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(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 24 de agosto de 2022

Reflexões para Teoria do Estado Nacional: pedagogia colonial; Duas formas de ação: no processo educacional e nas mídias

Quarta, 24 de agosto de 2022



Reflexões para Teoria do Estado Nacional: pedagogia colonial

Por Felipe Quintas e Pedro Augusto Pinho.
16:38 - 23 De Agosto De 2022


Duas formas de ação: no processo educacional e nas mídias

“Só poderei dizer bem da mulher, pois que a minha é uma santa. Os afazeres da repartição ficam muito longe das canseiras do lar, dos cuidados domésticos, de todos esses tormentos e martírios da minha consorte! Coitada! Nove filhos! Que desgraça! É uma riqueza bem difícil de conservar! Não sei quando Deus quererá me dar a aposentadoria da paternidade, pois a do governo só espero no dia que me tornar proprietário de uma cova rasa e entrar triunfalmente pelas aleias de um cemitério, onde burocraticamente repousam as cinzas dos eternos aposentados da Morte”. (Catulo da Paixão Cearense, “O que é a mulher”, em Alma do Sertão, obra organizada por Mario José de Almeida para Editora A Noite, RJ, s/data).

A pedagogia colonial é a maneira mais profunda e consistente do poder, qualquer poder, se manter. Ela se insere na mente e no comportamento das pessoas que passam a ser como o osso e a pele que reveste o corpo. Também é antiga, não é invenção do capitalismo financeiro, que domina o mundo ocidental neste século 21. Podemos ver sua constituição neste ocidente, quer na Grécia Antiga, quer no monoteísmo judaico, grandes influências em nossas ações menos conscientes. É exatamente isso: a pedagogia colonial dispensa a consciência, é o reflexo que se supõe natural, humano desde sempre, mesmo quando absurdo.

Imagine tirar a economia do capitalismo. O que se manterá de pé? Como na compreensão de Marx a totalidade é um nexo das relações, nas espécies é a capacidade de adaptação, o que propomos fazer nestas reflexões é levantar o manto da fantasia que oculta a sociedade humana, naturalmente solidária na procura do bem comum, como um conjunto de antagonismos em favor do mais apto.

Pode-se entender que a pedagogia colonial tem início com o nascimento das pessoas. Os sons, os sabores, os contatos, os afetos constituirão a primeira forma de aprendizagem, e, como é óbvio, o poder buscará estabelecer neles alguma distinção que faça surgir um colonizado. Porque a distinção é formadora de grupos, de discriminações, fonte de inimizades e ódios. Se não houver distinção, como entender e se relacionar com ricos e pobres, senhores e escravos, homens e mulheres, diferentes etnias?

O nascimento deve ser a primeira lição da pedagogia colonial. Por isso esta denominação: pedagogia porque se ensina, colonial porque submete. E quanto mais elaborada, menos compreensível, porém bastante profunda.

A biografia de Eça de Queiroz, por Gondim da Fonseca, embora embasada numa compreensão psicanalítica, teve o discernimento da pedagogia colonial que “penetra no seu self e revela os fundamentos emocionais do seu estilo, de sua maneira de escrever”, prefacia Gondim nesta sua “biografia pioneira”.

Depois virá a escola ou a ausência de escola, as modalidades da construção do saber. Quando dirigentes fecham bibliotecas, incendeiam livros, reduzem verbas para o ensino, ou, como fizeram os primeiros colonizadores do Brasil, entregam a instrução, que deve ser pública e universal, para a iniciativa privada, para alguns que possam ser catequizados por determinada ideologia, a religiosa, dos jesuítas, já estão declarando o rumo com que pretendem formar a construção da sociedade, sua pedagogia colonial, que tipo de cidadania querem colher daquele grupamento humano.

Duas formas de ação encontraremos conduzindo a pedagogia colonial: no processo educacional, em todos os níveis e para todas as ocupações, e nas mídias, a comunicação de massa, por todos os meios: revista, rádio, televisão, jornais, livros, podcast, canais virtuais etc.

