto daquele do início do século, sob a égide britânica. Ele é agora internacional, apátrida, inimigo dos Estados. Fim da retrospectiva.
Em 2002, a banca esgotara o ciclo de golpes para seu fortalecimento no poder. Foram nove "crises" entre 1987 e 2001. Era inquestionável sua força e se concentrava no Atlântico Norte. A banca assumira o controle econômico e financeiro do Reino Unido, retomando o Banco da Inglaterra para mãos privadas (1998), criara a União Europeia (1993) e o Banco Central Europeu (1998), unificara moedas europeias no euro (2002) e aparelhara quase inteiramente a estrutura dos Estados Unidos da América (EUA) - governos Reagan (1981-1989), George H. Bush (1989-1993) e Bill Clinton (1993-2001).
Partia para nova fase que começa com a farsa do 11 de setembro de 2001. A este respeito transcrevo da Voltairenet.org, “11 de Setembro: Norte-americanos, prisioneiros de suas próprias mentiras”, de Thierry Meyssan:
“A 7 de Outubro de 2001, embaixadores dos Estados-Unidos e do Reino-Unido informam por correio o Conselho de Segurança das Nações Unidas que as suas tropas entraram no Afeganistão clamando pelo seu direito de legítima defesa por causa dos atentados que, um mês antes, enlutaram a América.
O embaixador John Negroponte explica na sua missiva: «O meu governo obteve informações claras e indiscutíveis que a organização Al-Qaeda, apoiada pelo regime talibã no Afeganistão, teve um papel central nos ataques».
A 29 de Junho de 2002, o presidente Bush revela ao longo do seu «Discurso anual sobre o estado da União» que o Iraque, o Irã e a Coreia do Norte apoiam, de forma oculta, os terroristas porque concluíram um pacto secreto para destruir os Estados Unidos" (https://www.voltairenet.org/ article162258.html).
A mentira diante das Nações Unidas sobre as “armas de destruição em massa iraquianas” serve para mostrar o cinismo de uma administração que constrói pretextos para a ação armada da maior potência militar do planeta contra países subdesenvolvidos. De 2001 a 2012 registramos as guerras contra o Afeganistão, o Iraque, a Líbia e as "primaveras árabes" financiadas e operadas pelos serviços secretos do Reino Unido e dos EUA.
Hoje, 2019, as indústrias que lideram a produção são as armamentistas e de produtos de luxo. E se desvenda a relação, cada vez maior, entre a banca e o tráfico de droga. Este já fizera aumentar os fluxos monetários internacionais, na década 1990/1999, em quatro trilhões de dólares estadunidenses - USD (valores nominais) sem origem conhecida (dados do Banco Mundial - International Finance Corporation (IFC).
As novas investidas da banca a encontram atualmente com novas feições. Não são mais as biliardárias ou trilhardárias famílias, por suas fundações, escritórios e bancos que controlam as finanças mundiais. Há todo um sistema de invisibilidade, com financeiras, bancos desregulados, países sem banco central. Talvez meu caro leitor tenha se esquecido que até 1964 o Brasil não tinha Banco Central. E agora parece novamente não o querer mais.
Ainda que com alguma impropriedade, designarei "sistema sombra", de "shadow banking system (SBS)", para a nova fase da banca neste século XXI, reforçada após a "crise" de 2008. Usarei, em tradução livre, alguns artigos publicados pela Revue de la Régulation, em especial "The Financial Crisis and the Global Shadow Banking System", de Maryse Farhi e Marcos Antonio Macedo Cintra (MF-MC) (1º semestre/2009), e "Enrôler les Diregeants pour Contrôler l'Enterprise: le Répertoire d'Action des Fonds d'Investiment", de Fabien Foureault (FF) (2º semestre/2017).
Alguns conceitos prévios: Over-the-counter (OTC) ou negociação fora da bolsa é feita diretamente entre duas partes, sem a supervisão da troca. Os produtos negociados na bolsa devem ser padronizados. Leveraged Buy-Out (LBO) implementadas por fundos de investimento mostra como os investidores desenvolvem e implementam uma concepção de controle por meio da administração indireta da empresa e do engajamento de diretores. Special Investment Vehicle (SIV) é uma coleção de investimentos que obtém lucro com a diferença de preço (spreads) entre produtos financeiros estruturados (ABSs, CDOs, MBSs) e as dívidas de curto prazo.
"A introdução e expansão maciça de derivativos de crédito nos mercados de balcão, ou seja, a transformação das partes constituintes dos ativos bancários em ativos negociáveis fez com que o sistema bancário e o sistema bancário paralelo global se interpenetrassem de forma praticamente inextricável. As perdas incorridas pelas instituições do sistema bancário paralelo global eventualmente encontraram o caminho de volta para os balanços dos bancos. Alguns bancos (como o Citibank) incluíram opções de vendas em títulos de crédito, dando ao portador a possibilidade de revender o ativo a um preço preestabelecido.
Essas opções foram exercidas, obrigando os bancos a recomprar os ativos quando sua liquidez desaparecia e seus preços tendiam a zero. Os diferentes SIVs foram garantidos pelos bancos patrocinadores. Em outros casos, esses novos intermediários tinham linhas de crédito pré-aprovadas com bancos universais amplamente utilizados após a explosão da crise" (MF-MC).
Recordando o objetivo permanente da banca na concentração de renda. Por acaso meu estimado leitor seria contemplado com SIV garantido ou, ao invés, com um outro onde continuasse perdendo? E sem qualquer maldade ou propósito de prejudicá-lo do seu gerente. Apenas pelas opções que tinha para você, investidor de poucos milhares de qualquer moeda.
