Sexta, 26 de agosto de 2022
Aldemario Araujo Castro
Advogado
Mestre em Direito
Procurador da Fazenda Nacional
Brasília, 26 de agosto de 2022
“Empresários apoiadores de Jair Bolsonaro passaram a defender abertamente um golpe de Estado caso Lula seja eleito em outubro, derrotando o atual presidente. A possibilidade de ruptura democrática foi o ponto máximo de uma escalada de radicalismo que dá o tom do grupo de WhatsApp Empresários & Política, criado no ano passado e cujas trocas de mensagens vêm sendo acompanhadas há meses pela coluna. A defesa explícita de um golpe, feita por alguns integrantes, se soma a uma postura comum a quase todos: ataques sistemáticos ao Supremo Tribunal Federal (STF), ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a quaisquer pessoas ou instituições que se oponham ao ímpeto autoritário de Jair Bolsonaro” (fonte: metropoles.com).
Diante de notícias como essa é preciso afirmar e reafirmar o óbvio. A democracia (o regime político democrático) é uma das mais importantes conquistas civilizatórias da humanidade. Não é possível cogitar qualquer arranjo ou avanço socioeconômico divorciado do ambiente democrático.
O regime democrático está assentado em algumas premissas bem definidas. Entre as mais destacadas estão: a) a soberania popular (o povo como titular do poder político); b) o império da lei para conformar comportamentos e condutas (e não a vontade do governante); c) a utilização de instrumentos institucionais para mediar conflitos sociais (e não a prevalência da força em suas várias vertentes); d) a efetivação da liberdade para fazer escolhas relacionadas com questões fundamentais da existência como orientação sexual, crença religiosa e convicções políticas e e) a consagração, entre outros, das liberdades de opinião, de manifestação de pensamento, de locomoção, de respeito a integridade física e psicológica, inviolabilidade da intimidade e vida privada e dos direitos de reunião e associação, inclusive para contestar as opções e decisões governamentais.
A Constituição brasileira de 1988 consagra expressamente o regime democrático. Já no primeiro artigo da Carta Magna é possível constatar:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
Portanto, é possível afirmar que a ordem jurídica no Brasil pode ser assim resumida: um Estado Democrático de Direito fundado na dignidade da pessoa humana.
Nessa linha, cuidou o constituinte originário de interditar os arroubos autoritários voltados para suprimir o regime democrático. O inciso XLIV do artigo quinto da Constituição define como “crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”.
Já a Lei n. 14.197, de 2021, que revogou a Lei de Segurança Nacional, acrescentou, entre outros, o seguinte crime no Código Penal:
“Art. 359-L. Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais: Pena — reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência”.
Essas disposições constitucionais e legais servem como um poderoso aviso aos golpistas, mais ou menos assanhados. O destino de quem conspira, fardado ou não, contra a democracia no Brasil é a cadeia. Trata-se de uma formulação com viés popular e coloquial, mas visceralmente clara e rigorosamente escorreita.
É preciso registrar com força e energia que a democracia por si só não resolve (ou resolverá) os problemas fundamentais do Brasil. A construção de uma sociedade livre, justa, solidária e sustentável, baseada na cidadania, no pluralismo e na superação de preconceitos e discriminações, reclama o desmonte de uma série de sofisticados mecanismos institucionais de produção e reprodução de desigualdades, mazelas e opressões. Essa gigantesca tarefa não será realizada por salvadores da Pátria, figuras messiânicas, ungidos pelos deuses ou coisa parecida. Os maiores e mais graves problemas do Brasil serão equacionados na proporção do aumento da conscientização, organização e mobilização da maioria do povo brasileiro. Para trilhar esse longo e difícil caminho o oxigênio da democracia é indispensável.