A educação formal deve ser capacitadora, preparadora de compreensão; entender a natureza, entender a humanidade, entender valores e saber hierarquizá-los e, sobretudo, valorizar a vida. A educação não pode ser apenas transmissora de um conhecimento envelopado, deve ser a possibilidade de descobrir, de revelar para si mesmo este saber. E não haverá razão de mercado que crie esta instituição.

Primeiro porque a escola não é uma instituição global, ela se insere num mundo específico pelas condições materiais e humanas, isto é, pelos recursos do ambiente físico e pela cultura que a relação dialética do homem com a natureza ali formou.

Depois porque a escola não é um local para transmitir saber, mas para criar saber. Por isso a escola é uma escola de trabalho. Mas não basta. A escola é um ambiente de amor, de acolhimento, onde os alunos tomam consciência de suas possibilidades. Por isso a escola é também uma obra de arte, de ocupação de espaço, mas uma obra aberta que se renova e se constrói permanentemente. Ela não vai se conduzir pelo costume, pelo preconceito, pela valorização da memória.

Quando se trata de escola vêm à mente as crianças. Mas a escola é um ambiente de formação, de construção, de busca, que não tem idade. Também é o lugar de esclarecimentos, de transmissão de saberes acumulados, e muitas são as formas de se chegar a esta construção permanente de uma sociedade. Então a escola está também no modo de cada habitante se relacionar com os demais.

Como fazer disso um empreendimento para que alguém lucre? Apenas ganhe dinheiro? A escola só pode ser a escola pública, aberta o dia inteiro, toda semana, de múltiplos ambientes, para desenvolver todo conhecimento, expressar as dúvidas e as necessidades e, em especial, vivenciar a solidariedade humana, acolhendo pessoas de todas as idades.

A grande rejeição, imensa hostilidade do poder colonial que nos domina, por seus representantes, aos Centros Integrados de Educação Pública (Cieps), de Leonel Brizola-Darcy Ribeiro, foi por esta obra educacional ser o que de melhor o Brasil produziu até hoje para a educação básica. Um eficiente caminho para vencer a pedagogia colonial.

A guerra na Ucrânia está sendo um tiro no pé do militarismo neoliberal do Ocidente (inclui-se o Japão neste “ocidente”). Mesmo a intensidade da pedagogia colonial no tratamento dessa “guerra” colocou em dúvida o sistema “democrático” de liberdade e bem-estar.

Vamos desenvolver, como se fosse um estudo de caso, na sempre excelente tradução da Vila Mandinga, o artigo do analista Alastair Crooke, em The Altworld, no 18/7/2022, com título “Lendo as runas da guerra”.

A palavra “runa” pode não fazer parte do vocabulário corrente, pelo que inicio com a explicação: “runa” significa mistério e segredo. É um sistema de leitura de oráculos, usado para entender situações e responder perguntas. Runa é constituída por um conjunto de pedras, com significados próprios, parecendo um jogo.

O artigo de Alastair Crooke começa com a frase: “Claro que o conflito está decidido, para todos os efeitos – embora esteja longe de terminar”. Assim o Ocidente está arcando com perdas irrecuperáveis, nos campos militar, tecnológico e econômico, e a desmoralização do sistema que adotou. E parte deste sistema está no inundante, avassalador emprego da pedagogia colonial, sem trégua nem escrúpulo, por todas as mídias, e até trabalhos acadêmicos.

Outro trecho de Alastair Crooke: “O Ocidente está tão fortemente investido na própria narrativa fantástica de algum suposto iminente colapso e russos humilhados que se vê preso. Não pode avançar por medo de que a Otan não esteja à altura da tarefa de confrontar as forças russas. Mas firmar um acordo, voltar atrás, seria a desmoralização. O Ocidente tornou-se refém do próprio triunfalismo desenfreado, travestido de infoguerra.”

E, para os que sabem ler, fica evidente a catástrofe, o abraço de náufrago que os Estados Unidos da América (EUA) dão na Europa. E só a montanha de dinheiro destinada à corrupção, ao suborno, à produção de “fake news”, trabalhos acadêmicos, que ainda mantém, e com muita repressão, os governos, talvez os próprios Estados, submetidos à moeda única, da Europa Ocidental.

Se a guerra na Ucrânia está provocando este desastre, imagine quando os pequenos investidores souberem que sua poupança, aplicada em fundos de nomes pomposos, por lucrativos bancos, nada mais valem, nem mesmo será possível resgatar o valor aplicado e depreciado pela inflação. São os trilhões, centenas de trilhões de dólares estadunidenses, papéis sem lastro, sem ativos que lhes deem sustentação, que estão transitando nos circuitos financeiros pelo mundo, e caucionando estes fundos fantasmas.

A pedagogia colonial que desinforma também cria o ambiente hostil quando se trata de interesse nacional. Não se iludam os prezados leitores: os governos militares que se estabeleceram em 1964 no Brasil não caíram, não tiveram fim por movimentos democráticos populares, nem pelas torturas cometidas por agentes do Estado, nem nas mortes que provocaram ou acobertaram; eles foram depostos pela ação nacionalista, especialmente a do presidente Ernesto Geisel, que acompanhou e defendeu a Revolução de 1930 contra a insurreição de 1932, e, imbuído deste nacionalismo trouxe a tecnologia nuclear para o Brasil, investiu em energia, infraestrutura, até na cultura nacional, para que nosso País tivesse mais autonomia, mais desenvolvimento com independência científica e tecnológica.

Finalizando, traremos o tratamento dado pela comunicação de massa, no Brasil e no exterior, a dois políticos: Henry Kissinger e Leonel Brizola.

Henry Kissinger, Prêmio Nobel da Paz, secretário de Estado dos EUA, não é qualificado por seus atos, como assassino, golpista, fraudador. No entanto, eis parte de seu nefasto currículo:

a) morte de cerca de 600 mil civis no Camboja em consequência dos bombardeios que ele ordenou como secretário de Richard Nixon;

b) morte de no mínimo 500 mil civis em Bangladesh, pelo golpe patrocinado pelos EUA, em 1971;

c) morte de 350 mil civis no Laos, pelos bombardeios autorizados por Kissinger no governo Nixon;

d) genocídio no Timor Leste de 200 mil pessoas, apoiando o general Suharto, em 1975;

e) planejamento e execução do golpe no Chile, que matou o presidente eleito Salvador Allende, do qual resultou milhares de assassinatos de chilenos e estrangeiros que apoiavam o governo Allende;

f) planejamento e golpe militar em Chipre, em 1974, contra o presidente eleito Mihail Makarios.

Sem esquecer a contribuição para milhares ou milhões de assassinatos que Henry Kissinger, como membro do Clube Bilderberg, articulou, subvencionou, planejou e até executou.

Enquanto isso, as mídias da pedagogia colonial achincalham, degradam, mancham a honra e integridade e mentem a respeito de um brasileiro como Leonel Brizola, único a governar, por escolha eleitoral majoritária do povo, dois Estados: Rio Grande do Sul (RS) e Rio de Janeiro (RJ), este último por duas vezes.

O que fez Brizola? Mais de 6.000 novas escolas no RS, nacionalizou, por descumprir suas obrigações com o povo gaúcho, a Bond&Share, na área da eletricidade, e a IT&T, da telefonia, mudando a história, que teria prosseguimento até nos governos militares. E, no RJ, fez a revolução no ensino, criando os Cieps. E foi a liderança brasileira, no tempo pré comunicação virtual, que mais se relacionou com chefes de Estado, líderes políticos e dirigentes de partidos políticos no Hemisfério Ocidental, buscando a estruturação de uma sociedade onde o trabalho e não o dinheiro fosse a base da sua constituição.


*Felipe Maruf Quintas é cientista político.

*Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado.