Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Consciência Negra. O Navio Negreiro, poesia de Castro Alves

Sexta, 20 de novembro de 2020

Tu que, da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!…

Hoje, 20 de novembro, comemora-se o Dia Nacional da Consciência Negra.
Vídeo Clipe com o poema "O Navio Negreiro" de Castro Alves, musicado por Caetano Veloso. Uma breve exibição da tragédia do tráfico de africanos que se tornaram escravos na América. O poema foi retirado do Livro "Os escravos" e a música do CD "Livro" de Caetano Veloso. Vídeo publicado no YouTube por Iara Viana
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Narração de Paulo Autran — Vídeo postado no YouTube por Ricardo Abdala

O Navio Negreiro 
“’Stamos em pleno mar… Doudo no espaço
Brinca o luar – dourada borboleta;
E as vagas após ele correm… cansam
Como turba de infantes inquieta.
‘Stamos em pleno mar… Do firmamento
Os astros saltam como espumas de ouro…
O mar em troca acende as ardentias,
– Constelações do líquido tesouro…
‘Stamos em pleno mar… Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano,
Azuis, dourados, plácidos, sublimes…
Qual dos dous é o céu? qual o oceano?…
‘Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas…
Era um sonho dantesco… o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros… estalar de açoite…
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar…
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!
E ri-se a orquestra irônica, estridente…
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais …
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos… o chicote estala.
E voam mais e mais…
Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!
Existe um povo que a bandeira empresta
P’ra cobrir tanta infâmia e cobardia!…
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!…
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio. Musa… chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto!…
Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança…
Tu que, da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!…
Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu nas vagas,
Como um íris no pélago profundo!
Mas é infâmia demais! … Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares!
Antônio Frederico de Castro Alves, poeta, nasceu em Muritiba, BA, em 14 de março de 1847, e faleceu em Salvador, BA, em 6 de julho de 1871.