Quinta, 10 de dezembro de 2020
Do Portal Gama Cidadão
Por Israel Carvalho
O MDV Brasília, movimento que agrega todas as Entidades Representativas de Pessoas com Deficiência Visual de Brasília vem à público manifestar sua posição sobre o Decreto 10.502/2020, que trata da Política Nacional de Educação Especial.
O movimento defende o ensino especial pelos seguinte motivos:
A política nacional de educação para pessoas com deficiência vem sendo pautada por uma intensa discussão acerca do Decreto 10.502, polarizada entre pessoas e instituições, onde alguns defendem sua manutenção, mas outros tantos querem a sua derrubada.
Horas depois da publicação do referido Decreto, feito pelo Presidente Jair Bolsonaro, já haviam algumas “notas de repúdio”, e logo começaram a aparecer “notas técnicas”. Documentos, estes que foram se espalhando nas redes sociais.
Esses “movimentos” contrários ao Decreto trazem como discurso afirmações que muitas vezes não se sustentam:
A narrativa de que “o movimento foi surpreendido”, e que a política proposta em tal documento nasceu “sem discussão”. Oras, é sabido que não se trata de uma novidade, e sim de uma política que vem sendo discutida há muitos anos dentro do Movimento. Como exemplo podemos citar as discussões da última LDB, ou na tramitação da LBI no Congresso Nacional. Além de uma aprofundada discussão que ocorreu na 3ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência de 2012, e especificamente sobre esta “nova” política houveram audiências e consultas públicas nos últimos anos. Portanto, afirmar que foi surpreendido com a publicação de uma nova política é apenas retórica.
Já o fato de que o decreto “promove segregação”, baseada na premissa de que “escolas especializadas são espaços de segregação.” Alegando que todos os alunos com deficiência devem ser atendidos “exclusivamente” nas escolas regulares. Esse discurso também não é novo, e embasou a política do MEC por mais de uma década. Os gestores do mesmo só não fecharam os centros especializados e as instituições de educação especial por conta da reação do movimento das pessoas com deficiência – PCD.
São marcantes, neste embate entre sociedade e governo, as manifestações. Em abril de 2011, houveram manifestações pelo não fechamento do Instituto Benjamin Constant e do Instituto de Surdos no RJ. Em 3 de dezembro de 2014 houve a Marcha das Bengalas, evento promovido por deficientes visuais que buscava dar visibilidade às suas demandas. Essa marcha ganhou a adesão de todo o movimento PCD em um movimento intitulado, “Nada Sobre Nós Sem Nós”. Isso reuniu um grande número de pessoas na Esplanada dos Ministérios, motivadas pela defesa dos centros especializados.
Em vários momentos nessa trajetória da luta por direitos eles também se mobilizaram para garantir o direito de escolha dos alunos com deficiência quanto à matrícula em uma das modalidades de escola dentro do sistema. Foi justamente esta mobilização que resultou na palavra “PREFERENCIALMENTE”. Termo, este, que é usado quando este assunto é tratado em nossa legislação brasileira, inclusive em nossa constituição (Art. 208, III).
A retórica de que o Decreto “é um retrocesso”, partindo do princípio de que a política implementada nos governos anteriores era melhor do que o proposto agora, é incoerente. O problema desta narrativa é que ela tem como base o discurso dos “radicais da educação inclusiva”, repetido insistentemente pelas gestões anteriores do MEC, o que na opinião dos movimentos é equivocado.
Os defensores dessa política no MEC, sob o manto da defesa da inclusão, não só defenderam o fechamento de escolas especializadas, mas a obrigatoriedade da matrícula nas escolas regulares como única opção. Condenando qualquer iniciativa de adaptação para atender as necessidades do aluno, como se adaptações curriculares, pedagógicas ou de acessibilidade fossem uma forma de discriminação.
Ao formular e implementar tal política, sem dialogar com os atores da educação especial (professor/aluno), criaram uma política de “inclusão” equivocada, meramente estatística e retórica.
Dizer, pura e simplesmente, que o Decreto é inconstitucional, onde pessoas e instituições afirmam que este está em desacordo com a legislação vigente, inclusive em antagonismo com nossa Constituição. É válido ressaltar que normalmente são os mesmos das narrativas citadas anteriormente.
Ao compararmos os textos das legislações hierarquicamente superiores ao Decreto (Constituição, LBI, LDB etc.), não encontramos tal “desacordo”. Pelo contrário, em nosso entendimento o Decreto vem apenas regulamentar a política de educação especial tratada na LBI como tem que ser, reafirmando inclusive os fundamentos do nosso ordenamento jurídico.
Portanto, defendemos a manutenção do Decreto e a participação proativa do Movimento na definição das diretrizes de sua execução, para garantir a implementação e o êxito da mesma.
Também não entendemos a inclusão como um mero procedimento de matrícula. A ideia de que garantir apenas o direito de se matricular e frequentar uma escola regular promove inclusão, é equivocada. Este discurso tem servido de manto para o preconceito, a aqueles que se julgam tutores do nosso direito e que podem decidir o que é melhor para nós sem nos ouvir, negando nosso protagonismo e nosso direito de escolha; bem como aos que pensam que aceitar nossa deficiência basta, mesmo nos subjugando à uma posição de desigualdade.
“Tolerar a existência do outro e permitir que ele seja diferente, ainda é muito pouco”.“Quando se tolera, apenas se concede e essa não é uma relação de igualdade, mas de superioridade de um sobre o outro.”José Saramago
A garantia de matrícula nas escolas regulares é apenas uma de nossas lutas, que reconhece apenas um de nossos direitos, o de frequentar os mesmos ambientes das pessoas ditas normais. Mas só isso é muito pouco, e não pode anular a nossa luta pelo Direito de aprender, pela equidade, pela autonomia, e pela cidadania plena. Também não contempla o respeito à diversidade humana, com a garantia das adaptações necessárias para atender os alunos com deficiências severas ou múltiplas, além de desprezar a necessidade de acolher as pessoas que adquiriram uma deficiência na idade adulta.
Essa postura do MEC nos últimos anos, de implementar uma política criada no meio Acadêmico, baseada apenas em teorias e ideologias, e sem diálogo com aqueles que já vinham promovendo a inclusão na prática (os professores da educação especial); bem como negando-se a ouvir as reivindicações dos alunos, suas famílias ou a crítica de ex-alunos, fez com que perdêssemos muito tempo, e deixássemos de avançar na construção de uma política verdadeiramente inclusiva.
“A Política proposta pelo Governo não só reconhece como amplia a rede de Escolas Especializadas. Por tanto, atende à uma reivindicação recorrente do Movimento nos últimos anos. “
“Este grupo que defende a derrubada do Decreto é o mesmo que defende o fechamento destas escolas, e apesar de ser minoritário no Movimento, ganharam a adesão dos partidos de oposição e da grande mídia. Isso mostra que a luta por direitos está sendo atropelada pelas disputas políticas. Infelizmente!”. Comentou César Achkar Magalhães, um dos coordenadores do Movimento em Defesa da Educação Especial.
Nós é que não aceitamos retrocesso! Não à derrubada do Decreto 10.502! Respeitem o nosso PROTAGONISMO e o nosso lugar de fala!
Da redação do Gama Cidadão – 10/12/2020