Outro aspecto é o da invisibilidade dos controles. Sem dúvida incomodava à plutocracia a exposição midiática, mesmo que vinda de uma comunicação de massa quase integralmente dependente. As redes virtuais ainda não estavam tão controladas na primeira década deste século. Surgem os fundos de investimentos, que nas farsas da banca até se misturavam com os fundos de aposentadorias, comuns em vários países desde a segunda metade do século XX. Mas estes novos fundos recebiam valores de todos os ilícitos e, obviamente, de paraísos fiscais, inclusive aqueles dentro dos EUA (Dakota do Sul, Delaware, Nevada e Wyoming), e países sem banco central (sem regulações e fiscalizações): Andorra, Mônaco, Panamá, Ilhas Marshall, os estados livres associados aos EUA da Federação da Micronésia etc. Uma festa para a corrupção (veja Lava Jato e seus promotores), para a ocultação de patrimônio (empresários, políticos, "homens de bem"), evasão fiscal, anonimato nas transações.
Formam-se também desse modo os novos controladores de todos os empreendimentos: industriais, comerciais, de serviços, pelo mundo.
Formam-se também desse modo os novos controladores de todos os empreendimentos: industriais, comerciais, de serviços, pelo mundo.
"A relação entre propriedade e controle das firmas está intimamente ligada à questão das relações entre acionistas e administradores, consideradas como relações entre classes sociais ou entre frações de classe. A controvérsia em torno desses tópicos é encontrar nova moeda com a financeirização das empresas, entendida como uma modificação de suas estratégias, cada vez mais voltada para estes acionistas em detrimento dos demais participantes ou interessados na empresa.
A transformação das relações sociais subjacentes à financeirização das empresas tem, de fato, implicações ambíguas. Empregados, pelo menos no curto prazo, parecem perder. Mas ainda há incerteza sobre se a financeirização realmente beneficia os acionistas ou se beneficia, de fato, os líderes de negócios que deveriam estar subordinados a eles.
A tese da dominação financeira afirma que os líderes devem se curvar aos ditames dos investidores internacionais presentes em seu capital. A tese da reconfiguração gerencial, por sua vez, diz que as mudanças na propriedade de grandes empresas não questionam o poder dos líderes franceses (ou nacionais de diversas nacionalidades), ou mesmo se fortalecem, se conseguem lidar com o espantalho de "fundos de pensão" anglo-saxões.
Essas duas teses implicam duas concepções muito diferentes da empresa e seus modos de controle. É visto como um instrumento controlado coletivamente por uma classe social para acumular capital na escala multissetorial ou mesmo global; ou como uma entidade sui generis, com uma capacidade de ação autônoma, liderada por "estadistas", buscando controlar as incertezas de seu ambiente e permanecer no poder no empreendimento" (FF).
Para responder a esta questão a banca profissionalizou os gestores de seus fundos, os Chief Executive Officers (CEOs). Mas em toda síntese já existe a antítese que irá corrompê-la. O empoderamento dos CEOs é um tema que já não cabe nas reuniões do Grupo Bilderberg, onde eles são a maioria absoluta, nem nas elucubrações da suíça Sociedade de Mont Pélerin (MPS) e seu britânico Institute of Economic Affairs, pois há muito o financismo se instalou nas academias.
Hoje vemos assombrando o mundo as capitalizações e securitizações, um modo de transformar todo ser humano num jogador do cassino que seleciona seus vencedores. As "reformas" trabalhistas - que transformam todo trabalhador num "empresário individual" - da previdência, onde o jogo com o futuro do contribuinte é imediato, e as receitas públicas, que passam a ativos bancários, mostram que a banca venceu.
As populações ignorantes do perigo, desinformadas pelas mídias, medrosas em enfrentar o inimigo que desconhecem, correm, como nossos antepassados mais remotos, para colocar seu destino no trovão, no sol, "em Deus acima de todos".
O Instituto Humanitas Unisinos divulgou o artigo do sociólogo e professor da Universidade de Turin, Luciano Gallino, "A longa marcha dos neoliberais para governar o mundo" (La Republica, 27/07/2015, tradução de Moisés Sbardelotto), que assim conclui:
"Como a natureza tem horror ao vácuo, o vazio cultural, político, moral das esquerdas foi pouco a pouco preenchido pelas sucessivas levas de leitores, eleitores, professores, funcionários de partido e das instituições europeias, instruídas pelo coletivo intelectual que surgiu da MPS (Mont Pélerin Society).
É preciso construir o consenso, e a MPS demonstrou saber fazer isso. As esquerdas nem sequer tentaram".
Não me agrada esta polaridade esquerda x direita, quanto mais em se tratando da banca. Vimos governos socialistas, trabalhistas, democráticos (França, Reino Unido, EUA) e os governos do Partido dos Trabalhadores (PT) adotarem os princípios e as ações de exclusivo interesse da banca, como as operações compromissadas (Resolução CMN BACEN nº 3.339, de 2006), que em dez anos transferiu da conta do Estado brasileiro para os bancos e financeiras R$ 753 bilhões. Enquanto isso, os direitistas na França, na Itália se manifestam contra a banca. Temos a meu ver uma oposição do internacionalismo, da globalização contra os nacionalistas, o fortalecimento do Estado Nacional. É necessário que aqueles cuja profissão é a defesa da Pátria entendam quem devem combater.
Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado